Os recentes ataques de multidões muçulmanas a representações
diplomáticas americanas foram desencadeados pela divulgação de trechos
de um filme norte-americano de baixo orçamento que, segundo os
islamitas, ofendem o Islã e o profeta Maomé.
Divulgado na Internet, um trailer com imagens do filme "Innocence of
the Muslins" ("A Inocência dos Muçulmanos") foi traduzido para o árabe e
repercutiu negativamente em países muçulmanos.
Os protestos ganharam repercussão internacional na terça-feira (11), com incidentes na embaixada americana no Egito, no Cairo.
No mesmo dia, um ataque durante um protesto matou o embaixador dos EUA em Benghazi, na Líbia e outros três americanos.
Confrontos violentos também ocorreram em Sanaa, capital do Iêmen, na quinta, e em outros países.
Na sexta, dia de tradicionais orações no islamismo, houve protestos em vários países, com mais mortes.
Ameaças
O movimento fundamentalista do Talibã e a rede terrorista da Al-Qaeda
prometeram "vingança" contra os americanos por conta da publicação do
vídeo.
Outros governos de países muçulmanos, como Egito e Irã, também protestaram.
'A inocência dos muçulmanos'
O filme foi dirigido e produzido por uma pessoa identificada como Sam
Bacile, um corretor imobiliário israelense-americano de 54 anos, nativo
do sul da Califórnia, que afirma que o Islã é "uma religião do ódio".
Imagens
estão disponíveis no YouTube.
Cena de 'A inocência dos muçulmanos' (Foto: Reprodução)
Cena de 'A inocência dos muçulmanos' (Foto: Reprodução/Youtube)
Bacile disse que a produção foi financiada com US$ 5 milhões (R$ 10,1
milhões) levantados a partir de doações de judeus, os quais ele não quis
identificar.
Ele afirma ter trabalhado com 60 atores e uma equipe de 45 pessoas na
Califórnia, durante três meses, no filme de duas horas. "O filme é
político. Não religioso", disse.
O longa-metragem foi defendido pelo polêmico pastor Terry Jones, que
atraiu muitas críticas no passado, especialmente por queimar um exemplar
do Corão e ter se oposto à construção de uma mesquita perto do Marco
Zero, em Nova York.
Cenas do filme mostram uma produção desconexa, retratando o profeta
muçulmano Maomé várias vezes como um mulherengo, homossexual, molestador
de crianças, um falso religioso e sanguinário.
Para muitos muçulmanos, qualquer representação do profeta é uma blasfêmia.
Caricaturas ou outras caracterizações feitas no passado e consideradas
insultuosas enfureceram muçulmanos em todo o mundo, provocando protestos
e a condenações por parte de funcionários, pregadores, muçulmanos
comuns e mesmo muitos cristãos.
O pastor Terry Jones descreveu o filme como uma representação
"satírica" da vida de Maomé. Ele disse que mostrou um trailer
promocional após a realização de um "julgamento" simbólico do profeta.
A Igreja Copta Ortodoxa do Egito também emitiu uma declaração
condenando alguns coptas que vivem no exterior, que, segundo a igreja,
financiaram "a produção de um filme que insulta o profeta Maomé".
A primeira parte do filme, situada na era moderna, mostra cristãos
coptas egípcios fugindo de uma multidão muçulmana enfurecida. A polícia
egípcia olha enquanto a multidão quebra uma clínica onde um médico
cristão trabalhava.
Em seguida, aparece um médico conversando com sua filha sobre o que faz um "terrorista islâmico".
Depois disso, as cenas mostram episódios históricos da época do
profeta, a maioria em cenários onde os atores estão claramente
sobrepostos a um fundo de deserto.
Maomé é mostrado como um "bastardo" ilegítimo, como um mulherengo e
homossexual. Uma cena mostra ele em um aparente ato sexual com uma de
suas esposas e mais tarde com outras mulheres.
Em outra cena, um sacerdote cristão se oferece para elaborar um texto
religioso a partir de versos da Torá judaica e do Novo Testamento
cristão para transformá-los no que ele chama de "versos falsos" -- uma
aparente referência à gênese do Corão.
Em outras cenas, Maomé é retratado como um líder sanguinário,
incentivando seus seguidores a saquear lugares que eles atacam e dizendo
que eles podem usar as crianças da maneira que quiserem.
Polícia retira manifestantes do prédio da Embaixada dos EUA no Egito, no Cairo (Foto: KHALED DESOUKI/AFP)
Autor misterioso
O mistério e a confusão sobre a identidade do autor ainda predominam.
Bacile, nome que poderia ser um pseudônimo, decidiu permanecer oculto,
segundo um colaborador, por temer por sua vida depois da explosão de
violência provocada pelo filme.
Na noite de quarta-feira, uma informação divulgada pela imprensa
americana afirmava que um copta que vive nos subúrbios de Los Angeles,
Nakula Basseley Nakula, era o proprietário da empresa produtora do filme
e que ele já teve problemas com a Justiça.
Documentos judiciais confirmam que Nakula Basseley Nakula foi condenado
a 21 meses de prisão em 2010 por fraude bancária e que morava na
localidade de Cerritos, ao sul de Los Angeles.
Na noite de quarta-feira, várias viaturas da polícia estavam estacionadas diante da residência de Nakula.
Dois oficiais da polícia permaneceram dentro da casa durante mais de uma hora e deixaram o local sem fazer comentários.
A família se recusou a falar com os jornalistas. Mas a porta de entrada
da casa, ornamentada com duas janelas semicirculares, tem uma flagrante
semelhança com uma porta que aparece em várias cenas do filme, do qual é
possível assistir alguns trechos na internet.
Steve Klein, um consultor do filme, negou na quarta-feira o
envolvimento de Israel na produção e afirmou que Bacile estava em choque
com a morte do embaixador americano na Líbia, Christopher Stevens,
durante o ataque ao consulado em Benghazi, onde morreram outros três americanos.
A atriz Cindy Lee García, que interpreta uma mulher cuja filha é
proposta em casamento a Maomé, afirmou que ignorava que o filme era uma
propaganda anti-Islã. Ela disse ainda que os diálogos foram redublados
após as filmagens.
Segundo ela, "não havia nada sobre Maomé ou os muçulmanos" no filme que participou.
A dublagem é facilmente perceptível nos 14 minutos do filme divulgados
na internet, onde as palavras são grosseiramente inseridas nas
sequências.
Klein teme que o cineasta tenha o mesmo destino que o holandês Theo Van
Gogh, que foi assassinado em 2004 depois de ter desencadeado protestos
com um filme antimuçulmano.
"Se aparecer em público, tenho certeza de que será assassinado facilmente", concluiu.
G1/GRITOS DE ALERTA