Em tempos de crise como os nossos, já virou clichê a atribuição da culpa do rombo nas contas públicas à Previdência Social. Se você acredita nessa história do deficit previdenciário, você precisa tomar a pílula vermelha, ler esse artigo e conhecer a verdade!
[Artigo originalmente publicado no blog Desmistificando o Direito]
Sumário
O deficit previdenciário não existeComo é feito o cálculo do GovernoComo o cálculo deveria ser feitoO superavit previdenciárioA causa real do deficit da economia brasileiraQue juros são esses?A Desvinculação de Receitas da União (DRU)Estou propondo um calote?
O deficit previdenciário não existe
Devido à manipulação da mídia, as pessoas estão convictas de que existe um deficit na previdência e que a reforma é necessária a urgente.
Mas… Não há deficit previdenciário! Não há rombo da previdência! O que existe é um superavit previdenciário! Chocante? Pois é. E eu, que odeio teorias da conspiração, vou te mostrar que dispenso o chapéuzinho de alumínio e faço as minhas afirmações baseada em estudos e fatos (vide fontes ao final do artigo).
[Obs.: Superavit é quando você arrecada mais do que gastou.]
A professora de Economia da UFRJ, Drª Denise Gentil, demonstrou claramente em sua tese de doutorado que o Governo executa uma fraude contábil nos cálculos das receitas e despesas com a Seguridade Social. Esses cálculos são feitos de forma totalmente diferente do que diz a nossa Constituição Federal.
Como é feito o cálculo do Governo
O Governo pega a receita de contribuições previdenciárias ao INSS, que é apenas uma das fontes de receita, e deduz (subtrai) dessa receita o total dos gastos com benefícios previdenciários.
Por esse cálculo que o Governo divulga, nós teríamos ano passado (2015) um [falso] deficit de 85 bilhões de reais.
Como o cálculo deveria ser feito
Nos artigos 194 e 195 a Constituição Federal cria o Sistema de Seguridade Social dentro do qual estão todos os benefícios previdenciários, os benefícios sociais e o amparo à saúde. Podemos chamar esse sistema de “tripé da proteção social”, que compreende Saúde, Previdência Social e Assistência Social.
[Obs.: os benefícios do INSS (ex.: aposentadorias, pensões, auxílios, etc.) estão dentro da Previdência Social.]
Para executar essa proteção social, esses artigos também definem a Receita que o Governo arrecadará e que estará vinculada a esses gastos. Ou seja, teoricamente, o dinheiro arrecadado para a Seguridade, não poderia ser gasto com outras coisas.
[Obs.: Sobre a receita da Seguridade Social (também chamada de “custeio”), recomendo a leitura do art. 195 da Constituição Federal e do art. 11 da Lei 8.212/91.]
E quais são essas receitas?
- Contribuições Previdenciárias ao INSS
- Contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS)
- Contribuição Social sobre Lucro Liquido PIS / PASEP (destinado especificamente ao seguro desemprego)
- Receita de concurso de prognósticos
- Antiga CPMF
Ah, antes de continuar, gostaria de convidar meus colegas, advogados previdenciaristas para a minha palestra online (webinário), totalmentegratuita, na qual eu falarei sobre como aumentar seus honorários nas causas previdenciárias. Clique no link para inscrever-se!
O superavit previdenciário
Quando pegamos o total dessas receitas (a Dr.ª Denise Lobato fez este trabalho desde 1990 até hoje) e deduzimos as despesas com Saúde, Previdência Social e Assistência Social (o tripé), inclusive as despesas com burocracia, o que existe é um SUPERAVIT.
Esse superavit é crescente, e atingiu um ponto máximo em 2012, quando tivemos 78 bilhões de reais de superavit previdenciário.
Este valor vem caindo nos últimos 2 anos por causa da recessão econômica que estamos vivendo no Brasil. Mas o superavit continua existindo e, em 2015, foi de 20 bilhões de reais.
