Evasão de fiéis e secularização enfraquecem Igreja, que vê alento nos movimentos carismáticos.
A Igreja Católica vive uma crescente tensão interna por causa da evasão de fiéis e da distância entre sua pregação e a prática religiosa. A revelação, em novembro, de que a instituição ocupa o segundo lugar em credibilidade, abaixo apenas das Forças Armadas, conforme pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entusiasma o episcopado, embora alguns teólogos e assessores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) atribuam essa boa imagem não a seu desempenho, mas ao descrédito de concorrentes, especialmente da classe política.
A pesquisa da FGV prova, na avaliação do professor Felipe de Aquino, membro do movimento carismático Associação Canção Nova, que a Igreja mantém seu prestígio na sociedade. "A grande maioria do povo se professa católica, respeita e acata posicionamentos morais", argumenta. A Renovação Carismática Católica e outros grupos, como o Opus Dei e as novas comunidades , seguem o Vaticano. "Em questões políticas pode haver divergências, mas mesmo assim a Igreja tem voz ativa, como ocorreu no caso da aprovação da Lei da Ficha Limpa", observa Aquino.
Outro exemplo recente foi a tomada de posição de parte do episcopado durante a campanha presidencial. Alguns bispos, como d. Luiz Gonzaga Bergonzini, de Guarulhos, combateram Dilma Rousseff com o argumento de que ela e seu partido eram favoráveis à descriminalização do aborto. A crítica repercutiu na imprensa, sobretudo depois que o papa Bento XVI aconselhou os bispos a saírem às ruas em defesa da defesa da vida, num discurso interpretado por d. Bergonzini como apoio à sua atitude.
Houve reação a esse posicionamento dentro da própria Igreja, o que demonstra como ela está dividida. "Foi um espanto os três bispos da presidência do Regional Sul 1 (São Paulo) recomendarem um texto de condenação da candidatura de Dilma Rousseff nas eleições, apoiando d. Bergonzini, porque se jogou fora a colegialidade, fugindo à orientação da CNBB, quando d. Geraldo Lyrio Rocha (presidente da entidade) teve de dizer que cada bispo faz o que quer", reagiu o padre José Oscar Beozzo, teólogo e respeitado historiador da Igreja. "É um sintoma de que não há consenso, os bispos quebraram uma tradição de mais de 45 anos", acrescentou.
Essa intromissão na campanha eleitoral incomodou, mas não deverá impedir um bom relacionamento com o novo governo, na avaliação de d. Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte e reitor da Pontifícia Universidade Católica de Minas. "Não diria que a Igreja tenha perdido a capacidade de diálogo, apesar de alguns arranhões, porque isso poderá ser recuperado, sem sequelas", disse o bispo. Em sua opinião, mais do que prestígio, é a sua estatura moral que a Igreja deve preservar, nas relações com a sociedade e com o governo.
"A Igreja sempre falou de política, sempre defendeu valores éticos", afirmou d. Mol, lembrando a força de vozes da hierarquia que se destacaram contra a ditadura militar e aquelas que atualmente se levantam em defesa dos pobres. "Havia gente de outra linha, até bispos muito afinados com o regime militar." O que chamou a atenção nas eleições de 2010 foi o fato de ter prevalecido uma voz de membros da Igreja contra um dos candidatos, de maneira contundente e direta. "Quando há dois candidatos e se diz para não votar em um, é como se dissesse para votar no outro, sem alternativa", criticou o bispo.
Para o padre Manoel Godoy, diretor do Instituto de Teologia Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte, o fato de Bento XVI ter aconselhado os bispos brasileiros, na véspera do segundo turno das eleições, a saírem às ruas em defesa da vida, contra o aborto, "foi um paradoxo, um episódio contra o toque de recolher ao qual a CNBB vem sendo submetida nos últimos anos".
Disputa interna
O dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, atribui a uma disputa interna no episcopado a polêmica criada em cima da discussão sobre o aborto. "Acredito que todo esse conflito à sombra do processo eleitoral tinha como alvo não evitar a eleição da Dilma, mas assegurar aos conservadores a vitória da eleição na CNBB", afirmou o teólogo e ex-assessor do presidente Lula no programa Fome Zero.
As denúncias de pedofilia no clero repercutiram relativamente pouco no Brasil, porque os casos ocorridos aqui foram poucos, em comparação com outros países. "Se a Igreja já vinha sofrendo uma crise de credibilidade, a pedofilia aprofundou essa crise e não adianta dizer que a pedofilia está presente na família e no mundo civil, porque o padre foi trabalhado, desde o século 16, como um alter Christus ("outro Cristo"), uma figura tão exaltada que é impossível deixar de haver consequências", disse o padre Godoy. Com a ressalva de que não tem "a mentalidade conspiracionista" de achar que a imprensa é contra a Igreja, ele admite que a repercussão da pedofilia é inevitável, por causa da imagem de pessoa venerada, culta e sábia que se criou do padre.
