quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O golpe do ECA ampliado na Constituição

 


Enquanto a nação clama pela redução da maioridade penal, uma espúria mudança na Constituição transformou jovens de 29 anos em crianças — agora, eles gozam das mesmas regalias dos menores de 18 anos


José Maria e Silva

O Estatuto da Criança e do Adolescente acaba de completar 21 anos. A Lei 8.069, que o instituiu, foi sancionada pelo então presidente Fernando Collor em 13 de julho de 1990. Inspirado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, da ONU, o Estatuto é resultado de uma verdadeira “Cruzada das Crianças”, empreendida pelas universidades e a Pastoral do Menor da Igreja Católica, que, em 1985, criaram o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, conseguindo 1,4 milhão de assinaturas de crianças (mais 250 mil de adultos) para apresentar a emenda popular que resultou no artigo 227 da Constituição.

Adultos não deveriam usar crianças para fazer abaixo-assinado, mas foi com base nessa prática pouco ética que o Estatuto da Criança e do Adolescente — o tal “ECA” — foi aprovado dois anos depois da Constituição de 88. Ele é o desdobramento do artigo 227 da Constituição, que diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Se esse artigo já era ruim, por exacerbar os direitos dos menores, agora se tornou pior. Ele foi alterado pela Emenda Constitucional 65, sancionada em 13 de julho do ano passado, na data em que o Estatuto completou 20 anos. A referida emenda constitucional (chamada, em fase de projeto, de “PEC da Juventude”) acrescentou a palavra “jovem” em todos os locais do artigo 227 onde antes apareciam apenas as palavras “criança” e “adolescente”. Com isso, todos os direitos que a Constituição já havia dado a crianças e adolescentes passam a valer também para os jovens, ou seja, para adultos — e com a mesma “absoluta prioridade”. Contrariando a vontade da população brasileira, deu-se um verdadeiro golpe na Constituição, criando-se uma espécie de “ECA dos Marmanjos” e retardando, na prática, a maioridade penal, que o povo gostaria de ver antecipada.

Descalabro constitucional


Como é praxe na ciclotímica Constituição de 88 (talvez a pior de toda a nossa história), tudo nela oscila entre a minúcia e a ambiguidade, ora no papel detalhista de decreto, ora na genérica utopia do manifesto. Descontada certa tolice, há muito de estratégia nisso. O objetivo é facilitar a manipulação da sociedade por parte dos grupos de interesse, que, assim, podem transformar mais facilmente a Constituição numa carta-programa de seus objetivos particulares e muitas vezes escusos. Com a Emenda Constitucional 65 não é diferente. Ao acrescentar o termo “jovem” ao artigo 227, ela não faz nenhuma referência a faixa etária, deixando essa questão estrategicamente em aberto para as ONGs de plantão.

Mas o próprio Plano Nacional de Juventude, projeto de lei elaborado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, resultante de 33 audiências públicas, estabelece em 29 anos a idade-limite para definição de jovem. Isso significa que, com a aprovação da PEC da Juventude, a Constituição passou a determinar, no artigo 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e também aos jovens de 18 a 29 anos — “com absoluta prioridade” — todos os direitos antes garantidos apenas aos menores de idade. E esses direitos — que agora devem ser lidos tendo-se sempre em mente adultos de até 29 anos — são, repita-se, “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além da nossa obrigação de colocar esses marmanjos “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Como se vê, a emenda que permitiu esse descalabro constitucional é uma lei insana. Ela ajuda a fazer da Constituição um aterro sanitário das ONGs. Hoje, toda reivindicação estapafúrdia dos grupos de interesse é transformada facilmente em mandamento constitucional, à revelia da sociedade. A “prioridade absoluta” dada a adultos de 18 a 29 anos é uma delas. Que não se pergunte aos congressistas — serviçais de acadêmicos ongueiros — como é possível conciliar a “prioridade absoluta” dada ao jovem de 29 anos com a mesma prioridade que se deve dar a uma criança de colo. Em muitos casos, esse adulto é o pai da própria criança com quem passou a dividir a tal “absoluta prioridade” no gozo de todos os direitos imagináveis. Portanto, só restará aos pais desse jovem adulto convertido em incapaz cuidar dele próprio e também do neto — com a ajuda compulsória de todos nós, pois a isso também nos obriga a Constituição.

