O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero afirmou, em depoimento à Polícia Federal, que foi "enquadrado" pelo presidente Michel Temer e se sentiu pressionado a "construir uma saída" ao pedido do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, sobre uma obra na Bahia. Geddel, segundo ele, queria que fosse derrubado um embargo feito pelo Iphan ao empreendimento imobiliário de alto luxo em Salvador no qual ele adquiriu um apartamento.
Calero disse que foi convocado por Temer para uma reunião no Planalto e que, durante a conversa, o presidente disse a ele que a decisão do Iphan havia criado "dificuldades operacionais em seu gabinete", já que Geddel encontrava-se bastante irritado, e pediu que ele "construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU".
O ex-ministro afirmou ainda que se sentiu decepcionado pelo fato de não ter mais a quem se reportar a fim de solucionar a situação, uma vez que o próprio presidente da República o havia “enquadrado". Segundo ele, Temer disse que "a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão". Calero afirmou que, após a conversa , sua única saída foi apresentar seu pedido de demissão.
O porta-voz do Palácio do Planalto, Alexandre Parola, fez um pronunciamento na noite desta quinta (24) dizendo que Temer defendeu uma "saída técnica", ao pedir que o caso fosse levado à AGU, e afirmou que o presidente apenas buscou arbitrar conflitos entre os ministros.
"O presidente Michel Temer conversou duas vezes com o então titular da Cultura para solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre seus ministros de estado. O presidente da República trata todos os seus ministros como iguais e jamais induziu algum deles a tomar decisão que ferisse normas internas ou suas convicções. É mais pura verdade que o presidente Michel Temer tentou demover o ex-ministro de seu pedido de demissão e elogiou o seu trabalho à frente da pasta. O ex-ministro sempre teve comportamento irreparável enquanto esteve no cargo. Portanto, estranha sua afirmação, agora, de que o presidente o teria enquadrado ou pedido solução que não fosse técnica", afirmou o porta-voz.
Ainda segundo o porta-voz, Temer se disse surpreso com boatos de que o ex-ministro solicitou uma segunda audiência antes de se demitir, somente com o intuito de gravar clandestinamente conversa com o presidente para posterior divulgação.
Calero disse em entrevista à "Folha" no último sábado (19) e confirmou em entrevista ao Jornal Nacional no mesmo dia que o motivo principal de sua saída do ministério foi a pressão que sofreu do titular da Secretaria de Governo para liberar o prédio. Calero pediu demissão do cargo de ministro na última sexta-feira (18) e foi substituído pelo deputado Roberto Freire (PPS-SP).
Na segunda-feira (21), a Comissão de Ética Pública da Presidência da República decidiu abrir um processo para investigar a conduta de Geddel no episódio relatado pelo ex-ministro da Cultura. O colegiado fiscaliza eventuais conflitos de interesse envolvendo integrantes do governo, mas não tem poder para punir nenhum servidor público, apenas pode recomendar ao chefe do Executivo sanções a integrantes do governo, entre as quais demissões.
No entanto, agora, a Polícia Federal também irá apurar as denúncias de Marcelo Calero.
O depoimento à PF
Calero afirmou no depoimento à Polícia Federal que, no dia 6 de novembro, recebeu a mais contundente das ligações realizadas por Geddel e que ele disse, sempre de maneira muito arrogante, que se fosse preciso pediria a cabeça da presidente do Iphan e que falaria até com o presidente da República. O ex-ministro afirmou que, mesmo não havendo relação formal de subordinação à pasta administrada por Geddel, ele se sentia subordinado ao ministro da Secretaria de Governo, uma vez que ele integra o núcleo “palaciano” da administração federal.
Marcelo Calero afirmou que em outro dia recebeu uma ligação de outro homem forte do governo, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que argumentou que, se a questão estava judicializada, não deveria haver decisão administrativa definitiva a respeito e que Calero tentasse construir essa saída com a Advocacia Geral da União (AGU).
