Os cardeais que participam do conclave papal entraram na Capela Sistina em fila indiana, mas, por trás da exibição ordenada, estão divididos em formações concorrentes e blocos de poder que determinam qual deles se tornará o papa.
A principal divisão coloca os cardeais que trabalham no Vaticano, os romanos, contra os reformadores, os cardeais que desejam que o próximo papa combata o que eles veem como ineficiência, corrupção e relutância do Vaticano em compartilhar o poder e a informação com bispos de todo o mundo.
Mas as facções neste conclave não se dividem ao longo de linhas geográficas e, de fato, elas têm produzido alianças surpreendentes: a principal preferência dos romanos parece ser um brasileiro, e diz-se que os reformadores estão pressionando por um italiano.
Este conclave é muito mais imprevisível e misterioso que o último, porque a paisagem da igreja mudou nos últimos oito anos. O próximo pontífice precisará unir uma igreja cada vez mais globalizada, paralisada por escândalos e má gestão, sob os holofotes da veloz era midiática. E entre os cardeais, não há um único sucessor óbvio ao papa Bento 16, que sacudiu a igreja ao renunciar no mês passado, aos 85 anos.
Com todo o alvoroço sobre os escândalos do Vaticano, os romanos estão conscientes de que podem falhar se apoiarem um dos seus e, portanto, diz-se que estão se reunindo em apoio do cardeal brasileiro Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo.
Scherer é de ascendência alemã, mas sua seleção daria à Igreja Católica Romana seu primeiro papa da América Latina. A região é o lar de cerca de 40% dos católicos do mundo, e a igreja está protelando os desafios por lá, tanto os representados pelo crescimento das igrejas evangélicas quanto por uma tendência ao secularismo.
Os reformadores, liderados pelos norte-americanos e por alguns europeus influentes, estão reportadamente unidos em torno do cardeal italiano Angelo Scola, arcebispo de Milão, pastor popular e erudito teólogo moral. Como italiano, ele está familiarizado com a cultura que domina a burocracia do Vaticano, mas não faz parte dela nem deve nada a ela.
Muitos cardeais, no entanto, dizem que estão ansiosos por um papa de fora da Itália e, melhor ainda, de fora da Europa, e esperam que isso energize o 1,2 bilhão de católicos do mundo.
Outros candidatos potenciais podem facilmente emergir no que está se mostrando como uma disputa fluida, com alianças e prioridades em constante transformação, de acordo com entrevistas realizadas na semana passada com funcionários da igreja, estudiosos e jornalistas que estudam a igreja.
Com o palco verdadeiramente aberto, o próximo papa a aparecer na varanda para falar à multidão na praça de São Pedro poderá ser um cardeal da Argentina, do Canadá, da Hungria, do México, das Filipinas ou até mesmo dos Estados Unidos.
Quem quer que terá que convencer seus companheiros de que seus dons como evangelista e administrador podem fazer a igreja superar os escândalos envolvendo abuso sexual de crianças, o Banco do Vaticano, a recente renúncia de um cardeal que admitiu ter usado seus próprios sacerdotes para obter favores sexuais, e o episódio Vatileaks, em que documentos pessoais do papa foram roubados e publicados, revelando brigas amargas na administração central da igreja, conhecida como Cúria.
"Os cardeais mais perspicazes entendem que a evangelização da igreja está obscurecida pelas realidades mesquinhas que representam a desordem da Cúria Romana", disse Sandro Magister, analista do Vaticano, para a revista semanal L'Espresso.
O último conclave, há oito anos, apresentou um cenário muito mais simples. Havia um candidato dominante, e este era o cardeal Joseph Ratzinger, antigo-chefe do escritório de doutrina do Vaticano e colaborador próximo do papa anterior, João Paulo 2º. Ele foi eleito no segundo dia do conclave, depois de apenas quatro votações, e tomou o nome de Bento 16.
"Em 2005, se não fosse Ratzinger, quem seria? E à medida que eles passaram a conhecê-lo, a questão passou a ser: por que não Ratzinger?", disse Austen Ivereigh, escritor inglês que aborda o catolicismo e é ex-porta-voz do aposentado cardeal Cormac Murphy-O'Connor.