Escravos de meia-idade


Antes mesmo de aprovada a Emenda Constitucional 65, resultado da PEC da Juventude, o governo federal já vinha criando benesses indevidas para os jovens de 18 a 29 anos. Já em 2004, no seu segundo ano de governo, o então presidente Lula da Silva criou um órgão interministerial para coordenar ações públicas voltadas para a juventude. No ano seguinte, foi aprovado no Congresso Nacional o Conselho Nacional de Juventude, regulamentado por decreto presidencial, que reúne uma profusão de ongueiros, todos ligados à esquerda. Eles imaginam falar em nome da população brasileira, quando, na verdade, apenas defendem direitos e mais direitos para si, penalizando os pagadores de impostos de meia-idade que, feito escravos, carregam o Brasil nas costas. Foi daí que surgiu a Conferência Nacional da Juventude e, com ela, a aprovação da Emenda Constitucional 65.

Mas essa entronização da juventude como centro gravitacional do País só foi possível porque os jovens ongueiros contam com o respaldo das pesquisas supostamente científicas das universidades. Foram os acadêmicos que criaram e fomentaram a tese de que faltam políticas públicas para a juventude, como se o Brasil não girasse em torno dos jovens. Exemplo disso é o propalado desemprego entre os jovens, motivo de grande preocupação de todos os governos. Ele é uma ficção conceitual dos acadêmicos, que nasce de uma aberração metodológica do próprio IBGE, cujas pesquisas de emprego jogam os adultos num difuso caldeirão etário que vai dos 25 aos 49 anos, enquanto a empregabilidade dos jovens é absurdamente analisada com lupa em três meticulosas faixas etárias (10 a 14, 15 a 17 e 18 a 24 anos).

Só pesquisas sobre sexualidade ou educação deveriam ser tão meticulosas na análise da vida de adolescentes e jovens, uma vez que mudanças substanciais nessas duas áreas ocorrem justamente nessa fase. Já no caso do emprego é o contrário. Justamente naqueles 25 anos que o IBGE se recusa a analisar com seriedade — e que equivalem a toda a vida do jovem com quem ele tanto se preocupa — é que ocorrem as principais mudanças econômicas e sociais na existência de uma pessoa. É nesse quarto de século que vai dos 25 aos 49 anos que se dão mudanças dramáticas na vida do indivíduo, intrinsecamente ligadas à questão do emprego, como casamento, filhos, aluguel, casa própria, divórcio e doenças na família, sem contar o próprio desemprego, que, nessa fase da vida, é obviamente muito mais trágico do que na adolescência.

O perigo da democracia direta


A distorcida mentalidade acadêmica sobre os jovens no Brasil é bem antiga (remonta aos anos 60) e foi ela que tornou possível a realização da Conferência Nacional da Juventude, convocada pelo presidente Lula em setembro de 2007. Normalmente encarado pela imprensa como mera tertúlia, esse tipo de evento acarreta sérias implicações legais na vida de todas as pessoas. Como a participação popular na gestão pública é um mandamento da Constituição de 88 (que traz dentro de si fortes mecanismos da famigerada “democracia direta”), as cerca de 70 conferências nacionais já realizadas pelo governo petista sobre diversos assuntos acabam exercendo uma forte pressão sobre o Congresso Nacional no sentido de que ele referende suas propostas.

Foi o que ocorreu com a Conferência Nacional da Juventude (que resultou na aprovação da malfadada Emenda Constitucional 65) e quase ia ocorrendo também com a Conferência Nacional de Comunicação. Esta só não vingou porque os donos dos veículos de comunicação se interessaram pelo assunto e não deixaram que ele ficasse nas mãos de repórteres inexperientes. Como não passam de ajuntamento dos profissionais de passeata, essas conferências só sabem esgoelar direitos — a palavra “dever” não existe em seu dicionário. A Conferência Nacional da Juventude, por exemplo, apresentou um conjunto de reivindicações absurdas, que, se postas em prática, escravizaria todo o resto da população brasileira. Mesmo se os adultos mourejassem de sol a sol, não conseguiriam atender os desejos juvenis de marmanjos que, pelo simples fato de se intitularem “jovens”, pensam que a sociedade, via Estado, lhes deve todas as benesses.

