“Chegamos agora a uma parte profundamente importante e fortemente acentuada deste livro. Enoque tinha desaparecido de cena. A sua carreira, como estrangeiro na terra, tinha terminado na transladação para o céu. Ele fora levado antes que a maldade humana tivesse atingido o seu máximo, e, portanto, antes do julgamento divino ter sido desencadeado”
O desenvolvimento da humanidade diante dos nossos olhos não tem sido sem problemas: o aumento da desgraça, seja na natureza ou na humanidade, demonstra que a vida distante de Deus não pode produzir Vida com Deus, ainda que possa ser cercada de avanços tecnológicos, científicos, educacionais, artísticos etc. A narrativa da descendência de Caim deixou isso evidente, do mesmo modo que demonstrou que os descendentes de Sete não foram grandes homens de negócio, ou de referência na história da humanidade: o legado que deixaram foi o da santidade, vida com Deus e esperança em Deus. Esse legado não foi um grande legado para a humanidade, do ponto de vista da humanidade, mas certamente foi a razão pela qual esse mundo não fora destruído antes.
Por outro lado, que terrível mal poderia acometer a humanidade se os descendentes de Sete se misturassem com os de Caim? O que aconteceria se os filhos de Deus se juntassem com as filhas dos homens? O que aconteceria se aqueles que prezavam por Deus e o adoravam passassem a se envolver com as coisas do mundo? E se seus casamentos passassem a demonstrar que tipo de preferência eles tinham: apreço ao prazer pessoal em detrimento de uma vida centrada em Deus? Bom, em Gênesis 6 vemos que em função desse tipo de postura, o desenvolvimento da maldade da humanidade se desenvolveu a tal ponto que Deus resolveu dar cabo da humanidade. Essa história é um claro lembrete de quem Deus é e o que espera de seus filhos. Vamos ao texto.
A. Desgraça do homem:
O que temos percebido na narrativa de Gênesis é que o desenvolvimento da humanidade é seguido do crescimento e expansão da maldade do homem. Em Adão vimos a mentira, a terceirização da culpa, mas em Caim vemos o desgosto (inveja), a ira, o assassinato, a indiferença e o egoísmo. Entre seus descendentes ainda vemos a poligamia, o assassinato por retribuição desnecessária e a soberba e o auto-louvor por ser assim. Por isso, não é de surpreender o relato de Moisés na seqüência da história: a medida que o homem se multiplica a maldade cresce com ele. Esse aprendizado logo foi inserido na cultura e mentalidade judaica: “Quando os perversos se multiplicam, multiplicam-se as transgressões” (Pv.29.16).
1. Multiplicação:
O texto de Gênesis aqui é bem específico ao contar o desenvolvimento da humanidade, e o modo como retrata esse fato pode muito nos instruir sobre o modo como Deus permite o avanço do homem: Embora o rumo primário da humanidade caída foque a distância de Deus, Ele pacientemente trata com suas criaturas. Contudo, quando a perversão se torna insuportável, Ele graciosamente exerce Seu Justo Juízo, em destruição e devastação.
…se foram multiplicando os homens: O primeiro destaque a ser feito nessa sentença é o uso do termo hebraico adam, que já fora usado por Moisés em descrição de Adão o primeiro representante da humanidade. Nesse caso, o substantivo vem com o artigo prefixado o que sugere o uso genérico do termo: humanidade. As versões mais contemporâneas e em alguns casos mais parafraseadas já adotam esse uso aqui reforçando a extensão do crescimento numérico e imoral dos seres humanos. Portanto, desde seu início se percebe o foco abrangente que o texto apresenta os fatos narrados aqui: O pecado havia tomado toda a humanidade, exceto um homem identificado pouco a frente na narrativa – Noé (Gn.6.8).
…naquele tempo havia gigantes na terra: Embora nenhuma referência específica de tempo tenha sido oferecida na narrativa mosaica, temos por certo que trata-se de um tempo em que já existiam gigantes na terra (hb. nephilim). O termo é de significado incerto, muito embora quase todas as versões em português sigam a Vulgata na sua preferência por Gigantes. A LXX também traz um termo interessante aqui “gigantes”, usado para descrever na literatura clássica, homens valentes e poderosos que foram destruídos pelos deuses. Algumas versões inglesas optam por apenas transliterar o termo para tentar transmitir uma proximidade mais acurada do texto. Entretanto, a transliteração nesse sentido em nada ajuda, pois não conhecemos nenhum paralelo em inglês ou em nosso luso idioma.
Toda a tradição judaica, e posteriormente a cristã, entendeu a expressão como a descrição de homens poderosos e valentes. Aliás, o texto denota exatamente isso: “estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade”. Seja o termo uma referência ao tamanho físico ou da valentia deles, pouco importa, o fato é que tais homens já existiam antes da mistura racial entre os descendentes de Sete e Caim. Sobre isso Derek Kidner atesta: “Vale a pena observar que não se diz que os gigantes provieram exclusivamente dessa origem. Se alguns surgiram desse modo (e também depois), outros já existiam (naquele tempo)”. Sailhamer parece concordar com esse parecer quando diz: “O sentido da frase wegam ahare-ken aser não define os hannepilim como descendentes da união dos filhos de Deus e as filhas do homens. Além disso os estavam na terra (…) naqueles dias e (…) também depois do tempo da união dos filhos de Deus e as filhas dos homens”. Essa observação é importante na definição de quem são os filhos de Deus, pois aqueles que defendem que estes são seres angélicos defendem que a única origem para os Gigantes seria a união entre tais seres e as mulheres. Entretanto, o texto define que eles já estavam em existência antes da suposta união entre os filhos de Deus e as filhas dos homens, fragilizando o argumento em defesa de seres angélico.
