Este ano, o Natal será comemorado secretamente no Iraque, em respeito ao luto xiita em andamento, mas sobretudo por medo de atentados. Retrato de uma comunidade que tem ficado cada vez menor.
Aos poucos, o Natal também está desaparecendo do Iraque. Pelo segundo ano consecutivo, os cristãos de Bagdá não comemorarão realmente o aniversário do nascimento de Cristo. Nada de guirlandas nas janelas, nada de luzinhas nas igrejas, nada de festas em casas noturnas ou em hotéis. Haverá, sim, uma missa no sábado (24), mas não à meia-noite, por razões de segurança, e depois cada um voltará para sua casa.
No ano passado, a comunidade estava de luto após o ataque, no dia 31 de outubro de 2010, à igreja Sayedat al-Najat (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro), que havia traumatizado os fiéis: os jihadistas do Exército Islâmico no Iraque tomaram reféns, e depois o exército realizou um ataque; 46 fiéis e dois padres morreram nessa chacina, e 60 pessoas ficaram feridas.
Este ano, é por outra razão: em respeito à comunidade xiita, que está em pleno mês de Moharram, que marca o luto de Hussein, o imame mais reverenciado, o Natal será comemorado discretamente. A decisão foi tomada pela administração encarregada da gestão dos bens das igrejas cristãs (‘awqaf), um órgão semipúblico. Em voz baixa, os cristãos de Bagdá ressaltam que esse órgão não está habilitado a tomar esse tipo de decisão. “O chefe dos ‘awqaf cristãos estava sendo pressionado por histórias de corrupção”, observa um membro do clero que prefere não se identificar. “Ele tomou essa decisão para ser bem visto pelo primeiro-ministro [xiita], Nouri al-Maliki”.
“De qualquer forma”, suspira o padre Saad Hanna, da igreja caldeia de São José, “não há clima para festa”. Na quinta-feira (22), quinze atentados simultâneos resultaram em mais de 60 mortos e 200 feridos em Bagdá, lembrando a capital dos piores momentos da guerra civil, em 2006-2007. “Toda essa violência dizimou nossa comunidade desde 2003. Muita gente foi embora. Nós éramos em 750 mil a 800 mil, e agora somente 450 mil.”
Em Bagdá, havia 350 mil cristãos, e agora não passam de 100 mil. “Nós somos um alvo fácil para os gângsteres e os terroristas”, explica o padre Saad Hanna. “Não há nenhuma tribo ou milícia para nos defender. Os americanos nos deixaram em paz, então os fundamentalistas das duas alas nos tomaram como representantes do Ocidente ímpio.”
O padre Saad Hanna, 40, fala com conhecimento de causa. Ele foi sequestrado de sua paróquia de Doura, no dia 15 de agosto de 2006, “provavelmente por um grupo extremista sunita”, e solto 28 dias depois. No dia seguinte, o papa Bento 16 pronunciava seu polêmico discurso de Regensburg sobre o islamismo. “Não acredito na sorte, mas sim na providência”, diz o eclesiástico, em um eufemismo. Pouco depois, ele deixava o Iraque para estudar filosofia em Roma, durante dois anos. Restaram dez padres em Bagdá, e 24 tomaram o caminho do exílio, nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa.
Quando voltou para o Iraque em 2008, como a igreja onde ele oficiava em Doura havia sido incendiada, o padre Saad Hanna foi parar na São José, no bairro chique de Kerrada, no centro de Bagdá. Não longe da sede da comissão anticorrupção, alvo na manhã de quinta-feira (23) do atentado mais sangrento do dia (23 mortos). Tampouco longe da catedral assíria de Sayedat al-Najat, hoje cercada por altos muros antibombas e vigiada por soldados. Ademais, é impossível entrar ali, ninguém quer receber jornalistas estrangeiros. Provavelmente por medo de uma declaração mal colocada, em um país onde os cristãos mal se sentem tolerados. Uma em cada duas sacadas das mansões dos arredores é decorada com bandeiras pretas em homenagem a Hussein, o líder dos xiitas. Enquanto os sinais visíveis do cristianismo, protegido sob a ditadura de Saddam Hussein, estão se apagando, o xiismo militante se encontra em plena expansão religiosa e política.