A primeira Conferência Nacional de Juventude (já tem outra programada para dezembro próximo) intrometeu-se até na questão da terra. Ela reivindica que, na política de reforma agrária, seja dada prioridade aos jovens de 16 a 32 anos, independente de seu estado civil. Ou seja, para essa gente, jovens sem filhos, pelo simples fato de serem jovens, devem ter prioridade na repartição da terra, expropriando os pais de família da preferência que teriam em qualquer programa sério de reforma agrária. Convém observar que, nesse caso, a data-limite para definir quem é jovem muda de 29 para 32 anos — uma estratégica ambiguidade que se faz presente em todos os estudos acadêmicos sobre juventude realizados no País e que servem de alicerce para os dispositivos legais que tratam do tema. (Em outro artigo, pretendo analisar essa ambiguidade, que também esconde questões graves.)

O “ECA dos Marmanjos”


Talvez seja difícil para a maioria das pessoas perceber a gravidade do que estou denunciando aqui. Lido às pressas, o artigo 227 da Constituição — mesmo alterado pela palavra “jovem” — parece inofensivo. No entanto, ele terá efeitos extremamente danosos para a sociedade brasileira nos próximos anos, especialmente na área de segurança pública. A partir do momento que uma determinada tese se incorpora à Constituição, ela vira um mandamento legal para todos nós e passa a servir como carta-programa das ONGs, universidades e outros grupos de interesse. A partir daí, esses segmentos ganham legitimidade para ocupar espaço na imprensa exigindo que o Estado cumpra o que está escrito na Constituição (no caso, o artigo 227). E passam a contar com o apoio compulsório dos operadores do direito (policiais, advogados, promotores e juízes), que não podem escapar do comando constitucional.

Mas nem mesmo a Constituição de um país é capaz de transformar uma ficção em realidade. Dizer que jovens de 18 a 29 anos devem ter “absoluta prioridade” em tudo é, obviamente, um absurdo, passível de pôr em camisa de força os autores dessa tese que virou lei. Nessa idade, uma pessoa séria já está empenhada em ajudar os pais e não em explorá-los. Para os jovens decentes, que são a maioria, o novo mandamento constitucional não vai significar nada, pois eles jamais iriam exigir de seus pais que lhes dessem “absoluta prioridade” em tudo, como se fossem criancinhas de berço. Pelo contrário, o que um jovem ajuizado almeja é ser autônomo, capaz de gerir a própria vida, sem acarretar problemas para seus pais e a sociedade. Muitos até se orgulham quando podem ajudá-los.

Para quem então foi aprovado esse “ECA dos Marmanjos”, que trata como incapazes maiores de 18 a 29 anos? Sem dúvida, para os infratores. Toda a recente legislação brasileira tem esse objetivo, consciente ou inconsciente: transformar esta nação numa República de Bandidos. E está conseguindo isso, se já não conseguiu. É óbvio que todos os jovens criminosos, drogados e vadios, que, mesmo adultos, não se importam em dar trabalho para os pais, irão valer-se do artigo 227 da Constituição para impor seus direitos recém-adquiridos. E contarão com o apoio de autoridades e instituições do próprio Estado, pois elas serão obrigadas — repito: obrigadas — a cumprir o que manda a Constituição, garantindo a esses jovens as espúrias regalias previstas no malfadado artigo 227, que já era eticamente ruim e, agora, virou um lixo moral.

Disneylândias estatais do crime


Uma prova incontestável de que o “Eca dos Marmanjos” só vai servir para proteger infratores adultos fica evidente na disposição do governo federal em criar o que ele chama de “presídios para jovens”, também chamados de “presídios temáticos”. Antes mesmo da aprovação da Emenda Constitucional 65, o Ministério da Justiça anunciou a construção de sete presídios para jovens adultos de 18 a 24 anos — de um total de 93 — a serem implantados nos Estados de Alagoas, Bahia, Piauí, Pará, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Segundo reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 28 de novembro de 2008, “o único critério a ser respeitado para encaminhamento de condenados a esses presídios será a faixa etária, não havendo nenhum tipo de restrição relativo ao tipo de crime praticado”.

