Pouco denunciada, a opressão violenta
das minorias cristãs nos países muçulmanos é um problema cada vez mais
grave.
Ouvimos falar com frequência de
muçulmanos como vítimas de abusos no Ocidente e dos manifestantes da Primavera
Árabe que lutam contra a tirania. Outra guerra completamente diferente está em
curso – uma batalha ignorada, que tem custado milhares de vidas. Cristãos estão
sendo mortos no mundo islâmico por causa da sua religião. É um genocídio
crescente que deveria provocar um alarme em todo o mundo.
Nos últimos anos, a opressão violenta
das minorias cristãs tornou-se a norma em países de maioria islâmica, da África
Ocidental ao Oriente Médio e do sul da Ásia à Oceania. Em alguns países, o
próprio governo e seus agentes queimam igrejas e prendem fiéis. Em outros,
grupos rebeldes e justiceiros resolvem o problema com as próprias mãos,
assassinando cristãos e expulsando-os de regiões em que suas raízes remontam a
séculos.
Uma avaliação imparcial de eventos
recentes leva à conclusão de que a dimensão e a gravidade da islamofobia não são
nada em comparação com a cristofobia sangrenta que atravessa atualmente países
de maioria muçulmana de uma ponta do globo à outra.
Por causa de leis contra blasfêmia a
assassinatos brutais, bombardeios, mutilações e incêndios em lugares sagrados,
os cristãos de muitos países vivem com medo. Na Nigéria, muitos sofrem todas
essas formas de perseguição. O país tem a maior minoria cristã (40%) em
proporção ao número de habitantes (170 milhões) entre todos os países de minoria
islâmica. Há anos, muçulmanos e cristãos vivem à beira de uma guerra civil. A
Nigéria é recordista em número de cristãos mortos em ataques violentos nos
últimos anos. A mais nova organização radical é o grupo Boko Haram, que
significa “educação ocidental é sacrilégio” e tem como objetivo estabelecer a
lei islâmica (charia) em toda a Nigéria. Com esse propósito, afirma que matará
todos os cristãos do país.
Só em janeiro, o Boko Haram foi
responsável por 54 mortes. Em 2011, seus membros mataram ao menos 510 pessoas e
queimaram ou destruíram mais de 350 igrejas em dez estados da região norte, de
maioria muçulmana. Eles usam armas,
bombas de gasolinas e até facões, gritando “Allahu akbar” (“Deus é grande”)
enquanto atacam cidadãos inocentes.
A cristofobia que infesta o Sudão
assume uma forma diferente. O governo autoritário do norte, muçulmano sunita,
atormenta há décadas as minorias cristãs e animistas do sul. O que muitas vezes
é descrito como guerra civil é, na prática, perseguição constante do governo a
minoria religiosa. Além do Egito, outros países também parecem estar empenhados
em acabar com a minoria cristã. Desde 2003, mais de 900 cristãos iraquianos
foram mortos por terroristas somente em Bagdá, e 70 igrejas foram queimadas.
Milhares deixaram o país por causa da violência. A conseqüência foi a queda do
número de cristãos para menos de 500 mil pessoas, metade da população registrada
há dez anos.
Os 2,8 milhões de cristãos que moram
no Paquistão representam apenas 1,4% da população de mais de 190 milhões. Como
membros de um grupo tão pequeno, vivem com medo constante não só de terroristas
islâmicos, mas também das leis draconianas do Paquistão contra a blasfêmia.
As leis contra a blasfêmia são
comumente usadas por muçulmanos criminosos e intolerantes para perseguir
minorias religiosas. O ato de simplesmente declarar crença na Santíssima
Trindade é considerado blasfêmia, pois contradiz as principais doutrinas
teológicas islâmicas.
Nem mesmo a Indonésia, muitas vezes
retrata como o país de minoria muçulmana mais tolerante, democrático e moderno
do mundo, está imune às ondas de cristofobia. Segundo dados divulgados pelo
jornal americano The Christian Post, o número de incidentes violentos cometidos
contra minorias religiosas (7% da população, dos quais a minoria é cristã)
aumentou quase 40% entre 2010 e 2011.
A litania de sofrimento pode ser
ampliada. No Irã, dezenas de cristãos foram presos por ousar fazer cultos fora
do sistema de igrejas sancionado pelo governo. A Arábia Saudita merece ser
colocada numa categoria própria, pois até a prática privada de oração cristã são
proibidas. Mesmo na Etiópia, onde os cristãos são maioria, igrejas incendiadas
por membros da minoria muçulmana tornaram-se um problema grave.
Devia ficar claro, a partir desse
catálogo de atrocidades, que a violência contra os cristãos é um problema
importante e pouco denunciado.
Vamos por favor, estabelecer
prioridades. Sim, governos ocidentais devem proteger minorias islâmicas da
intolerância. E é claro que devemos nos certificar de que eles possam cultuar,
viver e trabalhar livremente e sem medo. A proteção a liberdade de consciência e
expressão distingue sociedades livres das não livres. Mas também precisamos
manter a perspectiva em relação à escala e à gravidade da
intolerância.
Em vez de acreditar em histórias
exageradas de islamofobia ocidental, é hora de tomar uma posição real contra a
cristofobia que contamina o mundo muçulmano. A tolerância é para todos – exceto
para os intolerantes.
Trechos da reportagem: Cristofobia de Ayaan Hirsi Ali –
Revista Época nº
732, maio 2012
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