Em sua primeira entrevista exclusiva em seus seis meses de
pontificado, o Papa Francisco fez declarações surpreendentes para a
revista La Civilta Cattolica [Civilização Católica]. O novo número da
publicação jesuíta, ordem a qual ele pertence, foi lançado hoje na
Itália. A entrevista foi reproduzida simultaneamente por 16 revistas
jesuítas de todo o mundo e inclui longas reflexões do Papa sobre a
identidade da Igreja que ele deseja imprimir.
Na longa matéria de capa, a revista traz o pontífice abordando temas
constantes no discurso religioso: aborto e casamento gay. “A religião
tem o direito de expressar sua opinião ao servir as pessoas, mas Deus
nos fez livres: é impossível interferir espiritualmente na vida das
pessoas”, disse ele.
Para Francisco, existe uma “obsessão” dos religiosos em pregar contra
o aborto e o casamento gay. Para ele, “a Igreja Católica não tem o
direito de interferir espiritualmente na vida dos homossexuais… A Igreja
deve ser uma casa aberta a todos, e não uma pequena capela focada em
doutrina… Os homossexuais devem ser aceitos com “respeito, compaixão e
sensibilidade”.
Aproveitou para esclarecer uma de suas declarações no Brasil, após o
término da Jornada Mundial da Juventude. “Se um gay busca Deus, quem sou
eu para julgar”, lembrou, e justificou: “Quando Deus olha para um gay,
ele confirma a existência dessa pessoa com amor, ou rejeita e condena
esta pessoa?’ Nós devemos sempre considerar esta pessoa. Aqui entramos
no mistério da humanidade”.
O pontífice também criticou o que considera a insistência da Igreja
em falar sempre sobre os mesmos temas. “Não precisamos insistir nesses
assuntos relacionados a abortos, casamento gay e o uso de
contraceptivos. Eu não falei muito sobre essas coisas, e fui repreendido
por isso. Não é necessário falar sobre isso todo o tempo… Os
ensinamentos dogmáticos e morais da Igreja não são todos equivalentes. O
ministério pastoral da Igreja não pode ser obcecado com a transmissão
de um conjunto desarticulado de doutrinas a serem impostas
insistentemente”.
Para ele, a questão é clara: “A Igreja se fechou muitas vezes em
pequenas coisas, em pequenas mentes pensantes. As pessoas de Deus querem
pastores, não clérigos agindo como burocratas ou membros do governo”.
Disse ainda que é pecador. “Esta é a definição mais precisa. Não é
uma figura de linguagem, um gênero literário. Eu sou um pecador”.
Esclarecendo que mesmo as pessoas de fé podem ser afligidos pela dúvida:
“Os grandes líderes das pessoas de Deus, como Moisés, sempre deixaram a
porta aberta para a dúvida. Você deve deixar a porta aberta para o
Senhor.”
Convocou também a Igreja a encontrar um novo equilíbrio entre missões
políticas e espirituais, pois somente assim eliminaria o risco de a
instituição “desabar como um castelo de cartas”.
Para os analistas do jornal The New York Times, esse tipo de
declaração apenas confirma o que a maioria dos católicos já suspeitava:
as posições de Francisco são bem diferentes de Bento 16. Ao longo da
entrevista, negou ser um “ultraconservador” e enfatizou “Eu nunca fui de
direita”. No fim, questionado sobre como vê a Igreja Católica Romana,
asseverou: “Devemos pensar na igreja como a casa de todos, não como uma
pequena capela que reúne apenas um grupinho de pessoas selecionadas. Não
devemos reduzir o seio da igreja universal a um pequeno ninho proteger
nossa mediocridade”.
Com informações de The New York Times
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