Os alinhamentos aconteceram por diferenças teológicas na época, com o grupo cada vez menor de cardeais liberais apoiando alternativas a Ratzinger que os outros poderiam achar aceitáveis. Mas, desta vez, não há número suficiente de teólogos liberais entre os cardeais para criar um bloco viável.
"Embora haja uma homogeneidade doutrinária entre os cardeais", disse Paolo Flores d'Arcais, editor do jornal liberal italiano MicroMega, "as diferenças são duras entre os que querem a mudança, em especial em questões de pedofilia e do banco do Vaticano, e os bispos que querem preservar o status quo da Cúria e preservar seu poder, embora na superfície todos eles digam que querem mudar".
A eleição resume-se à contagem dos votos, e com a maioria de dois terços exigida dos 115 cardeais votantes, o vencedor precisará de 77 votos. Os cardeais do bloco romano, que trabalham na burocracia do Vaticano, somam apenas 38 e vêm não só da Itália, mas também de outros países.
Eles, também, estão divididos em facções rivais, dizem muitos especialistas na igreja, entre aqueles leais ao secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, e o reitor do Colégio de Cardeais, o cardeal Angelo Sodano. Sodano tem mais de 80 anos e não pode votar, portanto não estará no conclave na Capela Sistina.
No entanto, Flores d'Arcais diz: "Eles colocam suas diferenças de lado quando se trata de bloquear qualquer um que queira a mudança."
Pela primeira vez, um norte-americano poderia estar prestes a superar a aversão tradicional do conclave por um papa de uma superpotência, embora nem todos os analistas concordem com isso. Os candidatos mais prováveis são: o cardeal Timothy M. Dolan, arcebispo de Nova York, conhecido por sua presença exuberante e habilidades de evangelização, e o cardeal Sean Patrick O'Malley, de Boston, um frei franciscano capuchinho, que tem a reputação de ter acalmado as águas em três dioceses sucessivas (Fall River, Massachusetts; Palm Beach, na Flórida; e Boston) dilaceradas por escândalos de abuso sexual de menores. Ambos se manifestaram a favor da mudança.
Gian Guido Vecchi, um jornalista que cobre o Vaticano, disse na semana passada no jornal italiano Corriere della Sera, que "mesmo que esse não seja o momento para o primeiro papa norte-americano, é difícil imaginar que o papa pode ser eleito sem, ou mesmo contra, eles".
Alguns cardeais são considerados azarões, mas ainda poderiam exercer influência e endossar com peso outros nomes. Um apoiador dos reformadores é o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, diplomata experiente descendente da nobreza, que estudou com o emérito papa Bento. Schoenborn apoia Scola, arcebispo de Milão, de acordo com Carlo Marroni, especialista em Vaticano para o jornal empresarial italiano Il Sole 24 Ore.
Se nem os romanos e nem os reformadores tiverem votos suficientes para eleger seus principais candidatos, há candidatos de conciliação.
Um nome mencionado antes mesmo de renúncia de Bento 16 é o de um canadense, o cardeal Marc Ouellet. Ele é um conservador doutrinário que deu aulas de filosofia na Colômbia e pode ter o apoio de alguns cardeais latino-americanos. Mas Ouellet passou muitos anos trabalhando no Vaticano e lidera o departamento de bispos desde 2010. Ele pode ser visto como um candidato misto, aceitável tanto para romanos quanto para reformadores.
Outro candidato que está atraindo muita atenção é o cardeal Peter Erdo, 60, da Hungria, um advogado canonista que apesar de sua relativa juventude foi eleito duas vezes presidente da conferência dos bispos europeus. Ele também cultivou laços estreitos com prelados africanos.
Embora Ouellet e Erdo sejam queridos por seus colegas, nenhum deles é capaz de entusiasmar uma plateia, apontam os observadores da igreja, o que poderia ser um bem muito valioso num momento em que a igreja precisa de um papa que pode se conectar com as pessoas.
Ninguém pode dizer agora de forma confiável quem vai sair do conclave como papa, disse Flores d'Arcais: "Hoje só Nostradamus pode fazer previsões."
Fonte: The New York Times
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