É importante notar que a origem da tradução para “gigantes” em português provém de uma tardia e má compreensão influência da LXX, preservada na Vulgata, adotada na KJV e absorvida em diversas das versões em português. O termo grego nada tem a ver com pessoas de alta estatura, mas se refere a pessoas nascidas nessa terra, ou “earth-born”, como prefere Adam Clarke. A idéia é de pessoas terrenas, com hábitos dessa terra. O termo latino já tem certa proximidade com o usado pelas versões inglesas e portuguesas, entretanto, o termo hebraico não se define assim, na verdade a idéia e de pessoas caídas em sua moralidade e não gigantes. Esses homens depravados já existiam na terra e a marca da sua perversão se estendia por toda a terra.
2. Sedução:
Outro aspecto que podemos notar no desenvolvimento da humanidade é usa preferência pessoal pelo prazer. A descrição encontrada para descrever a humanidade é muito semelhante àquela encontrada para descrever a queda de Eva: ver, desejar, tomar. Deve ser por isso que João, em sua primeira carta, estabelece que as coisas que existem no mundo, que não devem ter nossa atenção (amor) são: desejo da carne e dos olhos e a soberba da vida (1Jo.2.16).
…vendo os filhos de Deus: A primeira descrição dos filhos de Deus aqui inclui a visão, mas a questão não era o que estava diante dos seus olhos, mas em que você coloca seus olhos. Certamente as escrituras não estão defendendo que nessa época apenas belas mulheres existissem, mas que os olhos dos filhos de Deus estavam focados nelas. Deve ser por isso que as escrituras constantemente nos ensinam a cuidar dos nossos olhos (Pv.3.21; 4.21; 16.30; 2Pe.2.12-15), pois são eles a lâmpada do corpo, e portanto, se forem bons os olhos, todo o corpo o será (Mt.6.22). Entretanto, se a luz do corpo se tornar em trevas, em densas trevas estarão (Mt.6.23).
O início do relato do dilúvio nos dá a impressão de que a humanidade não estava apenas destituída de uma visão saudável da vida com Deus, mas seus olhos estavam fitos no prazer pessoal. A preferência pelo eu, a marca registrada do pecado, havia se alastrado por todos os lados e havia atingido todos os seres humanos, até mesmo aqueles que professavam sua fé em Yahweh.
É importante lembrar o leitor que a expressão “filhos de Deus” aqui não é uma referência a seres angélicos, mas uma referência aos descendentes de Sete (para mais informações veja: Questões sobre o Dilúvio). Alguns comentaristas vêem nessa expressão uma referência aos seres angélicos em função do uso da mesma expressão (hb. bünê-hä|´élöhîm) no livro de Jó (Jó.1.6; 2.1; 38.7) e em outros lugares no VT (Sl.89.6; Dn.3.25) como uma referência a eles. Entretanto, todas as vezes que o termo é usado ele descreve “anjos” como seres espirituais a serviço de Deus e não como seres espirituais a serviço de paixões carnais. Parece muito improvável que Moisés usaria uma expressão tão nobre para descrever “demônios”, fato que não aconteceu em todo VT. Outro detalhe que merece nossa atenção é que Moisés usa outro termo para se referir a seres angélicos no Pentateuco, “ma’alk” usado 34x para descrever seres angélicos. Em nenhuma ocasião ele usou a expressão de Gn.6 para se referir a seres angélicos. Isso certamente demonstra que é muito improvável que Moisés tenha feito um uso diferenciado aqui.
Mais importante ainda é que Moisés usa uma expressão similar a encontrada em Gn.6.2 para descrever pessoas: “Filhos sois do SENHOR, vosso Deus” (Dt.14.1; cf. Dt.32.5). Nessa expressão “filhos do Senhor” (hb. banim YHWH) é uma clara descrição de seres humanos, e nenhuma razão há para se dizer que se trata de seres angelicais. Diversas vezes no AT a nomenclatura de “filho” de Deus faz referência ao povo de Deus (Sl 73.15; Is 43.6; Os 1.10, 22.1). Todas essas designações demonstram que a terminologia exige que o modo mais natural de ser entendido o texto é em referência a seres humanos.
Outro detalhe importante é que quando Moisés descreveu a vida de Enos, ele usou a seguinte expressão: “daí se começou a invocar o nome do SENHOR” (Gn.4.26). Adam Clarke sobre isso afirma que “os homens começaram a chamar-se pelo nome do Senhor, essas palavras demonstram que no tempo de Enos os verdadeiros seguidores de Deus começaram a distinguir-se, e serem distinguido por outros, pela denominação de filhos de Deus”. É bem verdade que tal expressão fala em primeiro lugar sobre a adoração do povo de Deus (Gn.12.8, 13.4; 16.13; 21.33; 26.25), mas também denota uma identidade pessoal de pertencimento a Yahweh. Segue-se que na descendência de Sete houve a manutenção da verdadeira adoração a Yahweh como Deus Salvador, e que tal identidade religiosa foi transmitida de geração em geração e grandes homens de Deus fizeram história nessa descendência (Enos, Enoque, Noé).