Antes de Temer lhe chamar no Palácio, Calero falou com o presidente sobre o assunto num jantar oferecido aos senadores. No local, ele disse que, logo na entrada, encontrou Geddel, mas desconversou rapidamente a respeito dos fatos que lhe interessavam. Logo em seguida, ele se encontrou com Nara de Deus, chefe de gabinete de Temer, e a relatou todos os fatos. Segundo ele, Nara ficou estupefata com os fatos narrados e concordou quando ele afirmou que deixaria o governo para não ser envolvido nos acontecimentos.
No mesmo jantar, ele conversou com o ministro da Educação, Mendonça Filho, que sugeriu que ele reportasse todos os fatos a Temer. No jantar, ele procurou o presidente e após lhe contar toda a história, Temer pediu a ele que ficasse tranquilo e que, caso Geddel lhe procurasse, diria que não havia sido possível atender a seu interesse por razões técnicas.
No dia seguinte, no entanto, Padilha lhe ligou perguntando como Geddel poderia recorrer da decisão do Iphan. Carelo disse que explicou a Padilha como funcionam, genericamente, os recursos de atos administrativos. Logo depois, ele recebeu uma ligação de Carlos Henrique Sobral, chefe de gabinete do ministro-chefe da Casa Civil, indagando a respeito dos prazos recursais. No mesmo dia, foi chamado por Temer.
Após a reunião em que disse se sentir "enquadrado" pelo presidente, o ex-ministro da Cultura disse que recebeu também uma ligação do secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, e que ele comunicou que havia ingressado com recurso da decisão administrativa junto ao Ministério da Cultura e ao Iphan e que Calero devia encaminhar os autos do processo para a AGU. Calero disse que respondeu que já havia tratado a respeito do assunto com o presidente, e que não ia tomar qualquer decisão neste processo.
Segundo o ex-ministro da Cultura, Gustavo Rocha disse que também havia conversado com o presidente e que seu intuito era o de que Calero encaminhasse os autos para a AGU.
O ex-ministro disse que este último episódio foi determinante para a saída dele do governo, pois demonstrava a insistência do presidente em fazer com que ele interferisse indevidamente no andamento do processo.
Calero contou ainda que, ao pedir demissão, o presidente disse que era ele, e não Geddel, o presidente da República e brincou dizendo que cometeria um abuso de autoridade e não deixaria que ele deixasse o governo.
Padilha e Gustavo Rocha se pronunciam
O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, admitiu que conversou com Calero sobre o prédio em Salvador, mas, segundo dele, para que fosse encontrada uma solução na forma da lei. Padilha disse que, diante da controvérsia entre órgãos públicos federais, sugeriu que Calero buscasse a AGU, já que a Constituição prevê que cabe à AGU identificar e propor soluções para questões jurídicas relevantes nos órgãos federais. Mas Calero ignorou a sugestão, segundo ele.
Veja a nota enviada pelo ministro:
"A propósito de notícias de que eu teria falado com o ex-ministro da Cultura sobre a ação judicial e a dupla interpretação de licenciamento de edifício em Salvador/BA, esclareço o seguinte:
1 – Fui informado do licenciamento de um edifício pelo Iphan, em discussão no âmbito do Poder Judiciário, então com várias decisões denegando o embargo de tal obra, e de que também existiam discordâncias entre dois órgãos da administração pública sobre o mesmo tema, razões pelas quais resolvi falar com o ex-ministro.
2 – Ante as decisões judiciais e a controvérsia entre os órgãos públicos federais, sugeri ao ex-ministro que, em caso de dúvida, na forma da Lei, buscasse a solução junto à AGU (Advocacia Geral da União).
3 – A competência da AGU para o caso está prevista no Art. 131 da Constituição Federal e no inciso III, da letra C do Art. 14, do Decreto 7392 de 2010: “III- identificar e propor soluções para as questões jurídicas relevantes nos diversos órgãos da Administração Pública Federal.”
4 – O ex-ministro ignorou a sugestão.
Brasília, 24 de novembro de 2016.
