Maior e mais antigo movimento político do Egito, a Irmandade Muçulmana nunca esteve tão perto de chegar ao poder a dois meses da primeira eleição presidencial após a revolução do ano passado. Mas segundo analistas e colunistas políticos do país, o grupo passa por grandes divisões internas e caminha para uma rota de colisão com o conselho militar que governa provisoriamente o Egito.
Alvo de desconfianças sobre sua agenda política e visão para o futuro do país entre seculares e minorias religiosas, a Irmandande surpreendeu os egípcios ao anunciar no sábado a candidatura de um de seus mais importantes líderes à corrida presidencial em maio, apesar dos discursos dos últimos meses de que não teria candidato ao pleito.
"O cenário político atual é outro com essa nova cartada da Irmandade. Os outros blocos políticos certamente não contavam com um candidato do grupo. Mas Os desafios da Irmandade ainda são grandes", enfatizou a analista política Amira Howeidy, do semanário egípcio
Al Ahram.
Com a maioria no parlamento do país após as eleições de novembro do ano passado e metade dos assentos na Assembleia Constituinte, que terá a tarefa de redigir a nova constituição do país, analistas prevêem que a Irmandade deve eleger o próximo presidente do Egito. Mas, segundo eles, o grupo visivelmente passa por lutas internas.
"Uma reunião dos membros mais importantes do grupo, na semana passada, que justamente discutia se a Irmandade deveria lançar ou não um candidato próprio ao pleito presidencial terminou sem acordo e de forma bastante tensa", disse Basem Fathy, diretor da Academia Egípcia para Democracia, baseada no Cairo.
Liderança
Segundo Fathy, as divergências internas na Irmandade começam pelas dúvidas de quem realmente controla o grupo. A disputa supostamente ocorre entre o líder supremo da Irmandade, Mohamed Badei, e o vice, Khairat el-Shater, um poderoso empresário e grande financiador do movimento fundado em 1928.
El-Shater é justamente o candidato anunciado pela Irmandade para concorrer à presidência do Egito, e especulações da imprensa e mídia do país apontam para uma forte influência dele nas decisões políticas.
"Conversas entre membros da Irmandade falam de que seria El-Shater, e não Mohamed Badei, que lidera o grupo. E que teria sido dele a decisão de lançar um candidato à presidência, além de outras decisões, como a expulsão de membros rebeldes do movimento", explicou Fathy por telefone ao
Terra.
Para Amira Howeidy, as lutas internas acerca da liderança do grupo não se dará abertamente, com Badei continuando como importante líder da Irmandade. "Mas é el-Shater que vem traçando a estratégia política e os passos seguintes da Irmandade no cenário político".
Segundo ela, el-Shater não se intimidou quando membros mais jovens e liberais do movimento entraram em rota de colisão com as posições dos conservadores e líderes mais antigos sobre o futuro do Egito. A juventude do grupo, simpática aos outros jovens seculares que foram às ruas com eles para derrubar o ex-presidente Hosni Mubarak, se mostrou contrariada com discursos de alguns de seus líderes que falavam em estabelecer um Estado islâmico.
"El-Shater fez discursos garantindo o comprometimento da Irmandade com a democracia, o livre mercado e os direitos das minorias. Mas, ao mesmo tempo, falou que os resultados das eleições parlamentares mostravam a votnade dos egípcios por um estado islâmico".
Ela citou o caso de um dos mais importantes líderes da Irmandade, Abdul Moneim Abu al-Futuh, expulso do movimento por influência de El-Shater.
"Al-Futuh contava com grande apoio da ala jovem e liberal e lançou sua candidatura à presidência apesar da proibição do grupo. Ele foi expulso rapidamente após uma articulação da ala conservadora. Isso gerou um enorme desconforto e escancarou ainda mais as lutas internas".
Para Howeidy, divergências entre as lideranças do grupo poderão aumentar ainda mais no futuro próximo. "Im agine se um presidente egípcio vindo da Irmandade não se entendendo com seu próprio bloco parlamentar que poderá estar dividido", alertou ela.
Críticas
Adversários e comentaristas acusam a Irmandade de buscar apenas o apoio popular e cadeiras no parlamento ao invés de pressionar por reformas e resultados concretos após a revolução do ano passado.
Além disso, ativistas dizem que a Irmandade não pressiona o governo em relação a uma maior transparências dentro do Ministério do Interior, instituição que controla as forças de segurança e é temida pelos abusos de direitos humanos, mesmo após a queda do antigo regime.
"Há uma impressão geral de que a Irmandade apenas faz um jogo político para não entrar em atrito com o Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país de forma provisória desde a renúncia de Mubarak", disse o analista Basem Fathy.
Mas para Fathy, com as pretensões da Irmandade agora mais evidentes com o lançamento de um candidato à presidência, o grupo pode estar mudando sua estratégia para um confronto mais aberto e tomar maiores responsabildiades no país.
A Irmandade Muçulmana se defendeu dos "boatos" e acusa os rivais políticos e a mídia de fabricar notícias de que haveria divisões internas no movimento.
O próprio líder do grupo,Mohamed Badei, criticou a cobertura da imprensa egípcia sobre os "supostos problemas da Irmandade", e explicou que ele mesmo havia se recusado a concorrer à presidência inicialmente em "benefício do Egito".
Segundo ele, a decisão de rever a promessa de não concorrer à presidência com candidato próprio se deveu ao fato de que pessoas ligadas ao antigo regime estariam voltando ao cenário político. "Pessoas como Omar Suleiman (antigo chefe da Inteligência do governo de Mubarak) e outros estão trabalhando para concorrer (à presidência), e mesmo apoiadores de Mubarak estão inclusive fazendo campanha para o retorno do déspota".
Militares
Os problemas e desafios da irmandade não param apenas nas disputas e boatos internos. Segundo a mídia egípcia, o grupo estaria entrando em mal estar com os militares que governam o Egito. "O fato de eles colocarem um candidato para o pleito presidencial pode colocá-los em um confronto com o conselho militar. E essa dúvida causou também discussões e posições opostas dentro do movimento", enfatizou Amira Howeidy.
Desde a revolução e a derrubada de Mubarak, especulações na imprensa e nas ruas davam conta de que a Irmandade e os militares teriam feito um pacto secreto para compartilhar o poder no país, assim que o conselho militar entregasse o poder a um governo civil ao final de junho, após a eleição presidencial.
Colunistas citaram diversos pontos que teriam sido acordados ¿ como imunidade penal para militares e orçamento das forças armadas excluído de fiscalização em troca da facilitação da entrada da Irmandade no governo.
Mas recentemente, a Irmandade criticou os militares e acusou-os (mesmo de que forma sugestiva) de que tentariam fraudar a eleição presidencial. O conselho militar rebateu a acusação, divulgando um comunicado em que condenava "mentiras e acusações maliciosas".
"O cenário político ainda é incerto e dúvidas recaem sobre o que a Irmandade poderá oferecer de concreto: uma agenda voltada para a inclusão e respeito das opiniões variadas ou uma linha da confrontação, que incendiará ainda mais a instável política do Egito", enfatizou Basem Fathy.