Mas para onde está indo este dinheiro? Infelizmente, o Governo tem desviado esse superavit para gastar no orçamento fiscal. Dinheiro que deveria ser gasto na proteção social está sendo utilizado para outros fins. O que seria?
A causa real do deficit da economia brasileira
Mas qual é a causa real desse deficit? São os gastos financeiros, que são gastos com pagamento de juros. De acordo com a Dr.ª Denise, isso é muito fácil de identificar, mas a mídia não divulga.
Quanto se gastou em 2015 com juros? 501 bilhões de reais, que corresponde a 8,5% do PIB. O que foi destinado a menos de 100 mil pessoas (provavelmente 75 mil pessoas).
Enquanto isso, a Previdência gastou 430 bilhões de reais e beneficiou diretamente mais de 27 milhões de pessoas! E se você somar essas pessoas ao número de familiares que elas têm, isso vai atingir 40 milhões de pessoas.
Onde é mesmo que tem que ser feita a reforma?
Que juros são esses?
A Dr.ª Denise explica que esses juros vêm do lançamento de títulos públicos para controlar a SELIC.
[Obs.: A taxa Selic é a média de juros que o governo brasileiro paga por empréstimos tomados dos bancos. Quando a Selic aumenta, os bancos preferem emprestar ao governo, porque paga bem. Já quando a Selic cai, os bancos são "empurrados" para emprestar dinheiro ao consumidor e conseguir um lucro maior. Assim, quanto maior a Selic, mais "caro" fica o crédito que os bancos oferecem aos consumidores, já que há menos dinheiro disponível.]
O Governo estabelece um patamar (que atualmente está em 14,25%) e, para manter esse patamar de Selic, o Governo tem que controlar a liquidez da economia. Então, parte importante da dívida é feita com operações compromissadas que são lançamentos de títulos públicos que são vendidos em leilões pelo Tesouro, pelo Banco Central (títulos do tesouro) e, para controlar o câmbio também.
O Brasil paga as maiores taxas de juros, reais e nominais, do mundo.
A Desvinculação de Receitas da União (DRU)
O Governo se apropria do superavit da Seguridade Social e aplica este dinheiro em outras despesas, principalmente, o pagamento desses juros. E faz isso através da DRU - Desvinculação de Receitas da União.
A DRU nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social. Existe proposta de aumentar esta margem para 30%.
A DRU foi criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.
Legal, né? A Constituição Federal cria uma sistema “redondinho”, bonitinho para funcionar do jeito que tem que ser a Seguridade Social. Pouco tempo depois, devido ao descontrole administrativo do Governo, criam um jeito de desassociar aquilo que é arrecadado especificamente para a Seguridade para poder gastar do jeito que quiserem.
E a culpa do rombo é da Seguridade?
Na verdade, o orçamento que é deficitário não é o orçamento da Seguridade Social. Orçamento deficitário é o orçamento fiscal do Governo! Então, o Governo vem dilapidando o patrimônio da Seguridade Social para cobrir outros gastos.
[Obs.: O orçamento fiscal inclui o que chamamos de contas primárias do governo mais as contas de juros.]
Estou propondo um calote?
Eu não sou maluca. Claro que não estou propondo que o Governo dê o calote nos investidores. Isso só nos afundaria ainda mais na crise econômica.
A minha única proposta com este artigo é tentar fazer com que o maior número possível de pessoas não seja mais manipulada por este argumento MENTIROSO. Deixem a Seguridade em paz! Ela protege direitos fundamentais e está atrelada umbilicalmente à dignidade da pessoa humana!
Vamos esquecer a reforma previdenciária um pouco e focar na reforma política?
FONTES:
A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social, Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005 (tese de doutorado da Dr.ª Denise Gentil);
Dias Melhores: Desaposentação e o Falso Déficit da Previdência Social [VÍDEO];
https://alestrazzi.jusbrasil.com.br