A médica cubana Ramona Matos Rodriguez mostra
documento na casa do deputado Alberto Lupion,
onde está hospedada (Nathalia Passarinho/G1)
Para a médica cubana Ramona Rodriguez, o Mais Médicos não resolve o problema da saúde pública do país, pois falta estrutura nos hospitais e postos de saúde para onde os profissionais estrangeiros foram enviados. A médica, que deixou o programa no último sábado (1º) disse que Pacajá (PA), para onde foi enviada, não tinha instrumentos e os remédios necessários para atender a população de forma adequada.
"É preciso medicação, instrumentos. Isso faltava, o que dificultava muito o nosso trabalho", afirmou ao G1 nesta quinta-feira (6).
Ramona Matos Rodriguez abandonou o programa Mais Médicos ao perceber que os profissionais de outros países recebiam salário de R$ 10 mil, enquanto a remuneração dos cubanos era de US$ 400. Outros US$ 600 eram depositados em contas de Cuba para serem entregues aos médicos somente após o término do contrato.
Ela criticou o formato do programa. "Acho que Brasil precisa de mais médicos, mas só isso não basta. Tem que ter infraestrutura que permita ao profissional da saúde fazer o atendimento. Não é só com a palavra, com as mãos, que se pode curar o outro", disse.
A médica disse que decidiu abandonar o programa por se sentir "enganada". Em entrevista à imprensa, disse que só pôde ler o contrato e saber do salário alguns dias antes de embarcar. Em Cuba, porém, o governo cubano já havia divulgado a intenção do Brasil de contratar médicos estrangeiros desde novembro de 2012. No Brasil, o governo brasileiro lançou oficialmente o programa em setembro.
O representante [de Cuba] tinha que nos controlar, saber onde vamos, o que fazemos, com quem nos relacionamos"
Ramona Rodriguez
Falta de liberdade
Ramona também relatou as restrições de liberdade que tinha na cidade de Pacajá. Todos os seus passos tinham que ser relatados a um supervisor cubano do programa, que mora em Belém.
Ela precisava de autorização para almoçar ou passear em outras cidades, ainda que no mesmo estado, e tinha que comunicar qualquer "relação mais séria" com brasileiros ou estrangeiros.
"O governo cubano mandava não falar, manter a privacidade, não divulgar nada do contrato para outras pessoas. O representante tinha que nos controlar, saber onde vamos, o que fazemos, com quem nos relacionamos", afirmou.
A médica explicou que, se desejasse sair de Pacajá, ainda que por uma tarde, comunicava a uma supervisora que morava na mesma casa, que, por sua vez, enviava um e-mail ao chefe — o supervisor mais graduado, de Belém. A saída só era liberada quando chegava a autorização por meio eletrônico.
Uma das cláusulas do contrato assinado por ela para vir ao Brasil diz que, em caso de casamento com estrangeiro, o intercambista cubano se submete à legislação de Cuba, não se isentando do cumprimento das obrigações do acordo, a não ser por autorização da Missão Médica Cubana no Brasil, que monitora os médicos da ilha no país.
"Namoro e amigos tinha que ser relatado. Se você, por exemplo, vai sair para outra cidade, tem que avisar. Poderíamos conversar com brasileiros, mas qualquer relação mais séria teria que ser informado previamente a eles, para que enviassem orientações."
Como eu sou uma traidora da pátria não vou poder voltar nunca ao meu país [...] Se eu voltar a Cuba vou ser presa. Prisão perpétua talvez. Por falar demais"
Família
A médica afirma ainda que teme pela segurança e bem estar da família, que ainda mora em Cuba. Ela tem uma filha, que também é médica, uma neta de dois anos, uma irmã e um irmão. Ramona é médica há 27 anos e tinha um consultório médico em Havana. Recebia do Estado o equivalente a US$ 36 por mês e morava em um apartamento "fornecido pelo governo de Cuba".
Ao deixar o país, a médica pediu que a irmã ficasse no apartamento. Segundo Ramona, ao saber que ela havia deixado o programa Mais Médicos, a Saúde Pública Cubana, órgão que regula a atuação dos médicos em Cuba, ordenou que o apartamento fosse desocupado.
"Eles determinaram que ela deixasse a casa e tirasse as coisas de lá", disse. Ramona afirmou que a família "por enquanto" não recebeu ameaças do governo cubano. "Estou ligando todos os dias para checar. Como eu sou uma traidora da pátria não vou poder voltar nunca ao meu país", disse.
Segundo a médica, a prioridade agora é conseguir permissão permanente para ficar no Brasil ou nos Estados Unidos. Ela também quer fazer o exame do Revalida, prova necessária para que médicos formados no exterior se formem no Brasil. "Quero trabalhar para ganhar a vida. Se eu voltar a Cuba vou ser presa. Prisão perpétua talvez. Por falar demais."