segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Igreja ou Cativeiros religiosos?

 

A igreja é um organismo vivo e indispensável na vida do cristão. Nela vemos a representação do corpo de Cristo cujos importantes membros desempenham papéis diferenciados sem que haja um mais especial que o outro, o que os torna interdependentes entre si. O autor de Hebreus (Hb 10.25) reitera a relevância ratificando que congregar é mais que uma opção, mas sim uma ordenança. Só que hoje congregar pode ser um exercício de simpatia, afinal tem igrejas pra todos os gostos, das mais variadas formas. Igreja simples, luxuosa, rica, pobre, moderna, antiga, gigante, pequenina, com área de lazer, estacionamento gigantesco, igreja rural e até igreja residencial, haja igreja! O que me chama atenção é que diante de tanta diferença teológica, denominacional, financeira, social, o “algo” de comum que muito permeia entre tantas é a noção de prisão.
Foucault (filósofo francês com grande contribuição para o campo da história, mal visto por parte de alguns dos teólogos) em sua obra História da Loucura (1960), projeta seu olhar através de outros ângulos e ao analisar a invenção da prisão, a qual nascia não do progresso da humanização decorrente dos ideais da Revolução Francesa, mas da sofisticação das formas de dominação e exercício da violência, proporcionou, a meu ver, uma sacada incrível que vem abalar as formas de interpretação até então experimentadas. Enquanto tantos discutiam a liberdade, igualdade, fraternidade, Foucault passeava a vista nos novos métodos de reclusão e nas sofisticadas maneiras de inculcar, dominar e aprisionar alguém. Esta ousada e arriscada maneira de ver a cena partiu da influencia do pensamento de Foucault.
Inicio uma análise da tal prisão citando parte da canção “Liberdade para Amar” de Sérgio Pimenta (um dos maiores compositores da música evangélica):
“Vamos fazer o amor,
Vamos dar uma flor,
Tentativas de buscar sentido.
Vamos unir as mãos
Ao fingir-nos de irmãos,
Coreografia de aflitos”
Até parecia que Pimenta conhecia o pensamento foucaultiano ao abordar primeiramente as práticas (performances) ao invés dos corações das pessoas, pondo em xeque a superficialidade de um amor que ainda está preso a mesquinhesas, a momentos, e a falsas verdades. Quem nunca ouviu num culto: “pegue na mão do seu irmão, diga que o ama”; “levante as mãos e diga que adora ao Senhor”; “dê um brado de vitória”… Alguém comanda os sentidos e intenções com livre acesso as ações da eclésia – dominação total não acha? Um fantoche preso a um sistema de práticas, e como disse Pimenta, pode representar “coreogragias de aflitos” se a vida não corresponder aos momentos de religiosidade.
Foi ao re-ouvir “Liberdade para Amar” que pude pensar: “a igreja deve ser este lugar de liberdade, de paz, desprendimento com os interesses e com as fisgas do egocentrismo”. Mas às vezes acontece o contrário, ela (igreja) se torna uma das mais nocivas prisões, não só de simples “marionetismo de culto”, mas de ideias e de conceitos bizarros onde muita gente ainda permanece aprisionado. Alguns que pude perceber são:
Acomodação tradicional – gente que nasce e cresce na igreja e pela tradição e antiguidade imagina que já é crente salvo (alguns não passam de mau caráter). Preso no comodismo e no convencimento, criticam outras religiões ao dizerem que velam por tradições e doutrinas de homens… Mas há muitos assim dentro da igreja evangélica – não tiraram ainda a trave do olho.
Crença num Deus estático – “Quando eu cheguei aqui o Senhor já estava”. Esta frase reproduz uma ideia de ambiência divina onde Deus aguarda pacientemente os queridos irmãos chegarem ao templo para cultuar. Dentro do templo não se pode rir, conversar, entrar de bermuda, jogar um play station, tocar um instrumental, pois ali é recinto sagrado e Deus permanece sempre observando com ar de repreensão quem ultrapassar os limites de irreverência podendo castigá-los.