Fonte: Estadão
A Igreja Católica vive uma crescente tensão interna por causa da evasão de fiéis e da distância entre sua pregação e a prática religiosa. A revelação, em novembro, de que a instituição ocupa o segundo lugar em credibilidade, abaixo apenas das Forças Armadas, conforme pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entusiasma o episcopado, embora alguns teólogos e assessores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) atribuam essa boa imagem não a seu desempenho, mas ao descrédito de concorrentes, especialmente da classe política.
A pesquisa da FGV prova, na avaliação do professor Felipe de Aquino, membro do movimento carismático Associação Canção Nova, que a Igreja mantém seu prestígio na sociedade. "A grande maioria do povo se professa católica, respeita e acata posicionamentos morais", argumenta. A Renovação Carismática Católica e outros grupos, como o Opus Dei e as novas comunidades , seguem o Vaticano. "Em questões políticas pode haver divergências, mas mesmo assim a Igreja tem voz ativa, como ocorreu no caso da aprovação da Lei da Ficha Limpa", observa Aquino.
Outro exemplo recente foi a tomada de posição de parte do episcopado durante a campanha presidencial. Alguns bispos, como d. Luiz Gonzaga Bergonzini, de Guarulhos, combateram Dilma Rousseff com o argumento de que ela e seu partido eram favoráveis à descriminalização do aborto. A crítica repercutiu na imprensa, sobretudo depois que o papa Bento XVI aconselhou os bispos a saírem às ruas em defesa da defesa da vida, num discurso interpretado por d. Bergonzini como apoio à sua atitude.
Houve reação a esse posicionamento dentro da própria Igreja, o que demonstra como ela está dividida. "Foi um espanto os três bispos da presidência do Regional Sul 1 (São Paulo) recomendarem um texto de condenação da candidatura de Dilma Rousseff nas eleições, apoiando d. Bergonzini, porque se jogou fora a colegialidade, fugindo à orientação da CNBB, quando d. Geraldo Lyrio Rocha (presidente da entidade) teve de dizer que cada bispo faz o que quer", reagiu o padre José Oscar Beozzo, teólogo e respeitado historiador da Igreja. "É um sintoma de que não há consenso, os bispos quebraram uma tradição de mais de 45 anos", acrescentou.
Essa intromissão na campanha eleitoral incomodou, mas não deverá impedir um bom relacionamento com o novo governo, na avaliação de d. Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte e reitor da Pontifícia Universidade Católica de Minas. "Não diria que a Igreja tenha perdido a capacidade de diálogo, apesar de alguns arranhões, porque isso poderá ser recuperado, sem sequelas", disse o bispo. Em sua opinião, mais do que prestígio, é a sua estatura moral que a Igreja deve preservar, nas relações com a sociedade e com o governo.
"A Igreja sempre falou de política, sempre defendeu valores éticos", afirmou d. Mol, lembrando a força de vozes da hierarquia que se destacaram contra a ditadura militar e aquelas que atualmente se levantam em defesa dos pobres. "Havia gente de outra linha, até bispos muito afinados com o regime militar." O que chamou a atenção nas eleições de 2010 foi o fato de ter prevalecido uma voz de membros da Igreja contra um dos candidatos, de maneira contundente e direta. "Quando há dois candidatos e se diz para não votar em um, é como se dissesse para votar no outro, sem alternativa", criticou o bispo.
Para o padre Manoel Godoy, diretor do Instituto de Teologia Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte, o fato de Bento XVI ter aconselhado os bispos brasileiros, na véspera do segundo turno das eleições, a saírem às ruas em defesa da vida, contra o aborto, "foi um paradoxo, um episódio contra o toque de recolher ao qual a CNBB vem sendo submetida nos últimos anos".
Disputa interna
O dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, atribui a uma disputa interna no episcopado a polêmica criada em cima da discussão sobre o aborto. "Acredito que todo esse conflito à sombra do processo eleitoral tinha como alvo não evitar a eleição da Dilma, mas assegurar aos conservadores a vitória da eleição na CNBB", afirmou o teólogo e ex-assessor do presidente Lula no programa Fome Zero.
As denúncias de pedofilia no clero repercutiram relativamente pouco no Brasil, porque os casos ocorridos aqui foram poucos, em comparação com outros países. "Se a Igreja já vinha sofrendo uma crise de credibilidade, a pedofilia aprofundou essa crise e não adianta dizer que a pedofilia está presente na família e no mundo civil, porque o padre foi trabalhado, desde o século 16, como um alter Christus ("outro Cristo"), uma figura tão exaltada que é impossível deixar de haver consequências", disse o padre Godoy. Com a ressalva de que não tem "a mentalidade conspiracionista" de achar que a imprensa é contra a Igreja, ele admite que a repercussão da pedofilia é inevitável, por causa da imagem de pessoa venerada, culta e sábia que se criou do padre.
Fonte: Estadão
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