Os distúrbios ocorridos na cidade nigeriana de Jos em janeiro deste ano surpreenderam o jovem Umar D'Abam. Assim que os tiroteios e incêndios nas casas da vizinhança começaram, o muçulmano de 20 anos, conhecido como D-Boy, fugiu do local.
Os acontecimentos daquela noite marcaram o início de uma onda de brutalidade que deixou centenas de mortos na região central da Nigéria.
Os confrontos, entre grupos cristãos e muçulmanos, estão dividindo comunidades e ameaçando a estabilidade política na Nigéria.
Enquanto D-Boy se abrigava em um quartel do Exército, alguém lhe passou um telefone. Era seu amigo, Vincent Alaibe, um cristão.
"Ouvi a voz dele dizendo que tinha queimado a minha casa", disse D-Boy.
"Ele gritava. Ele disse que havia mostrado aos outros a minha casa e que todos, inclusive ele, haviam queimado a casa."
"Ele pensou que eu estava morto", contou D-Boy. "Estou vivo, eu disse."
Meses depois, a casa da família D'Abam, no distrito de Anglo-Jos, continua em ruínas. Um refrigerador enegrecido pelas chamas, os restos de uma televisão derretida e outros objetos pessoais pisoteados.
"Minha mãe cozinhava para ele. Ele costumava vir aqui para dormir, minha mãe lhe dava a chave."
D-Boy explicou que tem mantido contato com Vincent e perguntou se gostaríamos de encontrá-lo.
A onde de vinganças e assassinatos transformou o clima na região e marcar um simples encontro pode ser complicado. Os amigos só podem se ver longe da região onde vivem.
Os dois estavam sem jeito, olhando para o chão.
"Se eu não obedecesse, eles me teriam me matado", disse Vincent.
'Perdão'
Falando devagar, ele descreveu os acontecimentos daquela noite, quando uma gangue de cristãos atacaram a área, munidos de armas, bombas incendiárias e facões.
Vincent, um dos poucos cristãos residentes na área, foi selecionado pelo grupo, que o obrigou a mostrar onde ficava a casa de D-Boy.
"Eles sabem que ele é meu amigo, por isso me obrigaram a fazer aquilo. Sabiam que eu sou cristão e que ele é muçulmano".
"Estou procurando perdão", ele disse, com a voz engasgada.
D-Boy olhava para a frente e ouvia.
"Não faça de novo", ele disse.
"Se isso acontecer de novo, não participe. Sei que você é uma pessoa boa".
Os pais de D-Boy perdoaram Vincent e gostaria de vê-lo de novo na casa da família.
Mas ameaças de vingança e o medo de ser preso obrigaram Vincent a se mudar para longe.
"Se voltar à área, vão me matar", ele disse.
Assassinatos Silenciosos
Os confrontos entre cristãos e muçulmanos não se limitam ao distrito de Anglo-Jos. Ao norte da região, a pequena comunidade cristã de Chwelnyap, no distrito de Congo-Rússia, também foi alvo de ataques e cinco pessoas morreram.
Um dos líderes locais, Ibrahim Choji-Dusu, disse que a comunidade de Chwelnyap está disposta a perdoar e a conversar com os grupos muçulmanos vizinhos - a cidade é cercada por quatro áreas de maioria muçulmana.
Mas desde os conflitos, ocorridos há três meses, a atmosfera mudou e já não é possível conversar.
"Não podemos ir lá. Nosso povo está sendo morto toda vez que passa naquela área", explicou.
"Se você vai, não volta. Vai entrar para a lista dos desaparecidos".
A polícia e o Exército vêm encontrando cadáveres de cristãos e muçulmanos dentro da cidade e nos vilarejos ao redor.
As vítimas dos "assassinatos silenciosos" são encontradas todas as semanas.
Para o cristão Emmanuel Nanle, que trabalha com jovens em Jos, ao invés de se aproximarem, as pessoas estão se afastando cada vez mais.
Jos, que no passado foi destino turístico muito em voga entre colonizadores britânicos, está se tornando uma cidade segregada.
Veículos militares blindados estão posicionados nos pontos de contato entre as comunidades.
"Toda essa rua, a rua Ajayi, costumava ser a rua do pôquer", explicou Nanle.
"Você encontrava cristãos e muçulmanos jogando juntos, passando o tempo depois do trabalho".
"Hoje, por causa da crise, os cristãos não têm coragem de vir e os muçulmanos estão jogando pôquer sozinhos".
Áreas de Jos antes etnicamente e religiosamente mistas - Dogon Dutse, Genta Adamu e Nassarawa Gwom - estão ficando segregadas.
O líder cristão Choji-Dusuacha que as mudanças geográficas estão impedindo discussões entre as comunidades.
"A verdade é, precisamos debater e pensar de forma racional", ele disse.
"Nós, os cristãos, não queremos brigar. Mas se perdermos nossa estabilidade no Estado de Plateau, isso vai afetar o país. Isso vai balançar o país".