Prisão do guarda-roupa – roupa profana para os dias de semana, roupa santa para os domingos à noite. Aliás, o melhor pra Deus tem que rolar no domingo pois é o dia especial e merece roupa especial. Camisa de clube, roupa de academia, biquíni de veraneio são vestimentas profanas que só devem ser usadas de tempos em tempos, apenas quando nenhum crente vir, pois é sinal de mundanismo.
Dízimo de holofote – sempre dá um jeito de se fazer percebido nos dias em que dizima, pois reforçará uma imagem de cristão comprometido.
Adoração viciada em carga de eletricidade – o culto só é bom quando algo de elétrico ocorre. Seja uma pregação fervorosa ou um louvor ministrado com fervor. “Aleluia” e “Glória a Deus” jamais é dado pelo silêncio de Deus, e sim pelos barulhos dos homens.
Coreografias de aflitos – sempre nos momentos de louvor é importante levantar as mãos, glorificar em alto som e se “estabanar” de quebrantamento, mostrando ter sentido a presença redundante de Deus naquele culto. Nos hinos de comunhão gosta de sair apertando a mão de todos dizendo que os ama, mas no dia-dia não oferece uma carona.
Teleguiado de pecado – é o faro de buscar defeitos inveja em relação ao próximo. Pessoas com esse dom (do diabo) já entram na igreja dando um 360 graus e formatando informações grotescas antes de iniciar o culto, tipo: “aposto que o irmãozinho da frente trai a esposa”, “ o cabelo da ministrante hoje está ridículo”, “putz, aquele homossexual veio ao culto de novo”, “não aguento olhar a cara da irmã fulana”, “um dia compro um carro melhor do que o de sicrano”,“tô de saco cheio desse meu pastor, era melhor estar em casa”.
Cultômetro – acontece demais. Gente que tem a sina de medir a vida espiritual dos outros pela frequencia nos cultos. Quando encontram um pouco assíduo faz uma auto-demostração de crente fiel, assíduo e complementa com as previsíveis falas “apareça mais na igreja irmão, deviou?”, “o amado está brigado com Deus?”
O sagrado paletó – essa prisão é antiga e burlesca. Aprenderam desejar a autoridade, o status, o poder. E nada melhor do que um paletó pra representar esses signos. Esta é uma forma de hierarquizar um ambiente que deveria ser de liberdade. Mas não. Usa paletó quem é pastor, diácono, presbítero, evangelista, apostolo, profeta, e os cambau metido a isso tudo. Um Reverendo não usar paletó, para alguns prisioneiros da religião, é um pecado e desconsideração a Deus – enquanto uns arregaçam as mangas e vão a ceara trabalhar incansavelmente, outros almejam caros e luxuosos ternos para exibirem seu poderio visual, ministerial e farisaico.
Lugar do poder – é de praxe em algumas igrejas (principalmente as pentecostais) por trás do púlpito existirem dezenas de poltronas reservadas a gente “importante” (e haja gente querendo sentar ali): presbíteros, pastores, evangelísticas, apóstolos e até políticos (corruptos). Essa violência simbólica faz com que a platéia seja obrigada a olhar durante todo o culto para seus líderes como autoridades espirituais e dignas de respeito – não por que são íntegros em si, mas por que estão num posto maior. Ali não se está a esquerda ou direita de Jesus, mas aquele lugar (que às vezes vira praça de conversa ou palco de cochilo) ainda representa o sonho de consumo de muitos fracos na fé que querem ser reconhecidos e estarem, como dizem os Neopentecostais, em lugares altos…acima das pessoas comuns.
OBS: Tais notas só servem para quem ainda se considera preso a estas invenções que ocorreram no âmbito da igreja. Se já está liberto desses conceitos, desconsidere o que escrevi.
Matéria extraída do blog Púlpito Cristão
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