Eliseu Padilha"
Gustavo Rocha disse que sua conversa com Calero foi no mesmo sentido, de encaminhar a questão para a AGU, em decorrência da competência institucional do órgão.
Em resumo, Calero falou no depoimento:
Que recebeu uma ligação de Geddel Vieira Lima, que pediu, em tom assertivo, que o Iphan nacional homologasse a decisão autorizativa da obra tomada pela Superintendência do Iphan da Bahia, e informou que possuía um apartamento no empreendimento
Que o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ligou e argumentou que se a questão estava judicializada, não deveria haver decisão administrativa definitiva a respeito e que tentasse construir uma saída com a AGU
Que o presidente Michel Temer o chamou para comparecer ao Palácio do Planalto e disse que a decisão do Iphan havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, pois o Geddel encontrava-se bastante irritado, e que pediu para que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU, porque a ministra Grace Mendonça teria uma solução, e que no final da conversa o presidente disse ao depoente “que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão”
Que ele, ao final da conversa com o presidente, ficou bastante desapontado, uma vez que foi advertido em razão de ter agido sem cometer qualquer tipo de irregularidade, que sentiu-se decepcionado também pelo fato de não ter mais a quem reportar-se a fim de solucionar esta situação, uma vez que o próprio presidente da República o havia “enquadrado”
Que recebeu uma ligação de Gustavo Rocha, secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, dizendo que havia ingressado com recurso da decisão administrativa junto ao Minc e ao Iphan e que ele devia encaminhar os autos do processo para a AGU
A obra embargada
O empreendimento imobiliário pivô da saíde de Marcelo Calero do Ministério da Cultura foi embargado pela direção nacional do Iphan em razão de estar localizado em uma área tombada como patrimônio cultural da União, sujeita a regramento especial. Os construtores pretendem erguer um prédio com 31 andares, mas o Iphan autorizou a construção de, no máximo, 13 pavimentos.
Com vista privilegiada para a Baía de Todos-os-Santos, o condomívio La Vue começou a ser construído em outubro de 2015. O metro quadrado dos apartamentos – um por andar – custa em torno de R$ 10 mil. O edifício tem apartamentos com quatro suítes de 259m² e uma cobertura chamada "Top House" de 450 m². Os imóveis no La Vue variam de R$ 2,6 milhões a R$ 4,5 milhões.
No sábado, o instituto informou que a obra foi embargada após estudos técnicos apontarem impacto do empreendimento em cinco imóveis tombados da vizinhança do condomínio: o forte e farol de Santo Antônio, o forte de Santa Maria, o conjunto arquitetônico do Outeiro de Santo Antônio (que inclui o forte de São Diogo), além da própria Igreja de Santo Antônio (leia mais sobre os argumentos do Iphan ao final desta reportagem).
Nos últimos dias, Geddel admitiu que é proprietário de um apartamento no empreendimento, confirmou que procurou o então ministro da Cultura para tratar do embargo à obra, mas negou que tivesse pressionado Calero para liberar a construção do edifício.
Parentes
Familiares do ministro integram a defesa do empreendimento imobiliário de Salvador barrado pelo Iphan, no qual ele afirma ter comprado um imóvel, publicou na quarta-feira o jornal "Folha de S.Paulo".
Segundo o jornal, um primo e um sobrinho de Geddel atuam como representantes do empreendimento La Vue Ladeira da Barra junto ao Iphan.
A publicação afirmou que, em um documento anexado ao processo administrativo que tramitou junto ao Iphan, a empresa Porto Ladeira da Barra Empreendimento – responsável pelo La Vue, interditado pelo órgão ligado ao Ministério da Cultura – nomeou como procuradores os advogados Igor Andrade Costa, Jayme Vieira Lima Filho e o estagiário Afrísio Vieira Lima Neto.
Ainda de acordo com a "Folha", Jayme é primo de Geddel e também seria sócio dele no restaurante Al Mare, em Salvador. Já o estagiáriao Afrísio Vieira Lima Neto é filho do deputado federal Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do ministro da Secretaria de Governo.