RIO - Todas as quartas-feiras, quando o relógio se aproxima do meio-dia, é hora de alimentação espiritual no auditório da Câmara do Rio. Por 30 minutos, o vereador e bispo da Igreja Universal João Mendes de Jesus (PRB) faz o seu “Almoço com Deus”, um pequeno culto em que dá conselhos, ora e lê trechos da bíblia. Anteontem, também foi a vez de, à noite, a vereadora de origem judaica Teresa Bergher (PSDB) ocupar o plenário para comemorar os 65 anos do Estado de Israel, com direito a participação do Coral Israelita Brasileiro e entrega de uma medalha à diretora do Colégio TTH Bar-Ilan, Regina Fuks. Os dois eventos representam o lado visível de uma relação que parece cada vez mais próxima na Casa: a de política com religião. Dentro dos gabinetes, há outra face menos conhecida: uma legião de funcionários, que também atuam como representantes de seus credos, além da concepção de projetos voltados para benefícios de determinadas religiões.
Um levantamento feito pelo GLOBO na lista dos servidores mostra que um novato na Câmara já desponta entre os que mais empregam membros de sua igreja: é Alexandre Isquierdo (PMDB), eleito para seu primeiro mandato graças ao apoio da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (Advec). No seu gabinete, há sete pessoas inscritas no ano passado com o próprio Isquierdo num evento conhecido como Escola de Líderes da Advec. Completam o time outros dois membros da igreja, além da cunhada do presidente, Silas Malafaia.
— Minha prioridade é o quadro técnico. Ao todo, são 27 servidores — argumenta Isquierdo.
Malafaia complementa:
— Quem elegeu o Isquierdo fui eu, isso é claro. Mas não interferi nas nomeações do gabinete. Só o aconselhei: ponha as pessoas que trabalharam com você e por você. Se eu tivesse indicado, poderia ter enchido de “Malafaias”, mas só tem um, a minha cunhada.
Outro marinheiro de primeira viagem que já está empregando os membros da sua igreja é Eliseu Kessler (PSD), da Assembleia de Deus de Campo Grande. Ele admite ter oito funcionários que “professam a mesma fé”, mas garante que seis têm nível superior e que o principal objetivo de seu mandato é “servir à população do Rio com profissionalismo e seriedade”. Pelo menos cinco servidores também seriam pastores.
Ainda nos gabinetes, outros casos que chamam a atenção são os de Jorge Braz (PMDB) e Tânia Bastos (PRB), ambos da Universal. O primeiro emprega Enir de Castro Pinto, que seria mulher do ex-deputado Bispo Rodrigues, envolvido no escândalo do mensalão. Já o assessor-chefe do gabinete de Tânia, Claudemir Mendonça de Andrade, teria sido citado em investigações da Polícia Federal como suposto “laranja” no processo de compra da Rede Record. As assessorias dos dois vereadores disseram se pautar por escolhas profissionais e não quiseram confirmar as relações dos dois funcionários, ou se tratam-se de homônimos.
Monumento à Bíblia e isenção para JMJ
A produção legislativa também reflete a influência da religião. Um caso emblemático recente foi a aprovação da isenção de ISS para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que aliás tem até uma comissão na Casa, liderada pelo católico Carlo Caiado (DEM). Apenas o ateu Renato Cinco (PSOL) votou contra o incentivo fiscal. Jorge Braz, da Universal, chegou a dizer que estava votando a favor pensando que poderia haver benefícios futuros a outros credos.
Este mês, a Casa ainda aprovou um projeto de um ex-vereador, dr. João Ricardo, que prevê a construção de um Monumento à Bíblia, na Zona Oeste. Por sua vez, a judia Teresa Bergher —que já conseguiu, por exemplo, aprovar uma lei que inclui o ano novo judaico no calendário oficial da cidade — se diz decepcionada por até hoje não ter transformado em realidade o projeto que aprovou, de construção de um memorial às vítimas do holocausto, no Aterro.
— Logo depois da eleição, em 2009, o prefeito foi a uma sinagoga e prometeu para 500 pessoas a construção, que seria transferida para a Barra, mas isso nunca aconteceu. Por sua vez, a prefeitura tem investido milhares de reais em eventos católicos e evangélicos — critica Teresa.
Idealizador do “Almoço com Deus” — onde na quarta retrasada aconselhou fiéis a orar como primeira atitude para a cura, ao falar de uma dor no joelho que sentia — João Mendes de Jesus já aprovou pelo menos duas leis que beneficiaram diretamente a sua igreja. Em 2009, incluiu no roteiro turístico do município o Centro Cultural Jerusalém, localizado na Catedral Mundial da Fé, da Universal, em Del Castilho. No ano passado, emplacou 9 de julho como a data oficial em homenagem à sua igreja. Através de sua assessoria, João Mendes defendeu o culto que realiza na Casa: “Reúne quem quiser orar a Deus. É realizado de forma discreta e não interfere nos trabalhos da Câmara”.
FONTE . GLOBO.COM/RJ