Empresas geridas por cristãos combinam a busca pelo lucro com vocação missionária e empreendedorismo social. Ken Crowell, empresário de setenta e cinco anos de idade, caminha em meio às linhas de montagem de sua indústria, a Galtronics, situada na Galiléia, norte de Israel. Especializada na fabricação de componentes eletrônicos, a fábrica produz antenas para equipamentos sem fio e é fornecedora de gigantes como a Motorola e a Samsung, tendo já batido a marca de um bilhão de unidades vendidas. Satisfeito, Crowell passeia pelas instalações da empresa conversando com os sorridentes trabalhadores, todos vestidos de azul escuro. Um visitante desavisado que os visse assim, uniformizados, poderia ter a impressão de que se trata de um grupo homogêneo, composto por trabalhadores com origem e estilo de vida semelhantes. Engano. Ali, mais de 300 operários árabes, judeus e cristãos trabalham juntos e em paz, alheios às desavenças que fazem seus conterrâneos se digladiarem lá fora. Alguns desses empregados já estão na indústria há mais de vinte anos. Eles desfrutam de ótimos salários e benefícios trabalhistas – inclusive, bufê a custo subsidiado no almoço, do tipo “coma tudo o que puder”. Um letreiro na entrada do prédio da Galtronics com os dizeres “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará”, o texto do Salmo 37.5, revela a fé de seu proprietário. Crente em Jesus, Ken Crowell é um dos pioneiros em um tipo de visão empresarial que tem ganhado corpo ultimamente: é o chamado modelo BAM, sigla em inglês para Business as Mission (Negócios como missão). Combinar negócios com obra de Deus é uma idéia geralmente vista com desconfiança, mas atualmente, empreendimentos de orientação evangélica como a Galtronics estão se expandindo rapidamente por todo o mundo, como parte de um movimento em ascensão que visa gerar riquezas tanto temporais quanto espirituais. O dono descreve sua visão quando implantou a empresa, em 1978: “O chamado era primeiramente para ir a uma área onde houvesse pouco ou nenhum testemunho cristão, para dar emprego a crentes e a não-crentes em um ambiente seguro de trabalho – e, dessa maneira fornecer o apoio necessário para a edificação de uma igreja local”. A coisa deu tão certo que a Galtronics já viu nascer de suas fileiras uma igreja que hoje tem 400 membros. Ao mesmo tempo, os negócios vão muito bem, obrigado. O grupo já inaugurou unidades na China e na Coréia do Sul, além de cinco outras fábricas de menor porte em outros pontos da Galiléia. “Elas são gerenciadas por crentes que conhecem a visão da empresa”, afirma Crowell. O fenômeno tem vários nomes: “Negócios do Reino”, “empresas do Reino”, “missões a favor do lucro” ou “empresas da grande comissão”, para citar apenas alguns. Os observadores concordam que o movimento já é imenso e está crescendo em ritmo acelerado. “Esta é a grande tendência do momento e todos estão querendo participar”, afirma Steve Rundle, professor associado de economia da Biola University e autor do livro Great Commission Companies (“Empresas da grande comissão”), lançado em 2003. Ele já tem outra obra do gênero no prelo, a ser lançada com o título An Overview of Business as Mission, algo como “Uma visão geral dos negócios como forma de se fazer missões”, escrito em co-autoria com Neal Johnson, especialista em BAM. Lucros e bênçãos Os empresários do movimento utilizam os empreendimentos comerciais não apenas como forma de obter retorno financeiro, mas a fim de gerar empregos, prestar serviços à sociedade e servir de veículo para a disseminação do Evangelho. O negócio em si é um meio de divulgar a fé em Cristo e plantar igrejas. E cada vez mais, empresas do gênero adquirem um tom de globalidade, gerando empregos em países em desenvolvimento – o que as faz diferir diametralmente da visão missionária tradicional, quando o máximo que se fazia era o assistencialismo. Além disso, fazem discípulos que levam a Palavra a uma comunidade maior e mais difícil de ser alcançada: o mundo corporativo. No ano passado, o jovem Bill Yeager, 28 anos, de Montrose, cidade do estado norte-americano do Colorado, investiu o equivalente a R$ 80 mil de suas economias, obtidas com o sucesso de sua empresa de software, em uma idéia radical. Filho