Um dos médicos cubanos vaiados na noite de anteontem por um grupo de
brasileiros em Fortaleza, Juan Delgado, 49, disse que não entende as
razões da hostilidade. "Vamos ocupar lugares onde eles não vão", disse.
Uma foto que flagrou o momento em que Delgado era vaiado por duas brasileiras de jaleco branco saiu ontem na Primeira Página da Folha.
Ele e outros estrangeiros foram cercados em um protesto do Simec
(Sindicato dos Médicos do Ceará), ao sair do primeiro dia do curso do
programa Mais Médicos.
"Me impressionou a manifestação. Diziam que somos escravos, que fôssemos
embora do Brasil. Não sei por que diziam isso, não vamos tirar seus
postos de trabalho", afirmou ele.
O protesto em que manifestantes chamavam os cubanos de "escravos" foi gravado em vídeo pela Folha.
O médico disse que veio ao Brasil por vontade própria e que já trabalhou no Haiti.
"Isso não é certo, não somos escravos. Seremos escravos da saúde, dos
pacientes doentes, de quem estaremos ao lado todo o tempo necessário",
afirmou. "Os médicos brasileiros deveriam fazer o mesmo que nós: ir aos
lugares mais pobres prestar assistência", completou.
Delgado diz acreditar, no entanto, que "não são todos" os médicos
brasileiros que rejeitam a presença dos cubanos e acha que será possível
dar assistência aos brasileiros mesmo em condições de infraestrutura
precária.
"O trabalho vai ser difícil porque vamos a lugares onde nunca esteve um
médico e a população vai precisar muito de nossa ajuda", disse.
Ele afirmou ainda que o desconhecimento da língua portuguesa não será um
empecilho e que a população brasileira "aceitará muito bem os cubanos".
"Nenhum de nós vai voltar a Cuba. Estamos com vontade de começar logo a trabalhar e atender a população."
REAÇÃO
Ontem, o Ministério da Saúde e entidades de saúde do Ceará fizeram um
desagravo aos médicos estrangeiros e classificaram de "intolerância,
racismo e xenofobia" o protesto do Simec.
Horas depois, o presidente do sindicato, José Maria Pontes, disse que as
vaias não foram dirigidas aos cubanos, mas aos gestores do curso.
"E quando os manifestantes gritaram 'escravo, escravo, escravo', não foi
no sentido pejorativo. Foi no sentido de defesa, de que eles estão
submetidos a trabalho escravo e que estamos lutando para mudar aquele
vínculo."
Em Belo Horizonte, onde esteve ontem, a presidente Dilma Rousseff foi
questionada sobre a vaia e respondeu: "Eu achei bom os aplausos".
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