domingo, 10 de março de 2013

Cardeais querem 'Jesus com MBA' no comando da igreja

Nas reuniões entre os cardeais em Roma para discutir as características que eles procuram no novo papa, está surgindo um consenso.
Eles procuram alguém capaz de pregar os Evangelhos de forma compreensível e atraente para as pessoas do século 21.
Para que isso seja crível, o novo papa precisa ser um homem santo, que acredite no que prega e viva o que preconiza. Também precisa ser um brilhante intelectual, como os papas João Paulo 2º e Bento 16 -conhecedor da tradição e da teologia da igreja.
Mas a santidade e a inteligência não bastam. Ele precisa parecer santo e ser capaz de explicar os ensinamentos da igreja às pessoas de hoje em linguagem que elas compreendam. Por fim, ele precisa ser um bom administrador, capaz de reformar a burocracia do Vaticano.
Em outras palavras: eles querem Jesus Cristo com um MBA. O problema, claro, é que ele morreu, ascendeu dos mortos e deixou a cidade para trabalhar na empresa da família.
Francamente, não há pessoa alguma no Colégio de Cardeais que atenda à descrição acima. Jesus pode ter fundado a Igreja Católica, mas deixou a gestão dela a simples seres humanos.
E tampouco existe consenso sobre o que os termos citados significam. O que é santidade? Quando eu era menino, nos anos 50, todos pensávamos que o papa Pio 12 fosse um santo. Ele certamente parecia pio e ascético: magro, com as mãos postas em oração e os olhos voltados ao céu. Imaginávamos que seus pés nem tocassem o chão quando ele se movia.
João 23, por outro lado, era gordo e sorridente e tinha um brilho brincalhão no olhar. Eram duas pessoas muito diferentes, mas foram reverenciadas como santas por suas respectivas gerações.
Será que precisamos de um papa que se ajoelhe, carrancudo, em oração, bradando aos céus, ou de um papa que fique sentado no jardim do Vaticano, cantando louvores como são Francisco de Assis, enquanto assiste ao pôr do sol?
TEÓLOGOS LIVRES
Tampouco existe consenso sobre a espécie de intelectual de que o pontificado necessita. João Paulo 2º e Bento 16 tinham suas visões teológicas, mas há outros teólogos brilhantes na Igreja Católica que seguiram abordagens diferentes.
As diferenças entre Bento 16 e Hans Küng são conhecidas, mas há outros, como o padre jesuíta Karl Rahner e o padre dominicano Edward Schillebeeckx, que enfrentaram problemas no Vaticano.
O que a igreja precisa é um santo Agostinho de Hipona ou um são Tomás de Aquino do século 21. Os conservadores que gostam de citar esses teólogos não querem que os teólogos contemporâneos os imitem. Os dois tomaram o melhor do pensamento intelectual de suas eras e o usaram para explicar o cristianismo às suas gerações.
Agostinho empregou o neoplatonismo porque todas as pessoas inteligentes de sua era eram neoplatônicas. Aquino tomou os escritos de Aristóteles que haviam sido redescobertos e representavam o pensamento de vanguarda em sua era. Aquino era tão radical que o bispo de Paris queimou seus livros.
A dificuldade hoje é que boa parte da teologia é expressa na linguagem do pensamento clássico, mas quando foi a última vez que você encontrou na rua um neoplatônico ou um aristotélico?
Hoje, precisamos de teólogos livres que imitem, e não apenas citem, esses grandes santos. Isso não significa eleger outro intelectual, como os cardeais fizeram nos dois últimos conclaves, mas sim um líder que permita que todos os demais teólogos da igreja façam seu trabalho sem medo de perseguição.
É preciso um papa que ouça, além de ensinar; um papa que encoraje a criatividade e que não se sinta obrigado a ter todas as respostas; um papa competente em criar consensos, e não apenas em proferir ordens.
Por fim, os cardeais precisam buscar alguém capaz de reformar a Cúria Vaticana, o serviço central de administração da igreja.
Uma vez mais, não existe consenso quanto ao que isso significa. Mesmo as pessoas que trabalham na Cúria concordam em que ela precisa ser reformada, mas com isso querem dizer "me dê mais poder para fazer meu trabalho e reduza o poder daqueles que se opõem a mim".
Essas pessoas não veem problema em ter um homem adoentado e em declínio como papa, desde que ele se disponha a lhes delegar autoridade. Dirigir a Igreja Católica em nome dele enquanto o pontífice presta testemunho sobre o sofrimento seria algo perfeitamente satisfatório para elas.
Por outro lado, muita gente gostaria de ver o poder da igreja descentralizado, o que causa repugnância ao Vaticano. Como uma reforma tributária, a reforma do Vaticano varia de acordo com as opiniões do observador. Minhas opiniões sobre a questão estão expostas em artigo que escrevi para a revista "Commonweal".
HOMEM PRÁTICO
O que os cardeais devem fazer caso não encontrem um Jesus Cristo com MBA?
Na época de são Bento, o fundador da ordem beneditina, um mosteiro enfrentou dilema semelhante e escreveu ao santo afirmando que havia divisão sobre a escolha de um abade. Um monge era renomado por sua santidade; um segundo era um teólogo brilhante; um terceiro candidato era um homem prático.
São Bento respondeu em uma carta: "Que o homem santo ore pelos monges, que o teólogo os ensine e que o homem prático os administre". Embora o papa não seja um abade, a recomendação não deixa de ser sábia.
THOMAS REESE, padre jesuíta e teólogo, é pesquisador do Centro Teológico Woodstock na Universidade de Georgetown (EUA) e ex-diretor da revista católica "America".
Tradução de PAULO MIGLIACCI  / INF. UOL.COM.BR

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