de ex-missionários no Quênia, Yeager começou identificando e treinando mais de 1.200 fazendeiros naquele país africano para que cultivassem cebola orgânica. Nascia o Yeager Kenya Group, cujo objetivo é a exportação para o crescente mercado de comida natural na Europa e nos Estados Unidos. “Compreendi que podia abrir um negócio com o objetivo de melhorar a vida daquele povo”, declara o engajado Yeager. Com outros R$ 140 mil de investidores externos, ele está completando o caro treinamento do seu primeiro grupo de produtores agrícolas, todos membros de igrejas evangélicas quenianas. Ao fim do processo, a renda de cada um poderá saltar de irrisórios R$ 1 mil por ano para R$ 20 mil no mesmo período. “É arriscado, mas acredito de todo o coração que esse negócio irá decolar”, sonha o empreendedor. É difícil estimar o número atual de empresários ligados a esse modelo para lá de original de gestão de negócios. “Não somos os grandes idealizadores”, reconhece Johnny Combs, dirigente da Paradigm Engineering, empresa sediada no Texas, EUA. “Somos fazedores”, explica ele, que se tornou uma espécie de consultor do ramo. Nos últimos anos, mais de 2 mil livros e 800 organizações sem fins lucrativos vêm estimulando a combinação de trabalho e fé no ambiente profissional. Eles dedicam todos os seus esforços a uma tendência ainda mais abrangente, o empreendedorismo social,que advoga o uso do capitalismo no lugar do assistencialismo a fim de resolver dramas como o da pobreza. Profissional do Reino Os “bamers”, como são chamados, identificam um nicho, elaboram um plano de negócios com seriedade e então partem para a ação. Em geral eles acumulam capital ao invés de angariar fundos, pois sabem que só ideais não são suficientes para alcançar os objetivos do movimento. É preciso gerar dinheiro. Tudo começou no início da década de 1980, quando um grupo de executivos americanos formou a Intent, organização que teve papel inicial importante na eclosão do movimento das empresas espiritualmente responsáveis. Seus membros incluíam Clem Schultz, que em 1989 adquiriu o controle da AMI, uma fábrica do setor de tecnologia instalada na Ásia. Desde a juventude, Schultz, agora na casa dos 50 anos, sentia-se chamado para missões no Oriente. Só não imaginava de que maneira que cumpriria o “Ide” de Jesus. Atualmente, as vendas da AMI variam de 30 a 50 milhões de dólares anuais e sua atuação diversificou-se. O grupo, que inclui uma editora de livros baseados em princípios e valores do cristianismo, opera 10 unidades na Ásia, empregando em torno de mil pessoas. Os elevados investimentos da holding e sua ficha de bons serviços prestados lhe renderam o favor de governos locais e nacionais asiáticos. “Recebemos enormes incentivos ao nos estabelecermos em novas áreas”, declara Schultz. Ao contrário do que se poderia imaginar, a fé não é fator determinante para a contratação – tanto que os cristãos estrangeiros na força de trabalho da AMI totalizam apenas 5% do efetivo, representando oito diferentes nacionalidades. Mas o testemunho que dão é marcante, mesmo em um continente de pouca tradição cristã. “Quando as pessoas vêem gente oriunda da África do Sul, dos Estados Unidos ou da Inglaterra compartilhando o mesmo local e a mesma crença em Jesus, nossa fé se apresenta muito mais robusta”, declara o executivo. A Intent está otimista em relação às possibilidades de negócios como forma de se fazer a obra de Deus. “O dia do profissional do Reino nas missões mundiais é chegado”, anuncia a literatura distribuída pela organização. “As pessoas que ainda não ouviram o Evangelho de Jesus Cristo serão alcançadas, de forma mais relevante, por profissionais do Reino que utilizarem suas habilidades, recebidas de Deus e talhadas pelo mercado, como seu passaporte legítimo para as nações”. Esta visão contemporânea da obra missionária encontra entusiastas também aqui no Brasil. “Retornos eternos” “Serviços bem feitos podem mudar vidas, melhorar a sociedade e glorificar a Deus”, diz Thomas Sudyk, diretor do EC Group International, que atua no ramo de terceirização de mão de obra. A força de trabalho, no caso, é daquelas que nem sempre encontra vagas no mercado. A empresa recruta funcionários entre deficientes