Como as universidades não se cansam de choramingar que “os nossos jovens estão morrendo vítimas da violência”, ao mesmo tempo em que lamentam o fato de mais de 60% dos presos terem entre 18 e 24 anos, o governo federal resolveu intervir na questão. A construção de presídios especiais para os criminosos dessa faixa etária parte do pressuposto de que eles seriam desencaminhados pelos presos mais velhos, tornando-se irrecuperáveis. Ora, é justamente nessa faixa etária que se concentram os bandidos mais bárbaros, no auge da temeridade e da força física necessárias para a prática de crimes hediondos. Esses jovens nada têm a aprender de ruim com bandidos mais velhos. Pelo contrário, tendem até a intimidá-los.

Para se ter uma ideia de como o Estado brasileiro brinca com coisas graves, um dos presídios temáticos para jovens de 18 a 24 anos, que deverá ser construído em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, além de contar com mais recursos educativos do que as próprias escolas públicas, terá também programas federais como o “Pintando a Liberdade” e o “Pintando a Cidadania”. Quando esses presídios ficarem prontos, nossos cineastas poderão explorar essas férteis Disneylândias do Crime, produzindo filmes como “Degolou a Mãe e Pintou o Sete”. Com um detalhe: como o governo federal, mais dia menos dia, será obrigado a cumprir o artigo 227 da Constituição, os novos presídios temáticos também terão de ser destinados a jovens de 25 a 29 anos.

Intoxicados por Michel Foucault


A obsessão do Estado brasileiro em tratar até jovens adultos como crianças é frontalmente contrária à vontade da população — o que significa que vivemos sob a ditadura das ONGs. Todas as pesquisas já realizadas no pais sobre maioridade penal mostram que mais de 80% da população brasileira quer vê-la reduzida e reprova o artigo 228 da Constituição, que estabelece como penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Essa percepção da sociedade foi intensificada com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que criou uma série de medidas de proteção para o menor infrator. Ao contrário do que dizem seus defensores, ele passa, sim, a mão na cabeça dos criminosos mirins e contribui para o aumento da delinquência juvenil. As universidades só não descobriram isso porque foram intoxicadas por Michel Foucault e veem o mundo ao contrário.

Uma pesquisa sobre violência realizada em 2007 pelo Data-Senado (instituto de pesquisa do Senado Federal) mostrou que 87% dos brasileiros querem a redução da maioridade penal. Para a maioria da população, o que importa não é a idade do criminoso, mas a gravidade do delito. Tanto que 36% defenderam a maioridade penal aos 16 anos; 29% aos 14 anos; 21% aos 12 anos e 14% em qualquer idade — contrariando frontalmente a legislação brasileira que trata os menores de 18 anos como crianças. Por conta disso é que, no Congresso Nacional, tramitam cerca de 50 projetos tratando da maioridade penal, mas nenhum deles é aprovado nem o assunto é posto em plebiscito. Só se pensa em consultar o povo quando as elites intelectuais acham que ele vai referendar o que elas já decidiram nos gabinetes e barzinhos.

O próprio Data-Senado desrespeita a vontade popular ao tratar da maioridade penal no relatório de sua pesquisa. Os autores do trabalho optaram por um sofisma no título desse tópico: “A falta de consenso sobre a maioridade penal”. Ora, onde está a falta de consenso, se 87% dos entrevistados querem a redução da maioridade? Todos os que optaram por 16 anos, 14 anos, 12 anos ou qualquer idade não querem os 18 anos de hoje — isso é consenso. Quando o instituto de pesquisa do próprio Senado diz que não há consenso sobre o tema, o que ele quer é induzir as pessoas a acharem que a maioria da população está em dúvida se a maioridade penal deve ou não ser reduzida. Pelo visto, se o Data-Senado fizesse uma pesquisa para saber se o brasileiro gosta mesmo de futebol, ele iria conclui que há “falta de consenso sobre o gosto do brasileiro por futebol”, pois a maioria dos entrevistados iria se dividir na torcida pelos mais variados times.

A barbárie de menores e jovens


Ao contrário do que os intelectuais universitários afirmam, a defesa que o povo faz da redução da maioridade penal não se deve à ignorância, mas aos fatos. Apenas neste ano, já ocorreram vários crimes bárbaros envolvendo menores. Em janeiro, na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, um menor de 14 anos matou a irmã e feriu o pai a facadas. Em fevereiro, em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, um menor de 16 anos matou o pai a machadadas e feriu gravemente a própria mãe. Em março, em Hortolândia, em São Paulo, um adolescente de 15 anos matou a facadas o primo de apenas 7 anos e esfaqueou no rosto a irmã de 17. Em Tarauacá, no Acre, foi preso, em junho último, um menor de 17 anos que matou o próprio irmão a golpes de machado (porque ele lhe negara um pedaço de fumo) e obrigou sua própria mãe a enterrar o corpo do filho no terreiro de casa. E, para acobertar o crime, o menor também matou o padrasto a golpes de facão.