A tragédia desse texto, todavia, é a demonstração de que mesmo aqueles que invocavam o nome de Yahweh, seus verdadeiros adoradores, estavam se corrompendo e buscando uma vida centrada em seus próprios prazeres. A idéia aqui não é tanto de perversidade sexual, mas de jugo desigual: Os filhos de Deus estavam se casando com mulheres que não eram seguidoras de Yahweh. Ou seja, mesmo entre os verdadeiros adoradores, Yahweh passou a ser ignorado e a busca pelo prazer pessoal exaltada. Essa é a grande tragédia do pecado de Gênesis 6: ninguém na humanidade havia restado como representante da verdadeira adoração a Yahweh, exceto Noé, homem justo e íntegro.
…filhas dos homens eram formosas: As filhas dos homens aqui é uma referência a descendência de Caim, tratam-se de mulheres que não eram marcadas por uma vida piedosa diante de Yahweh: São mulheres que viviam segundo os padrões da humanidade, por isso “filhas dos homens”.
…tomaram para si: É interessante Moisés usar essa expressão, pois tal expressão é usada para descrever relacionamentos matrimoniais e não perversões sexuais, observe: “Abrão e Naor tomaram para si mulheres; a de Abrão chamava-se Sarai, a de Naor, Milca, filha de Harã, que foi pai de Milca e de Iscá” (cf. Gn.4.19; Jz.21.18; Rt.1.4). A NIV já assumiu o uso do termo e traduziu assim o verso: “e os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas e então se casaram com qualquer quer uma que escolhessem”. Essa idéia é totalmente avessa a uma suposta ação demoníaca: Por que razão seres angelicais deixariam a presença de Deus para se casar? Por que valorizariam a oficialização de seus relacionamentos? Não faz o menor sentido encontrar nessa declaração a ação de seres angélicos, aliás, é contraditório ao testemunho das escrituras que afirma que anjos não sem casam nem se dão em casamento (Mc.12.25; cf. Mt.22.30; Lc.20.25). Além disso, se anjos foram responsáveis por tais acusações, por que razão ficaram impunes ante ao juízo de Deus, que destruiu todos os seres viventes, animais e homens, além de afirmar que tal juízo também era para a terra (Gn.6.13)?
3. Conquista:
Outra característica que acompanhava os seres humanos naquela ocasião era sua disposição para a conquista. É fato que tal disposição não parece tão clara, mas o modo como Moisés apresenta a humanidade nos dias de Noé nos faz pensar que o seu foco não era muito distinto daquele encontrado na humanidade do período da Torre de Babel: a idéia era ter o nome célebre. O texto mesmo dá a entender que a reputação de alguns desses homens era de homens valentes, pois eram varões de renome.
…também depois: Já notamos que essa sentença é a garantia da demonstração que tais Nephilins já existiam antes do encontro entre os filhos de Deus e as filhas dos homens, e também depois disso existiram. A idéia aqui é que tal união não preservou ou restaurou a verdadeira adoração a Yahweh, antes, manteve a depravação da humanidade. Ou seja, a linhagem que havia se dedicado no passado a andar com Deus e a invocar Yahweh já não mais prezava por sua identidade de filhos de Deus, nem mesmo para o culto prestado a Ele: agora até mesmo seus filhos eram seres humanos depravados.
…filhos de Deus possuíram: A expressão aqui é um pouco mais enfática que aquela encontrada no versículo 2: “tomaram para si”. Enquanto a primeira expressão fala de uma união matrimonial essa fala sobre relacionamento sexual. Em hebraico, Moisés usa o termo “bow’” que tem por sentido mais simples “entrar” como é visto nas mais antigas versões em português, inclusive nesse verso (ACF, ARC), mas é usado aqui como um eufemismo para o relacionamento sexual.
…valentes: O termo hebraico “gibbowr” é usado aqui e em mais 3 lugares no Pentateuco (Gn.10.8, 9) e todos tem a conotação de homens poderosos, exceto Dt.10.17: “Pois o SENHOR, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e temível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno”.
…varões de renome: Eles eram homens famosos, ou melhor, infames, pois para alguns homens obter um nome no mundo, não por sua bondade, mas por sua grandeza, e às vezes por sua grande maldade, é o mais importante. Sua sede é a conquista, a superioridade, não importando o modo como se conquista o que se busca. Além de depravados esses homens eram reconhecidos por suas conquistas, seja na caça, nos múltiplos casamentos ou outras façanhas de baixa moral: Esses eram homens lembrados por suas conquistas, e por elas foram mortos pelo Senhor.
