Software nascido na Unicamp auxilia gerenciamento de parque tecnológico na maior rede de hospitais universitários do Brasil
Texto: Ana Paula Palazi | Fotos: Pedro Amatuzzi e Comunicação/Hucam-Ufes
O primeiro rascunho do GETS foi feito num pedaço de papel. A sigla é a abreviação de Gerenciamento de Tecnologia para a Saúde. Esse é o nome do software web criado na Unicamp que tem ajudado hospitais espalhados pelo país a acompanharem o dia a dia de milhares de equipamentos médico-hospitalares. Um trabalho interno de pouca visibilidade, mas muito importante para a população, que ganhou destaque com o aumento do uso de dispositivos de suporte à vida durante a pandemia.
O sistema foi licenciado pela Inova Unicamp para a maior rede de hospitais universitários públicos do Brasil em 2020. Cada um dos 40 centros de referência de média e de alta complexidade do SUS filiados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), empresa pública vinculada ao Ministério da Educação (MEC), recebeu um contrato. O documento prevê a licença de uso do software sem custo para a unidade por uma década. No Laboratório Nacional para Gerenciamento de Tecnologia para Saúde (LNGTS), do Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da UNICAMP, uma equipe enxuta coordenada pelo professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), José Wilson Magalhães Bassani, ainda vai desenvolver complementos que incluem um canal exclusivo de atendimento, materiais para o treinamento de equipes e relatórios de suporte num outro contrato firmado com a Ebserh.
Breve histórico
Cientista da Computação e doutor em Engenharia Elétrica formado pela Universidade Estadual de Campinas, Bassani foi o responsável pela concepção do projeto do GETS. Era o início dos anos 2000, quando ele começou a desenhar os primeiros gráficos que, anos mais tarde, seriam instantaneamente produzidos por uma rede de computadores montada na Unicamp.
A preocupação do professor, já naquela época, era ter dados e informações confiáveis que pudessem facilitar o trabalho de engenheiros clínicos recém-graduados e auxiliar na tomada de decisão de gestores. “Se alguém chamasse para explicar o que estava acontecendo com os equipamentos do Hospital de Clínicas da Unicamp, queria que as respostas estivessem à mão”, lembra.
A ideia foi padronizar a nomenclatura dos equipamentos odonto-médico-hospitalares, algo que não existia, e depositar tudo numa base centralizada a partir de um modelo matemático que permitisse uma visão geral do parque tecnológico de saúde. Uma espécie de “ficha corrida” das máquinas.
No entanto, a programação do sistema e o desenvolvimento do software esbarrariam nas limitações técnicas da época. O GETS só viria a funcionar da forma como seus inventores imaginaram dez anos depois, em 2010, com o apoio da engenheira clínica com mestrado na área de Engenharia Biomédica pela FEEC, Ana Cristina Bottura Eboli, e do analista de sistemas, Éder Trevisoli da Silva.
Robusto e eficiente
“O GETS nos trouxe controle, padronização e a possibilidade de obter informações rápidas para a tomada de decisões estratégicas no hospital que visam, por exemplo, a aquisição de novas tecnologias e a viabilidade de manutenção dos equipamentos”, conta o engenheiro Gustavo de Castro Vivas que usa o software desde 2018. Ele é chefe do setor de Engenharia Clínica do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (HUCAM), ligado à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Vivas integrou a equipe de engenheiros que analisou uma série de sistemas de gerenciamento disponíveis no mercado para definir a melhor solução que atendesse aos hospitais da rede Ebserh. Ele conta que o fato do GETS ser um sistema sem custos e que já recebeu investimentos do Ministério da Saúde pesou positivamente, mas o que definiu a escolha pela ferramenta desenvolvida na Unicamp foi a robustez do sistema. “O GETS possuía a maioria dos critérios e dos requisitos técnicos exigidos pelo nosso grupo de trabalho”.
O software é alimentado com informações passadas pelas equipes de engenharia clínica dos hospitais a partir das ordens de serviço de manutenção das máquinas. Os dados possibilitam gerar um inventário padronizado e de forma integrada dos equipamentos disponíveis em cada unidade de saúde, além de mostrar as condições em que eles se encontram. Com isso, as instituições conseguem trabalhar com mais eficiência.
Aproximadamente 3 mil máquinas que vão de tomógrafos a respiradores são gerenciadas pela ferramenta só no Hospital Universitário da capital Vitória. O número representa cerca de 50 milhões de reais em ativos e bens patrimoniais da União, segundo Vivas. Todos os meses o HUCAM deposita em torno de 400 novas ordens de serviço de manutenção corretiva e preventiva que vão alimentar a base de dados e fornecer importantes informações.
