A maior parte dos 15 mil judeus de Donetsk fala russo, mas teme Moscou
Quando Asya Kreimer entrou em sua conta no Facebook e viu o panfleto que mandava os judeus do leste da Ucrânia se registrarem, pagarem um imposto exclusivo e deixar a região, sua primeira reação foi rir.
"É que me pareceu ridículo", conta essa senhora de 56 anos, enquanto prepara um prato
a base de frango, sob a orientação kosher, para a Páscoa judaica.
Nos últimos dias, vários folhetos foram distribuídos por homens mascarados nas saídas das
sinagogas de Donetsk. A cidade no leste da Ucrânia está no centro do conflito entre o
governo de Kiev e os separatistas pró-Rússia, que querem que a área seja anexada por
Moscou, a exemplo da Crimeia.
"Nunca tivemos problemas aqui. Meus amigos ucraniamos e russos me respeitam por ser
judia. Esse pedaço de papel foi ao mesmo tempo patético e repugnante", conta.
Os líderes da República Popular de Donetsk, proclamada por separatistas pró-Rússia,
negam estar por trás das mensagens. Eles acusam o governo de Kiev de espalhar os
folhetos para desacreditar o movimento autonomista.
Ameaças
Para boa parte dos 15 mil judeus de Donetsk, a simples distribuição dos panfletos é
"Isso é só mais uma demonstração das coisas horríveis que andam acontecendo aqui",
diz Asya. "Não acredito que os judeus estejam sob perigo imediato, ainda que tudo
isso seja parte de um plano para arrastar as pessoas ao confronto", diz.
O antissemitismo é parte da história familiar de Asya.
Cinco de suas tias foram enterradas vivas durante a
invasão alemã em 1941. Nos anos seguintes, boa
parte de sua família foi exterminada.
Desde o fim da Segunda Guerra, a vida dos judeus
locais foi de paz. Asya conta que recusou várias oportunidades de deixar a Ucrânia desde
o colapso da União Soviética. Mas, há algumas semanas, ela começou a fazer um curso de
alemão.
"Estou pensando em ir à Alemanha. É a primeira vez na minha vida que penso em ir embora", conta. "Eu tenho medo da Rússia, não dos russos, mas do governo. Acho que o
Ocidente está subestimando o perigo que Putin representa", diz.
Para o rabino Pinkhas Vyshedsky, da cidade de Donbass, "a impressão é que alguem
está tratando de arrastar (os judeus) para um jogo político entre a Rússia e Ucrânia".
O rabino já pediu às forças de segurança da Ucrânia proteção especial à comunidade.
Até agora, não houve resposta.
O caso dos tártaros
Os judeus não são o único grupo alvo de campanhas de ameaça e intimidação na
Ucrânia desde o início da atual crise política.
Durante a anexação russa da Criméia, os tártaros, que são uma etnia da região,
também passaram a ser perseguidos. Hoje os tártaros, que são uma minoria
muçulmana, são poucos na sua terra natal, já que nos anos 1940 o líder soviético
Joseph Stálin deportou quase toda essa população para a Ásia Central.
Nos anos 1980, muitos começaram a regressar à Crimeia. Mas no mês passado,
enquanto as tropas russas ocupavam bases militares em toda a região, minorias
tártaras foram amedrontadas por grupos de carecas. Eles carregavam um taco de
beisebol e uma lista dos moradores tártaros, pintando uma cruz na fachada de suas casas.
"Foi exatamente isso que fez Stálin dias antes de nos colocar nos trens e nos
deportar para a Ásia Central", diz Rustam Kadyrov. Sua casa, no vilarejo de
Bakhchysarai, também está marcada com uma cruz.
"Não sei quem está fazendo isso, mas estão querendo nos intimidar", conta.
Medo dos russos
Em meio à crise, o presidente russo, Vladimir Putin, acusa o governo de Kiev de
violar os direitos da população de fala russa na Ucrânia. Moscou diz que os
nacionalistas ucranianos - particularmente o poderoso grupo Pravy Sektor
(Setor da Direita) - são fascistas.
Desde o colapso da União Soviética, a aprovação de leis que garantam a língua e os
outros direitos de grupos minoritários na Ucrânia tem fracassado.
Ainda assim, representantes das comunidades judaica e dos tártaros acreditam que
uma Ucrânia mais próxima à Europa pode lhes garantir uma maior sensação de segurança,
coisa que não esperam em caso de influência russa.
"Eu tenho medo é da Rússia", diz Asya Kreimer. Assim como a maioria dos judeus de
Donetsk ela tem o russo como língua materna.
"Parece que acabou a vida que nós tinhamos até agora", diz. "Os panfletos são só uma
pequena parte: o que importa é que a Rússia está atiçando os problemas", diz.
"De fora, parece que tudo vai bem, já que felizmente não houve muitas mortes ou muita
violência. Mas a Rússia está matando nosso Estado, a nossa nação (Ucrânia)", diz.
À medida que a disputa entre Rússia e Ucrânia se aprofunda, o perigo aumenta com o
vazio de poder que emerge no país. Como em qualquer outro conflito, tensões étnicas
e religiosas, que estavam adormecidas há décadas, começam a aparecer.
Por isso mesmo essas minorias temem se tornar vítimas do conflito entre duas nações
de cultura eslava e religião ortodoxa.