B. A Interação de Yahweh:
Aquela criatura que havia sido a coroação de toda a criação, feito apenas pouco menor que os seres angélicos, coroados de glória e honra pelo próprio Yahweh, a quem o próprio Deus havia concedido o privilégio de o representar ante toda a criação (Sl.8.4-6), agora estava distante de seu Criador, depravado em suas vontades e focado na maldade. A perversão havia atingido até mesmo aqueles que haviam andado no passado com Deus: agora eles viviam em busca de fama e reconhecimento, casando-se com as mais belas das mulheres apenas pela busca do prazer e demonstravam por fato que sua vontade era totalmente má. Entretanto, o Criador de toda a Terra não está ausente, nem dormindo para que não veja o que acontece. Na verdade, Ele vê, sofre e intervém. Esse é o relato de Gênesis 6 no que se diz respeito a Yahweh: Ele não é um Deus ausente, Ele é um Deus que Interage.
1. O Decreto de Yahweh:
O primeiro modo pelo qual vemos Yahweh interagir com a humanidade é a imposição de seu Decreto. Nesse texto vemos não apenas um Deus que sabe ou conhece a situação da humanidade; Yahweh é apresentado como Senhor Soberano sobre a terra, que exerce seu julgamento.
a. Abstenção Divina: A primeira manifestação do decreto divino é expressa pela manifestação de seu descontentamento com a humanidade. Suas palavras são fortes e claras: “Então, disse o SENHOR: O meu Espírito não agirá para sempre no homem”. Mas, que quis dizer o Senhor com tal expressão?
Não agirá meu espírito: A primeira pergunta que temos que responder refere-se ao sentido do verbo em português “agir”: Em que sentido o Espírito de Deus não “agirá” mais no homem? O termo hebraico “duwn” pode significar “contender” ou até mesmo “permanecer”, sentido usado pela LXX (Gr. katamenö), embora normalmente seja usada com o sentido de “exercer julgamento”. Diferentes versões apresentam diferentes interpretações para essa expressão, por exemplo, a New Jerusalém Bible (NJB) opta por entender o termo com o sentido da responsabilidade divina sobre o homem: “Meu espírito não pode ser responsável por tempo indeterminado pela humanidade”. Esse sentido é visto na Bíblia na Linguagem de Hoje, cujo texto reflete a mesma idéia, embora prefira outros termos: “Não vou proteger o homem por muito tempo”. Já a Complete Jewish Bible prefere a idéia da permanência do Espírito de Deus eternamente no homem, idéia apoiada por diversas versões: “Meu espírito não viverá na humanidade para sempre”. A preferência da ARA pelo verbo “agir” é uma adaptação do sentido comumente encontrado nas versões portuguesas, “contender” que dá a idéia de interação divina, evitando a idéia de permanência do Espírito de Deus no homem.
Todas essas versões estão na verdade buscando um modo de verter o termo hebraico que normalmente está ligado ao juízo ou julgamento. Provavelmente Keil & Delitzsch estejam corretos quando traduzem o termo com o sentido de autoridade que o termo parece impor ao texto: “Meu Espírito não mais exercerá domínio no homem para sempre”. Com isso, a idéia não é que Deus deixaria de permanecer no homem, fato que, de acordo com o Novo Testamento seria impossível nessa ocasião, mas que Deus deixaria de exercer sua influência pessoal na humanidade. Ou seja, Deus deixaria de estar, ou até mesmo permanecer, entre os seres humanos.
Sendo assim, a humanidade fora largada à sua própria conduta, pois Deus julgou necessário se fazer ausente dessa humanidade que faziam de conta que Ele não existia. Em outras palavras, vemos Deus retribuindo ao homem sua apatia e desconsideração: Deus age, interage e responde ao homem à altura de suas ações. Aconteceu na sociedade de Noé, o que Paulo também atestou em outras palavras sobre a sua: “Deus entregou os homens tais homens à imundícia (…) paixões infames (…) e a uma disposição mental reprovável” (Rm.1.24, 26, 28).
Adam Clarke parece ter visto esse mesmo sentido no termo, e sobre o texto afirmou:
“É somente pela influência do Espírito de Deus que a mente carnal pode ser subjugada e destruída, mas aqueles que voluntariamente resistem e entristecem o Espírito devem ser finalmente deixados à dureza e a cegueira de seus corações”
Lutero parece ter encontrado sentido similar nessa passagem:
“Eu interpreto as palavras simplesmente para dizer, que o Senhor, como se tivesse cansado da teimosia obstinada do mundo, denuncia a vingança como o presente, que até então havia sido adiada. Quando o Senhor suspende a punição, Ele, em certo sentido, se contende com os homens, especialmente através de ameaças ou de exemplos de castigo suave e convida-os ao arrependimento. Entretanto, ele já o tinha feito há alguns séculos com o mundo, que, no entanto, estava perenemente se agravando. E agora, como se estivesse exausto, Ele declara que ele seu espírito não contedenderá com o homem mais”
Em outras palavras, percebemos que a primeira manifestação divina é oferecer ao homem o que ele parece buscar: Liberdade para realizar o que bem intentar. Tal liberdade oferecida pela abstenção da manifestação divina naquela sociedade fez com que a libertinagem crescesse irremediavelmente. A maldade se espalha, a humanidade se corrompe e tal sociedade merece receber de Deus seu Juízo. A abstenção divina de governo sobre o homem acresce neste o desejo da livre agência, e suas realizações carnais parecem agora fatais.