Redução de filas no SUS
Com a ferramenta GETS, as equipes conseguem identificar equipamentos que apresentam alto índice de falhas e excessivo gasto com manutenção. O software padroniza a nomenclatura de equipamentos – trabalho feito pelo engenheiro Paulo Roberto Martinuzzi Pedro, do CEB – e procedimentos de Engenharia Clínica. Os dados são usados para ranquear as máquinas pelo histórico e definir, quando necessário, quais as principais candidatas à substituição. Sem o software, o trabalho seria demorado e exaustivo, como comenta Vivas. “Eu teria que analisar um a um o histórico de três mil equipamentos, com o GETS o relatório é gerado instantaneamente”.
É economia de dinheiro público e maior agilidade no conserto, destaca a engenheira Ana Cristina Bottura Eboli. “A rapidez no conserto significa mais pacientes sendo atendidos. Para um hospital particular é lucro que entra, para um hospital público é menos filas no SUS”. Bottura é co-inventora do software e responsável por definições de requisitos de implantação, pelo atendimento aos hospitais e treinamento para uso da ferramenta. Enquanto o companheiro de trabalho, Éder, também co-inventor, é responsável pelo desenvolvimento de software e manutenção da tecnologia envolvida no GETS.
Ana explica que, com o tempo e o fluxo contínuo de dados, o sistema ganha assertividade podendo gerar previsões além de indicar o tempo médio de resposta das assistências técnicas. É possível saber, entre outras coisas, qual o tipo de equipamento mais efetivo e ideal para uma determinada região cruzando os dados e comparando históricos. “Às vezes você está numa cidadezinha do interior que não tem empresas de manutenção como em São Paulo e isso impacta no atendimento”, comenta Bottura.
O GETS também tem a função de gerar alertas. A análise dos dados fornecidos pelo sistema direcionou, por exemplo, a compra de 40 novos respiradores pelo Hospital de Clínicas da Unicamp, em 2019, quando ainda não se falava em pandemia de coronavírus. O sistema já acusava a sobrecarga desses equipamentos em períodos de aumento das doenças respiratórias como no inverno.
Outra função do GETS está na detecção de falhas humanas que podem direcionar o tipo de treinamento e atualização que a equipe técnica precisa, podendo direcionar a adoção de medidas e reduzir outros custos do processo. “Quando nós olhamos a base de dados de todos os hospitais, conseguimos ver quem está saindo fora da curva com números estranhos para cima ou para baixo”, diz Bottura.
Ferramenta de pesquisa e ensino
A questão do ensino e da pesquisa também são conceitos muito presentes no GETS desde sua criação. “Nosso software é licenciado gratuitamente para os hospitais públicos e o que nós estamos ganhando com isso é um grande banco de informações”, comenta Bassani. Além de extrair dados e responder a perguntas relevantes, é possível desenvolver outras pesquisas a partir das informações reveladas pelo GETS, publicar resultados de análises científicas e formar estudantes. “A Universidade e a sociedade ganham muito com isso”, diz o professor.
Atualmente, 52 mil equipamentos estão cadastrados no GETS. São 180 mil ordens de serviço já registradas desde 2010 quando o sistema começou a funcionar. A previsão é de que essa base alcance 120 mil máquinas até o final do ano, com o inventário dos 40 hospitais da rede Ebserh. Apesar de alto, o número ainda está muito aquém do projetado por Bassani: “Ainda quero ver o sistema com mais de mil hospitais”, afirma.
A lista de espera de unidades e secretarias de saúde interessadas em firmar um contrato com a Unicamp para receber a licença cresceu durante a pandemia. Só que o avanço tão sonhado por seus inventores esbarra num problema de estrutura que depende da manutenção do investimento público, seja em bolsas de pesquisa ou na contratação efetiva de profissionais. “Para crescer mais rápido, precisamos de mais gente na equipe”, completa Bottura.
Participe do Prêmio Inventores
Com o objetivo de homenagear alunos, ex-alunos, pesquisadores e docentes envolvidos em atividades de proteção e transferência de tecnologia da Unicamp, a Agência de Inovação da Unicamp realiza anualmente o Prêmio Inventores, que neste ano será no formato webinar.
Durante o evento, é possível conhecer mais sobre outras inovações e participar das sessões de perguntas e respostas com o público. Entre os conteúdos, vamos abordar assuntos como oportunidades de negócios para softwares, conhecer algumas tecnologias da Unicamp absorvidas pelo mercado, sobre a proteção da propriedade intelectual e muito mais. Confira a programação completa aqui.
O evento acontece durante um dia inteiro. É possível assistir às mesas e aos blocos de interesse acessando o mesmo link para qualquer horário, que será enviado por e-mail após a inscrição.
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