físicos na Índia, oferecendo-lhes treinamento na área de tecnologia da informação. “Esperamos que nossos esforços sejam vistos como bênção de Deus, através do fornecimento de empregos, de um lugar decente para se trabalhar e de um salário justo”, enfatiza Sudyk. Ele começou identificando um nicho praticamente inexplorado: transcrições de registros médicos. Contratou um gerente cristão em Chennai, na Índia, e montou o negócio fazendo um investimento de capital da ordem de R$ 300 mil. Hoje, com mais de 60 funcionários, o EC Group presta serviços para um só cliente, uma empresa médica americana que terceirizaria o trabalho da equipe indiana de Sudyk. “O nosso negócio não é para aqueles que só estão em busca de lucro”, ressalta Ken Crowell, o proprietário da Galtronics, de Israel. “Mas se o que o empresário procura é gerar retornos eternos, em uma empresa onde pode abrir uma Bíblia no escritório ou se sentir confortável evangelizando os colegas de trabalho – conquistando frutos que as missões tradicionais talvez nunca alcancem –, este é o caminho”, ensina. (Tradução: Pedro Bianco; adaptação e redação: Carlos Fernandes) Fé e trabalho Em 1999, Randy Russ era o presidente e o CEO da Community Coffee, uma das maiores empresas cafeeiras dos Estados Unidos. Motivado por sua fé cristã e pela descoberta de um tipo de café de excelente qualidade em uma região da Colômbia arruinada pela guerrilha, Russ e sua empresa iniciaram um relacionamento com 500 famílias de fazendeiros naquele país sul-americano. Eles formaram uma cooperativa de ex-concorrentes para garantir a excelência e a distribuição do produto. Preços comerciais justos elevaram o padrão de vida local, e um bônus anual por desempenho é investido em projetos de desenvolvimento social. Com o apoio de órgãos do governo, os fazendeiros construíram uma escola técnica de agricultura de nível médio, investiram em equipamento e melhoraram sua alimentação com o desenvolvimento da piscicultura. “Basicamente, a expectativa é de que milhares de outros empresários resolvam utilizar seus talentos e habilidades para negócios no compartilhar das boas novas do Evangelho através de suas atividades comerciais”, declara Russ. Fazedores de tendas Surgida em 2001, a Associação Brasileira de Fazedores de Tendas (AFTB) é uma entidade que congrega profissionais de diversas áreas em torno de um objetivo: fazer de sua atividade um vetor para a propagação do Evangelho de Cristo. Inspirados no exemplo do apóstolo Paulo – que, segundo o livro bíblico de Atos dos Apóstolos, exercia o ofício de fazedor de tendas como meio de sustento e aceitação social para poder pregar o cristianismo –, professores, engenheiros, advogados, médicos e agrônomos, entre pessoas de outros perfis profissionais, usam sua capacitação para viabilizar o trabalho missionário em nações ou regiões onde o evangelismo tradicional é restrito e até proibido. Segundo a Interserve, agência que envolve cerca de 750 profissionais missionários espalhados pela chamada Janela 10/40, região onde estão a maioria dos povos não-alcançados pelo Evangelho no mundo, “fazedores de tendas são discípulos de Jesus Cristo que, chamados por Deus e comissionados pela Igreja, usam seus dons, talentos e habilidades profissionais para servir ao Senhor em um contexto transcultural”. A idéia básica é obter autorização legal para trabalhar em determinado país e, assim, poder testemunhar acerca de Cristo. Por isso mesmo, quem se envolve neste tipo de ministério é também conhecido como missionário bivocacionado. “O envio de profissionais para o campo é uma tendência das missões modernas”, afirma David Botelho, dirigente da Missão Horizontes na América Latina. “Lá, eles atuam em suas áreas de atividade secular e, paralelamente, anunciam o Evangelho de acordo com as oportunidades que ajudam a criar.” Ligada à Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), a ABFT atua em parceria com outras organizações, como o Centro Evangélico de Missões (CEM), na capacitação missionária de profissionais. (C.F.) Fonte: Cristianismo Hoje |
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quarta-feira, 6 de abril de 2011
Empresas cristãs: Benditos negócios
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