quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O simbolismo solsticial de Jano

LEIA COM ATENÇÃO ESTE ESTUDO SOBRE O dEUS JANO , QUE ORIGINOU O NOME DO MES DE JANEIRO.
FESTA ROMANA PAGÃ .

Acabamos de ver que, no Ocidente, o simbolismo das duas portas solsticiais existia entre os gregos e de modo especial entre os pitagóricos, sendo também encontrado entre os latinos, onde estava essencialmente ligado ao simbolismo de Jano. Como já fizemos referências a este último e aos seus diversos aspectos em inúmeras oportunidades, examinaremos aqui apenas os pontos que se referem de forma mais direta ao que expusemos em nossos últimos estudos, embora seja difícil isolá-los por completo do conjunto muito complexo de que fazem parte.

Jano, sob o aspecto que estamos tratando agora, é na verdade o janitor ["porteiro"] que abre e fecha as portas (januae) do ciclo anual, com as chaves que constituem um de seus principais atributos. Lembraremos, a esse respeito, que a chave é um símbolo "axial". Isso se refere, é claro, ao lado "temporal" do simbolismo de Jano: seus dois rostos, de acordo com a interpretação mais habitual, representam respectivamente o passado e o futuro. Tal consideração do passado e do futuro é reencontrada em qualquer ciclo, por exemplo no ciclo anual, quando o encaramos de uma ou outra de suas extremidades. Desse ponto de vista, além disso, é importante acrescentar, para completar a noção do "tríplice tempo", que, entre o passado que não é mais e o futuro que ainda não é, o verdadeiro rosto de Jano, aquele que olha o presente, nâ"o é nenhum dos dois que podemos ver. Esse terceiro rosto, de fato, é invisível, porque o presente, em sua manifestação temporal, é apenas um instante imperceptível. (1) Mas ao contrário, quando nos elevamos acima das condições dessa manifestação transitória e contingente, o presente contém toda realidade. O terceiro rosto de Jano corresponde, num outro simbolismo da tradição hindu, ao olho frontal de Shiva também invisível, pois não é figurado por qualquer órgão corporal e representa o "sentido da eternidade". Um olhar desse terceiro olho reduz tudo a cinzas, isto é, destrói toda manifestação. Mas quando a sucessão é transmutada em simultaneidade, o temporal em intemporal, todas as coisas reencontram-se e permanecem no "eterno presente", de modo que a aparente destruição é, na verdade, apenas uma "transformação".

Voltemos ao que diz respeito de forma mais particular ao ciclo anual, ou seja, suas portas, que Jano tem por função abrir e fechar, e que nada mais são que as portas solsticiais de que falávamos. Não há possibilidade de qualquer dúvida a esse respeito. De fato, Jano deu o seu nome ao mês de janeiro (januarius), o primeiro, pelo qual se abre o ano quando começa normalmente no solstício de inverno [no hemisfério norte]. Por outro lado, e o que é ainda mais claro, a festa de Jano, em Roma, era celebrada pelos Collegia Fabrorum nos dois solstícios. Iremos agora insistir mais sobre esse último ponto. As portas solsticiais, como já vimos antes, dão acesso às duas metades, ascendente e descendente, do ciclo zodiacal que aí têm seus respectivos pontos de partida; por essa razão, Jano, que já vimos aparecer como o "Mestre do tríplice tempo" (designação também aplicada a Shiva pela tradição hindu), é o "Mestre dos dois caminhos", os caminhos da direita e da esquerda, que os pitagóricos representavam pela letra Y,(2) e que são, no fundo, idênticos ao dêva-yâna e ao pitri-yâna(3) Pode-se compreender facilmente, por aí, que as chaves de Jano são na realidade as mesmas que, segundo a tradição catolica cristã, abrem e fecham o "Reino dos céus" (sendo que o caminho pelo qual este é alcançado corresponde, nesse sentido, ao dêva-yâna)(4), e isso tanto mais que, sob um outro ponto de vista, essas duas mesmas chaves, uma de ouro e outra de prata, eram também as dos "grandes mistérios" e dos "pequenos mistérios".

De fato, Jano era o deus da iniciação,(5) e essa atribuição é das mais importantes, não apenas em si mesma, mas também do ponto de vista em que nos colocamos nesse momento, pois existe aí uma conexão evidente com o que dissemos sobre o papel verdadeiramente iniciático da caverna e de outras "imagens do mundo" que lhe são equivalentes, papel este que nos levou a examinar a questão das portas solsticiais. É, aliás, a esse título que Jano presidia aos Collegia Fabrorum, sendo estes os depositários das iniciações que, como em todas civilizações tradicionais, estavam ligadas ao exercício dos ofícios. E o mais notável é que existe nisso alguma coisa que, longe de ter desaparecido com a antiga civilização romana, continuou sem interrupção no próprio cristianismo, podendo alguns traços ser encontrados até nossos dias, por mais estranho que isso possa parecer àqueles que ignoram certas "transmissões".