Todos esses criminosos menores, apesar da fúria monstruosa com que perpetraram seus crimes, ficam apenas três anos internados, às vezes nem isso. E saem com a ficha limpa, como se jamais tivessem cometido crime. Agora, essas regalias de que desfrutam tendem a ser estendidas também para os jovens adultos de 18 a 29 anos. O jovem de 20 anos que, no final de junho, em Aparecida de Goiânia, juntamente com um menor, violentou e matou um menino de apenas 4 anos, enganando-o com a promessa de uma pipa, em breve poderá desfrutar das prisões especiais que o Ministério da Justiça está construindo para jovens adultos de 18 a 24 anos. Assim como ele, também poderá ser beneficiado por esse parque-escola penal o jovem de 19 anos que, em março, na cidade de São Paulo, matou sua namorada de 16 anos, grávida de nove meses, com 42 facadas. O bebê também morreu, estraçalhado.

Por que estou seguro de que os benefícios dados aos menores de 18 anos acabarão sendo estendidos aos jovens adultos de 18 a 29 anos, numa espécie de revogação branca, não oficial, da maioridade penal vigente? Porque isso já está ocorrendo em sentido inverso. Todas as vezes em que vocês ouvirem um defensor do Estatuto da Criança e do Adolescente dizendo que essa lei é até mais rigorosa do que o Código Penal dos adultos, desconfiem. Ele está mentindo. Hoje, mesmo com a pena máxima para um menor infrator sendo de apenas três anos de internação, por pior que tenha sido o seu crime, muitos menores são soltos antes mesmo de cumprirem esse tempo, pois, absurdamente, se lhes concede, por analogia, a progressão de pena destinada aos adultos.

Unanimidade em prol do crime


No Brasil, não existe nenhum limite penal para a crueldade humana. Qualquer criminoso, mesmo quando mata a mãe, tende a ter o seu perdão antecipado pela Justiça brasileira, que acredita piamente na recuperação de qualquer monstruosidade humana. É o caso do menor M.A. que esganou e degolou a própria mãe, jogando o cadáver num poço. O crime foi cometido na comarca de Cuiabá, no Mato Grosso, e o menor começou a cumprir a medida socioeducativa de internação em 21 de abril de 2006. No início de 2009, antes mesmo de se completarem os três anos de internação, o menor foi solto. Por determinação do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, ele foi posto em liberdade assistida, aos cuidados de um tio.

E se não fosse a sensatez da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, o menor que degolou a mãe teria sido libertado muito antes. Tão logo ele completou metade do tempo de internação, isto é, apenas 18 meses, a sua defesa — com o apoio da assistente social e da psicóloga que acompanhavam o caso, além da anuência do Ministério Público — entrou com habeas corpus solicitando que ele fosse beneficiado com a liberdade assistida. Felizmente, o Tribunal de Justiça mato-grossense negou o pedido, observando que, em face da gravidade do delito, libertar o menor com apenas um ano e meio de cumprimento da medida de três anos iria “causar perplexidade no meio social”, além de impedi-lo de ter mais tempo para refletir sobre seu ato. Todavia, a causa do menor foi comprada pela própria Defensoria Pública da União, que acabou conseguindo sua liberdade assistida junto ao Supremo.

Se um menor que degola a própria mãe não encontra ninguém para acusá-lo diante da Justiça, e promotores, psicólogos e a assistentes sociais se juntam à sua defesa na tentativa de soltá-lo, é mais do que óbvio que essa quase unanimidade em prol do criminoso irá se repetir no caso de jovens adultos de 18 a 29 anos envolvidos em crime. Uma vez que a própria Constituição resolveu considerá-los detentores de direitos especiais e absolutos, é apenas questão de tempo termos um sistema penal ainda mais leniente com o criminoso adulto, bastando que ele tenha menos de 29 anos de idade e seja esse novo “incapaz” criado na Constituição — o que, sem dúvida, irá aumentar a indústria da impunidade, a que mais cresce no País.


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