“O problema não vem do governo”, corrige o padre Saad Hanna, sério e sorridente. Desde o ataque de Sayadat al-Najat, sua igreja é vigiada como uma fortificação. As autoridades enviaram 600 homens a mais para os locais de culto cristãos em Bagdá. “É a sociedade que está doente. Sob Saddam Hussein, ninguém podia fazer nada. Desde que ele saiu, todos estão correndo atrás de sua identidade. Todos estão transmitindo a seus filhos seus medos, seus preconceitos, seu ódio pelo outro”. Ele apresenta como prova o fato de que professores se recusaram a mudar os exames de fim de semestre programados para o dia 25 de dezembro...
Na rua principal de Kerrada, um vendedor de flores vende alguns pinheiros de plástico e guirlandas luminosas para o Natal. Duas clientes passam fazendo compras. Uma muçulmana sem véu diz: “É uma pena que os cristãos não decorem mais as ruas. Sinto falta disso, então decidi decorar meu apartamento pelo menos para o Ano Novo”. Depois a cristã, de cabelos escondidos por um lenço, diz, constrangida: “Não faz mal, comemoramos no ano que vem. Devemos respeitar o luto de Moharram.” A muçulmana: “Mas nem os sunitas estão celebrando o Moharram! Por que vocês o fariam?”
As três lojas de bebidas alcóolicas da rua fecharam: duas explodiram, e a terceira preferiu fechar de vez. Abou Sandy, também cristão, proprietário do restaurante Al-Nour, um dos mais famosos de Kerrada, perdeu dois terços de sua família, que foram para o exterior: “Todos os dias meus dois filhos me perguntam: ‘Quando vamos embora?’ Mas tenho esse restaurante, é toda minha vida. Dez funcionários trabalham aqui. O que vai ser deles se eu for embora? Se todo mundo for embora, acabaremos como os judeus do Iraque. Vamos desaparecer.”
Yonadam Kanna se recusa a se render a esse pessimismo. Deputado, presidente do Movimento Democrático Assírio, o único partido político cristão representado no Parlamento, é um homem enérgico de otimismo um pouco forçado e de humor bastante negro. “Sim, as pessoas vão embora, mas é normal em tempos de guerra. Os cristãos voltarão quando tudo estiver melhor. Veja o que aconteceu no Líbano!” O Movimento Democrático Assírio, que tem cinco deputados e um ministro (do Meio Ambiente), está instalado em uma antiga sede dos fedayins de Saddam Hussein, um braço temido da inteligência ligado ao filho mais velho do ex-ditador iraquiano, Uday.
Para ele, o ataque contra a igreja de Sayedat al-Najat parece um “genocídio”. Mas o que mais o desencorajou foi a reação dos países europeus: “A França e a Alemanha lançaram um apelo para que os cristãos emigrassem do Iraque. Foi uma correria até os consulados. O que querem os europeus? Que a gente suma do Iraque? Quer nos lançar contra os muçulmanos, que têm a maior dificuldade em conseguir vistos? E de quê vão viver nossos compatriotas na Europa, dos impostos dos outros? Naquele dia, Koucher [então ministro das Relações Exteriores] deveria ter pensado melhor antes de falar.” Desde então, o ritmo do êxodo diminuiu, segundo Yonadam Kanna, “apesar de cristãos continuarem a ser ameaçados pela máfia imobiliária, que quer forçá-los a partir para comprar suas casas por uma bagatela.”
No Parlamento, o deputado assírio lutou para conseguir medidas de urgência. Entre outras coisas, ele arrancou a promessa de que os cristãos não seriam mais discriminados quando se candidatassem a cargos no Exército ou na polícia. Em compensação, seu pedido pela criação de uma polícia privada para proteger as populações dos vilarejos cristãos da região de Mossoul não foi atendido. Assim como seu pedido pela restituição de 8 mil donums (800 hectares) confiscados por Saddam Hussein a vilarejos cristãos. Quando se trata de armas ou de dinheiro, a solicitude do Estado iraquiano acaba rápido.
Yonadam Kanna está certo disso: no novo Iraque, a segurança dos cristãos depende da obtenção de uma província só deles, a ser dividida com outras minorias religiosas perseguidas, os yazidi (originada do zoroastrismo), os shabak (majoritariamente xiita), os turcomanos. Tanto que o Curdistão, refúgio preferido dos cristãos, acaba de sofrer uma onda de violência anticristã no início de dezembro. “Bastariam dois distritos e meio, 3 mil quilômetros quadrados no total. Poderíamos administrar nossa segurança, nossos impostos”. Há um único problema, mas é dos grandes: esse território se encontra na província de Nínive, predominantemente árabe e sunita, e ela mesma está pedindo a autonomia para um governo central já mais do que reticente.
Fonte: Le Monde