…para sempre no homem: A partir desse ponto aprendemos que a ação divina na humanidade não é constante, mas que Deus pode manifestar-se em sua abstenção. Essa decisão divina está em conformidade com seu caráter, que não tolera o erro e o pecado, mas que se permite oferecer ao pecador tempo antes de proferir seu juízo eliminatório, pois como Deus amoroso que é, sempre oferece oportunidade para arrependimento e perdão, como vemos nessa história.
b. Misericórdia: A segunda manifestação do decreto divino é vista em sua misericórdia, como lemos: “O meu Espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os seus dias serão cento e vinte anos”.
…pois este é carnal: A razão da abstenção divina na atuação entre os homens é que os tais são carnais. O sentido aqui parece supor tanto a mortalidade dos homens, como a NET e a NIV parecem ressaltar, como seu caráter. Essa conclusão parece clara quando entendemos o contraste entre o Espírito de Deus e a carnalidade do homem: É um claro paralelo entre eternidade divina e efemeridade humana, bem com da santidade de Deus e sacanagem do homem.
…os seus dias serão cento e vinte: Essa imposição divina não trata-se da estimativa de vida dos seres humanos, mas do tempo de manifestação de sua ira, como Pedro nos instrui: “os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca” (1Pe.3.20). Ao que esse texto indica, Deus além de se abster de convencer o homem de suas maldades, ofereceu tempo para sua ação disciplinadora. Ele poderia tê-los dizimado instantaneamente, mas optou por sua longanimidade oferecer ao homem oportunidade de arrependimento. Esse exercício da paciência de Deus testemunha sua paciência e longanimidade para com o homem, que embora mereça receber sua ira recebe ainda tempo para seu arrependimento.
c. Juízo: A terceira manifestação do Decreto Divino encontra-se na sua firme decisão de exercer juízo àquela geração pecadora. A decisão de Deus é clara: “Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus” (Gn.6.7)
Farei desaparecer: Até aqui vemos as escrituras apresentarem a morte do homem como natural ao curso de sua vida, com algumas exceções pelo caminho, como Abel, assassinado por seu irmão, e alguns dos possíveis ataques de Lameque. Contudo, a designação divina aqui se propõe a dizimar a humanidade, como nos lembra Albert Barnes: “Agora, uma geral e violenta destruição alfigirá toda a humanidade como um monumento da divina ira contra o pecado para todas as gerações futuras da única família salva”. Para tentar descrever o desprazer de Deus com o homem, John Gill oferece a seguinte ilustração:
“Apesar de serem eles minhas criaturas, fruto do trabalho de minhas mãos, Eu os fiz do pó da terra e os fiz senhores sobre toda terra; mas agora Eu decidi demonstrar minha desaprovação por sua perversidade, e pela honra da minha justiça vou destruí-lo da face da terra. Como um oleiro que pega um vaso que desgosta, um que ele mesmo tenha feito, e o quebra em pedaços, eu farei desaparecer o homem da terra”
Explicando o mesmo texto, Mathew Henry utiliza duas figuras para tentar expressar o sentido auferido pelo texto: (1) Como pó ou sujeira é varrida e jogada no monturo o ser humano será desaparecer da terra; (2) Como uma sentença de um livro apagado por seu autor, o ser humano terá sua existência apagada na terra, por seu próprio autor.
..homem e animal: O pecado dos seres humanos tem conseqüências. Como já vimos, o pecado de Adão foi suficiente para amaldiçoar toda a terra, e agora, o pecado do homem trouxe juízo para toda a criação, afinal, a criação sofre (geme) na expectativa de sua libertação (Rm.8.22). Mas, qual a razão de um julgamento tão abrangente? João Calvino nos instrui:
“A terra era como uma casa rica, bem favorecida com cada tipo de disposição em abundância e variedade. Agora, assim que o homem contaminou a própria terra, com seus crimes, e tem vilmente corrompido toda a riqueza com que foi suprido, o Senhor determinou que o monumento de sua punição deveria ser colocado lá: como se um juiz, a punir um mais perverso e abominável crime, deve, em prol da maior infâmia, define que sua casa deve ser destruída desde a fundação. E tudo isso tende a inspirar-nos com um temor do pecado, pois podemos facilmente inferir quão grande é a sua atrocidade, quando a punição é estendida até mesmo para a criação natural”
2. A visão de Yahweh:
O segundo modo que vemos Yahweh interagir com a humanidade é sua constante atenção aos seres humanos. O texto usa a figura de um Deus que vê. É certo que Deus não tem olhos como nós, mas Aquele que criou os olhos estaria cego à desgraça da humanidade? Certo que não. Sobre esse fato, Barnes afirmou: “O curso do mundo primitivo foi uma grande experiência a passar diante dos olhos de Deus e de todos os observadores inteligentes, e manifestar a profunda depravação e a contínua degeneração da raça caída”.
Viu o Senhor: É interessante que esse texto comece a apresentar a Deus do modo como se entende uma pessoa. A intenção aqui não é defender a existência de olhos em Deus, como se este tivesse corpo, mas que o Yahweh não é um Deus ausente de sua Criação. Sua atenção está direcionada para sua Criação e de modo especial para o homem. Tenho a impressão que essa expressão usada aqui é uma forma de contrastar a ação de Deus no relato da Criação: Enquanto na criação Deus viu que era bom, aqui Deus viu que era mal o desígnio do coração do homem. Calvino também entende que essa expressão sugere a paciência de Deus, que antes de decretar qualquer ação contra o homem, pôs-se a observar e considerar sobre a existência humana. Em suas palavras: “Pela palavra viu, ele [Moisés] indica a longa e contínua paciência, ou seja, que Deus não tinha proclamado Seu juízo para destruir os homens, até bem depois de ter observado e considerado por muito tempo, o seu caso, Ele viu que eles haviam passado do ponto da recuperação”.
