sábado, 9 de março de 2013

Cristofobia

 


Pouco denunciada, a opressão violenta das minorias cristãs nos países muçulmanos é um problema cada vez mais grave.

Ouvimos falar com frequência de muçulmanos como vítimas de abusos no Ocidente e dos manifestantes da Primavera Árabe que lutam contra a tirania. Outra guerra completamente diferente está em curso – uma batalha ignorada, que tem custado milhares de vidas. Cristãos estão sendo mortos no mundo islâmico por causa da sua religião. É um genocídio crescente que deveria provocar um alarme em todo o mundo.

Nos últimos anos, a opressão violenta das minorias cristãs tornou-se a norma em países de maioria islâmica, da África Ocidental ao Oriente Médio e do sul da Ásia à Oceania. Em alguns países, o próprio governo e seus agentes queimam igrejas e prendem fiéis. Em outros, grupos rebeldes e justiceiros resolvem o problema com as próprias mãos, assassinando cristãos e expulsando-os de regiões em que suas raízes remontam a séculos.

Uma avaliação imparcial de eventos recentes leva à conclusão de que a dimensão e a gravidade da islamofobia não são nada em comparação com a cristofobia sangrenta que atravessa atualmente países de maioria muçulmana de uma ponta do globo à outra.

Por causa de leis contra blasfêmia a assassinatos brutais, bombardeios, mutilações e incêndios em lugares sagrados, os cristãos de muitos países vivem com medo. Na Nigéria, muitos sofrem todas essas formas de perseguição. O país tem a maior minoria cristã (40%) em proporção ao número de habitantes (170 milhões) entre todos os países de minoria islâmica. Há anos, muçulmanos e cristãos vivem à beira de uma guerra civil. A Nigéria é recordista em número de cristãos mortos em ataques violentos nos últimos anos. A mais nova organização radical é o grupo Boko Haram, que significa “educação ocidental é sacrilégio” e tem como objetivo estabelecer a lei islâmica (charia) em toda a Nigéria. Com esse propósito, afirma que matará todos os cristãos do país.

Só em janeiro, o Boko Haram foi responsável por 54 mortes. Em 2011, seus membros mataram ao menos 510 pessoas e queimaram ou destruíram mais de 350 igrejas em dez estados da região norte, de maioria muçulmana.  Eles usam armas, bombas de gasolinas e até facões, gritando “Allahu akbar” (“Deus é grande”) enquanto atacam cidadãos inocentes.

A cristofobia que infesta o Sudão assume uma forma diferente. O governo autoritário do norte, muçulmano sunita, atormenta há décadas as minorias cristãs e animistas do sul. O que muitas vezes é descrito como guerra civil é, na prática, perseguição constante do governo a minoria religiosa. Além do Egito, outros países também parecem estar empenhados em acabar com a minoria cristã. Desde 2003, mais de 900 cristãos iraquianos foram mortos por terroristas somente em Bagdá, e 70 igrejas foram queimadas. Milhares deixaram o país por causa da violência. A conseqüência foi a queda do número de cristãos para menos de 500 mil pessoas, metade da população registrada há dez anos.

Os 2,8 milhões de cristãos que moram no Paquistão representam apenas 1,4% da população de mais de 190 milhões. Como membros de um grupo tão pequeno, vivem com medo constante não só de terroristas islâmicos, mas também das leis draconianas do Paquistão contra a blasfêmia.

As leis contra a blasfêmia são comumente usadas por muçulmanos criminosos e intolerantes para perseguir minorias religiosas. O ato de simplesmente declarar crença na Santíssima Trindade é considerado blasfêmia, pois contradiz as principais doutrinas teológicas islâmicas. 

Nem mesmo a Indonésia, muitas vezes retrata como o país de minoria muçulmana mais tolerante, democrático e moderno do mundo, está imune às ondas de cristofobia. Segundo dados divulgados pelo jornal americano The Christian Post, o número de incidentes violentos cometidos contra minorias religiosas (7% da população, dos quais a minoria é cristã) aumentou quase 40% entre 2010 e 2011.

A litania de sofrimento pode ser ampliada. No Irã, dezenas de cristãos foram presos por ousar fazer cultos fora do sistema de igrejas sancionado pelo governo. A Arábia Saudita merece ser colocada numa categoria própria, pois até a prática privada de oração cristã são proibidas. Mesmo na Etiópia, onde os cristãos são maioria, igrejas incendiadas por membros da minoria muçulmana tornaram-se um problema grave.

Devia ficar claro, a partir desse catálogo de atrocidades, que a violência contra os cristãos é um problema importante e pouco denunciado.

Vamos por favor, estabelecer prioridades. Sim, governos ocidentais devem proteger minorias islâmicas da intolerância. E é claro que devemos nos certificar de que eles possam cultuar, viver e trabalhar livremente e sem medo. A proteção a liberdade de consciência e expressão distingue sociedades livres das não livres. Mas também precisamos manter a perspectiva em relação à escala e à gravidade da intolerância.

Em vez de acreditar em histórias exageradas de islamofobia ocidental, é hora de tomar uma posição real contra a cristofobia que contamina o mundo muçulmano. A tolerância é para todos – exceto para os intolerantes.


Trechos da reportagem: Cristofobia de Ayaan Hirsi Ali –
Revista Época nº 732, maio 2012

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