No cristianismo, as festas solsticiais de Jano tornaram-se as dos dois São Joões, celebradas nas mesmas épocas, ou seja, nas proximidades dos solstícios de inverno e de verão. (6) Também muito significativo é que o aspecto esotérico da tradição romana cristã sempre foi visto como "joanita", o que dá a esse fato um sentido que ultrapassa de modo claro, sejam quais forem as aparências exteriores, o simples domínio religioso e esotérica. A sucessão dos antigos Collegia Fabrorum foi, além disso, transmitida regularmente às corporações que através de toda Idade Média guardaram o mesmo caráter iniciático, em especial a dos construtores. Esta teve, como é natural, os dois São Joões por patrono, e daí vem a expressão bem conhecida de "Loja de São João", conservada pela maçonaria, que nada mais é que a continuação, por filiação direta, das organizações que acabamos de falar. (7)

Mesmo sob sua forma "especulativa" moderna, a maçonaria sempre conservou também, como um dos testemunhos mais explícitos de sua origem, as festas solsticiais consagradas aos dois São Joões após terem sido dedicadas às duas faces de Jano.(8) É assim que o dado tradicional das duas portas solsticiais, com suas conexões iniciáticas, manteve-se ainda vivo até no mundo ocidental atual, mesmo que de um modo geral incompreendido.

VIA GRITOS DE ALERTA
René Guénon



1. É também por essa razão que certas línguas como o hebreu e o árabe não têm a forma verbal que corresponde exatamente ao presente.
2. É o que também figurava, sob uma forma esotérica e "moralizada", o mito de Hércules entre a Virtude e o Vício, cujo simbolismo foi conservado na sexta lâmina do Taro. O antigo símbolo pitagórico teve aliás outras "sobrevivências" bastante curiosas, tal como pode ser encontrada, na época do Renascimento, na marca do impressor Nicolas du Chemin, desenhada por Jean Cousin.
3. A palavra sânscrita yâna tem a mesma raiz da ire latina e, de acordo com Cícero, é dessa raiz que deriva o próprio nome Jano [Ianus], cuja forma é, aliás, singularmente próxima de yâna.
4. A propósito do simbolismo dos dois caminhos, cabe acrescentar que existe um terceiro, o "caminho do meio", que conduz diretamente à "Libertação"; a esta via corresponderia o prolongamento superior não traçado da parte vertical da letra Y, e isso pode ser relacionado com o que foi dito mais acima a respeito do terceiro rosto invisível de Jano.
5. Notemos que a palavra initiatio vem de in-ire, e que desse modo reencontramos o verbo ire, ao qual se liga o nome de Jano.
6. A festa de São João do inverno [no hemisfério norte] está desse modo muito próxima do Natal, que, sob um outro ponto de vista, também corresponde exatamente ao solstício de inverno, tal como já explicamos. Um vitral do século XII da igreja de Saint-Rémi, em Reims, apresenta uma figuração praticamente curiosa, e sem dúvida excepcional, em relação ao que estamos tratando aqui; discutiu-se em vão a questão de saber qual dos dois São Joões está ali representado. A verdade é que, sem precisarmos ver nisso qualquer confusão, o vitral representa os dois, sintetizados na figura de um único personagem, o que é demonstrado pelos dois girassóis colocados em sentidos opostos acima de sua cabeça e que correspondem aos dois solstícios e aos dois rostos de Jano. Podemos ainda assinalar, a título de curiosidade, que a expressão popular francesa "João que chora e João que ri" é na realidade uma lembrança dos dois rostos opostos de Jano.
7. Devemos lembrar que a "Loja de São João", ainda que não seja assimilada simbolicamente à caverna, nem por isso deixa de ser também uma figura do "cosmo"; a descrição de suas "dimensões" é particularmente clara a esse respeito: seu comprimento vai "do oriente ao ocidente", sua largura do "sul ao setentrião", sua altura "da terra ao céu" e sua profundidade "da superfície da terra ao seu centro". Vale a pena observar, como paralelo notável ao que diz respeito à altura da Loja, que, segundo a tradição islâmica, o local de uma mesquita é considerado consagrado, não apenas na superfície da terra, mas desde esta até o "sétimo céu". Por outro lado, diz-se que "na Loja de São João" levantam-se templos à virtude e escavam-se cárceres ao vício; as idéias de "levantar" e "escavar" referem-se às duas "dimensões" verticais, altura e profundidade, que são contadas segundo as duas metades de um mesmo eixo que vai do "zênite ao nadir", tomadas em sentido inverso, uma em relação a outra. As duas direções opostas correspondem respectivamente a sattwa e tamas (enquanto rajas corresponde à expansão das duas "dimensões" horizontais), ou seja, às duas tendências do ser na direção dos Céus (o templo) e dos Infernos (o cárcere). Tais tendências são aí "alegorizadas", mais que simbolizadas, para falar de modo exato, pelas noções de "virtude" e de "vício", exatamente como no mito de Hércules que lembramos mais acima.
8. No simbolismo maçônico, duas tangentes paralelas a um circulo são consideradas, entre diversos outros significados, como representações dos dois São Joões;se o círculo for visto como uma figura do ciclo anual, os pontos de contato das duas tangentes, diametralmente opostas entre si, corresponderão então aos dois pontos solsticiais.

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