…maldade do homem: A descrição da maldade o homem foi dada por diversos autores, mas a visão de Adam Clarke merece ser observada:
“Eles eram carnais (Gn.6.3), totalmente sensuais, os desejos da mente confusa e perdida nos desejos da carne, sua alma já não discernia o seu destino do alto, mas sempre cuidando de coisas terrenas, de modo que eles se tornaram sensualizados, brutalizados e tornaram-se carnais, encarnado, para não reter Deus em seu conhecimento, eles viviam buscando a sua parte nesta vida. Eles estavam em um estado de perversidade. Todos estavam internamente corrompidos, e seu exterior em impiedade, nem a ciência nem a prática da religião existia. A Piedade se foi, e cada forma de sãs palavras havia desaparecido. Essa maldade foi grande, foi multiplicada, foi continuamente crescente, aumentando e multiplicando recorrentemente, de modo que toda a terra estava corrompida diante de Deus, e se encheu de violência, (Gn.6.11); libertinagem entre os oprimidos, e crueldade e opressão entre as classes mais altas, sendo apenas predominante”.
…continuamente mal o seu coração: “Moisés já demonstrou a causa do dilúvio em função dos atos externos de iniqüidade, mas ele agora vai além e declara que os homens não eram apenas perversos pela prática e pelo costume de viver mal, mas que a maldade estava muito profundamente enraizadas em seus corações, de modo que não deixou qualquer esperança de arrependimento”. Sobre essa expressão, John Gill apresenta uma visão interessante:
O coração do homem é mau e perverso, desesperadamente perverso, sim, a maldade em si mesmo, uma fonte de iniqüidade, das quais a abundância do mal flui, pelo qual pode ser conhecido, em certa medida o que está nele, demonstra como ele é mau; mas Deus, que o vê, só conhece perfeitamente toda a sua maldade e o mal que há nele: os pensamentos de seu coração são maus, os maus pensamentos são formados no coração, e se desenvolvem a partir dele, por isso é vão , tolo, pecaminoso e abominável aos olhos de Deus, por quem eles são vistos, conhecidos e percebidos de longe: a “imaginação” de seus pensamentos é má, a formação deles, ele é mal enquanto é formado, o substrato do pensamento, o início da mesmo, o primeiro movimento a ele, sim, “cada um” dos pensamentos era mau, e “só” isso; não havia entre eles um homem bom, e nem uma coisa boa em seus corações, nenhum bom pensamento, nem uma boa imaginação do pensamento, e por isso era “continuamente” [mal o seu coração] desde o seu nascimento, a partir de cima sua juventude, em toda a sua vida, e todos os dias de suas vidas, dia e noite, e dia após dia, sem intervalo: isso representa a corrupção original da natureza humana, e mostra que ela é universal, por isso não foi verdade apenas dos homens do mundo antigo, mas de toda a humanidade, o mesmo se diz dos homens depois do dilúvio, como antes, e de todos os homens em geral, sem qualquer exceção (Gn8.21).
A idéia de que todos os aspectos do homem estavam corrompidos encontram nessas expressões seu estado máximo. Todos os aspectos da humanidade estavam, não apenas fadados ao pecado, mas intrinsecamente aprofundado nele. O problema não era apenas o que acontecia, ou o que faziam os seres humanos, mas também os aspectos internos do homem, seus pensamentos e desejos.
3. O Sentimento de Yahweh
O terceiro modo como vemos Deus interagir com a humanidade é sua expressão de resposta as ações humanas: Deus não apenas vê e exerce juízo, mas Ele também se entristece. Uma das características de Yahweh é que Ele sofre com os maus caminhos de suas criaturas, e observe que o texto fala da humanidade como um todo. Duas expressões são usadas nesse texto para apresentar esse fato: Seu arrependimento e seu pesar.
Em Gênesis vemos uma declaração interessante sobre Deus, observe: “então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito” (Gn.6.6, 7). Essa declaração de Moisés sobre as palavras de Deus em relação a humanidade é sem sombra de dúvidas interessante: Deus se arrepende.
Mas, isso significa que Deus muda? As escrituras são claras quanto ao fato de que Deus não muda, observe: “Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” (Ml.3.6); “Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa” (1Sm.15.29); “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg.1.17). Mesmo Moisés apresenta Yahweh como um Deus que não se arrepender: “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Nm.23.19). Entretanto, em Gênesis lemos que Deus se arrependeu. Como compreender o arrependimento de Deus (Gn.6) e o fato que Ele não se arrepende (Nm23.19?) na visão do mesmo autor?
Em primeiro lugar, precisamos entender o que de fato significa a Imutabilidade divina: Imutabilidade de Deus é a perfeição que lhe é atribuída pelas escrituras que diz respeito à Sua capacidade intrínseca de nunca fazer-se apresentar sob outro aspecto. Essa perfeição é aplicada a Seu Caráter (Tg.1.17), Vontade (Is.46.9-10) e Propósitos (Hb.6.17). Imutabilidade por vezes é reconhecida como a perfeição absoluta, pelo fato de que Deus é completo, pleno em Seus atributos (Nm.32.19; Sl.33.11; Ml.3.6; Tg.1.17).
Em segundo lugar, devemos entender que o fato de Deus ser exaltado acima de toda sua Criação ele também se faz presente diante dela. Ou seja, o fato de que Deus não muda e que isso o diferencia essencialmente de toda sua criação, não gera impossibilidade de relacionamento entre Deus e suas criaturas, pois é um Deus pessoal pronto a interagir com os objetos do seu amor. Em outras palavras estamos afirmando que, a verdade sobre Deus compreende tanto Sua transcendência, o fato de que é exaltado acima de tudo e todos por que é o que é e que ninguém jamais poderá sê-lo, como Sua imanência, o fato de que Deus se faz presente no tempo, ativo, participativo, de modo que sua Transcendência não minimiza sua Pessoalidade nem sua Imanência sua Soberania. Deus é completamente Soberano e Pessoal, perfeitamente transcendente e imanente: “Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o SENHOR, e não também de longe?” (Jr.23.23).
Em terceiro lugar, devemos lembrar que o termo hebraico por trás da tradução portuguesa para “arrependimento” é bem mais abrangente do que o que entendemos com o termo em português. O termo hebraico usado aqui é “nacham” e tem um dos três significados básicos dependendo do contexto:
1. Experimentar pesar ou sofrimento emocional: Esse sentido é relativamente comum e eventualmente é demonstrado no texto hebraico no passado: “Então, o povo teve compaixão de Benjamim, porquanto o SENHOR tinha feito brecha nas tribos de Israel” (Jz.21.15; cf. Jz.21.15; 1Sm.15.11,35; Jó.42.6; Jr.31.19).
2. Consolar ou ser consolado: Esse uso é relativamente freqüente no AT e claramente encontrado na literatura Mosaica: “E Isaque trouxe-a para a tenda de sua mãe Sara, e tomou a Rebeca, e foi-lhe por mulher, e amou-a. Assim Isaque foi consolado depois da morte de sua mãe” (Gn.24.67; cf. 27.42; 37.35; 50.21; 38:12; 2Sm.13.39; 77.3; Sl.1.24; Is.1.24; Jr.31.15; Ez.14.22; 31.16; 32.31)
3. Arrepender-se ou mudar de mente: Em alguns textos não teologicamente discutidos a idéia de mudança de mente é encontrado, mas com alguma dificuldade: “Tendo Faraó deixado ir o povo, Deus não o levou pelo caminho da terra dos filisteus, posto que mais perto, pois disse: Para que, porventura, o povo não se arrependa, vendo a guerra, e torne ao Egito” (Ex.13.17; cf.Dt.32.36; )
É importante dizer que o sentido básico do termo, e certamente mais freqüente no AT é o de “consolar”. Das 108x que é usado no AT pelo menos em 66x a idéia está relacionada com o consolo. Apesar de o termo ter conotações de arrependimento, mesmo que aplicado a seres humanos, esse não é o termo normalmente utilizado para isso. Normalmente o AT usa o termo “shuwb”, que tem por idéia básica o voltar-se (Gn.3.19; 8.12; 18.14), para descrever a idéia do arrependimento como mudança de comportamento e atitude (Gn.27.45; Ez.14.6).
Tendo observado isso, é verificável que o sentido de “consolo” não é contextualmente aceitável em Gn.6 ao passo que a idéia de arrependimento e pesar são as mais indicadas para o texto e a primeira certamente tem sido favorecida largamente nas versões modernas das escrituras, seja em inglês (ASV, KJV) ou em português (ACF, ARA, ARC, NVI), entretanto, não tem sido a opção unânime. Por exemplo, a NIV, versão inglesa da Nova Versão Internacional, optou por assim verter o texto: “O Senhor se afligiu por ter feito o homem na terra”. A NET Bible, por sua vez, preferiu: “O Senhor se lamentou de ter feito o homem sobre a terra”. Essas duas leituras além de serem lexicograficamente possíveis, parecem contextualmente mais aceitáveis.
É bem provável que toda essa discussão tenha nascido na má compreensão do termo hebraico e do termo latino visto na Vulgata. De modo muito interessante, a Vulgata usou o termo “paeniteo” que também carrega a idéia de “pesar” e “arrependimento”. Entretanto, nem o inglês nem o português têm um termo que lhe seja equivalente e por isso, sempre que passamos por esse texto precisamos investir na explicação do termo. Considerando que o termo hebraico pode ser entendido como uma expressão de caráter emocional, e que o contexto é favorável a essa leitura, entendo que tanto a NET Bible como a NIV são representações mais acertadas para se descrever esse texto.
Aliás, é importante notar que Moisés também usa o termo “’atsab” traduzido por pesar em português. A idéia do termo é claramente a demonstração de dor e sofrimento, que em Gn.6.6 descreve o coração (hb. leb) do próprio Deus. Sobre isso, Sailhamer afirma:
“Ao tornar Deus o sujeito dessa do verbo no verso 6, o autor nos demonstra que o pesar e o sofrimento sobre os pecados dos seres humanos não era algo que apenas os homens sentiam. O próprio Deus lamentou pelo pecado do homem (v.7)”
Derek Kidner sobre esse texto afirma:
“Esta é a maneira de falar do Velho Testamento, em que emprega as expressões mais ousadas, contrabalanceadas em outros lugares, se necessário, mas não enfraquecidas. A palavra pesou tem afinidades com as palavras aflição e fadiga de 3.16, 17. Agora Deus sofre por causa do homem”
Ernest Kevan quando fala sobre seu entendimento desse texto, afirma:
“O Deus revelado pelas escrituras é capaz de sentir tristeza e de ser entristecido. Ele tem reações reais para com a conduta humana. Não obstante, é impossível conceber o Deus onisciente a lamentar-se por algum falso movimento por ele feito. O arrependimento de Deus não é uma alteração quanto aos propósitos, e sim, uma mudança de atitude”
David Merkh acrescenta:
“Deus é uma PESSOA, e sendo assim tem emoções. Talvez sejam diferentes do que nós entendemos, mas Deus não é uma máquina. A palavra “arrependeu-se” tem duas conotações. Primeiro, Deus se entristeceu. Segundo, significa que haveria um ajuste no plano dEle. Mas a mudança em Deus é mais uma mudança do nosso ponto de vista”
Diante dessas considerações fica evidente que a Imutabilidade do Propósito de Deus foi preservado na história do dilúvio sem que isso excluísse a idéia de Interação de Deus com Sua Criação por seu sofrimento emocional e pesar, e, isso é plenamente verificável pelos termos hebraico utilizados no próprio texto.
Com isso, afirmamos que Deus nunca está ausente de sua criação nem a tem deixado à mercê de suas próprias criaturas: Como Criador poderoso e benevolente, Deus se limita a estar disponível para suas criaturas com o propósito de demonstrar sua graça incondicional e amor pleno. Entretanto, quando Seu limite é atingido, Ele mesmo se responsabiliza em disciplinar suas criaturas de modo a honrar sua Santidade e Fidelidade. A história do dilúvio é exatamente isso: Por um lado Justiça em jus a Sua Santidade; Por outro Fidelidade para com sua promessa de um libertador descendente da mulher e amor e graça para com Noé, homem com quem dividia um relacionamento especial.
C. Provisão Futura
A descrição desse texto até aqui traça a rota do pecado do homem de encontro com Justiça de Deus. Entretanto, o texto não fica assim, pois ainda encontramos um pequeno porém: “Porém, Noé achou graça diante de Deus”. Ao observar esse termo, Merkh afirma:
“Depois desta nota sombria, mais uma vez ouvimos uma melodia de graça. Vs. 8 apresenta um contraste muito forte com os outros 7 vss. “Porém Noé achou graça diante do Senhor.” Nas palavras de Romanos, onde o pecado abundou, a graça superabundou. Sou grato a Deus pela palavra “mas” ou “porém” nas Escrituras”
A história da humanidade não havia terminado, pois Deus havia reservado para si um remanescente fiel a quem Ele prontamente oferece sua graça. Sobre essa graça, Barnes atesta:
“Noé e sua família são as únicas excepções a esta destruição arrebatadora. Até agora nós nos encontramos com insinuações distante e indireta do favor divino, e atos significativos de respeito e aceitação. Agora a graça pela primeira vez se encontra uma língua para expressar o seu nome. A Graça tem a sua fonte no ser divino”.
Sobre ela, ainda Merkh afirma:
“A palavra “graça” aqui não é o termo muitas vezes traduzido como “graça” ou “misericórdia” no VT. A palavra significa, literalmente, “favor”. Noé foi abençoado pelo favor de Deus. Entre todos os homens, Deus separou esse homem para uma atuação divina especial”
A relação entre o favor divino e a vida piedosa de Noé são questões a serem observadas, e mesmo Merkh admite que a vida piedosa de Noé foi resultado da graça manifesta de Deus em sua vida. Tal visão é claramente favorecida pelas escrituras, sobretudo no Novo Testamento onde encontramos com facilidade a idéia de que a piedade é fruto da ação divina no homem (2Pe.1.3). Entretanto, mesmo Calvino reconhece que a vida íntegra de Noé favoreceu o favor divino em sua vida, observe:
“Reconheço, aliás, que aqui Noé é declarado ter sido agradável a Deus, porque, vivendo em retidão e humildade, ele se manteve puro das contaminações comum do mundo”
É verdade, entretanto, que Calvino também entende que mesmo a origem e princípio fundamental da retidão de Noé como obra do Senhor, mas não podemos com isso minimizar a história da vida de Noé, que é descrito como homem justo e íntegro. O que isso significa então? Será que esforço humano e favor divino se contrapõem? Claro que não! Com isso reconhecemos os dois lados da história de Noé, que por um lado foi favorecido por Deus, mas era também um homem justo e íntegro mesmo entre uma geração perversa. O equilíbrio dessa aparente contradição encontra-se no fato de que Noé andava com Deus, ou seja, com Ele desfrutava de relacionamento, e nesse ambiente de intimidade, com Deus crescia e de Deus recebia favor. Ou seja, eles se davam bem.
VIA GRITOS DE ALERTA.
INF. PENSE BIBLIA