terça-feira, 11 de setembro de 2012

Mãe da menina símbolo da tragédia com o césio-137 diz se sentir culpada

Pela primeira vez, Lourdes das Neves fala sobre sentimento de culpa.
Criança ingeriu partículas de pó de césio, acidentalmente, e foi a 1ª vítima.


Leide das Neves, 6 anos, foi a primeira vítima do césio-137 (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)Leide das Neves, 6 anos, foi a primeira vítima do césio-137 (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)
A dona de casa Lourdes das Neves Ferreira, mãe de Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, que morreu em 23 de outubro de 1987, sofre com a falta da filha, quase 25 anos depois da sua morte. Ela conta que se sente culpada pela morte da menina, a primeira vítima do acidente com o césio-137 em Goiânia , e uma das quatro mortes oficiais, segundo os governos estadual e federal. O sofrimento da garotinha que se encantou com o brilho azul emitido pelo césio se tornou o símbolo da tragédia. “Fica passando um filme na minha cabeça. São 25 anos de sofrimento, de dor, de tristeza e de angústia. Eu me arrependo e cobro de mim mesma. Se eu não tivesse ido tomar banho, talvez ela não tivesse ingerido [partículas de pó do césio]”, afirma Lourdes.
Tudo começou com a retirada de um equipamento de radioterapia para o tratamento de câncer. O aparelho foi esquecido dentro de um prédio abandonado, onde funcionava uma clínica de radiologia, no Centro de Goiânia. Levada para um ferro-velho, a peça foi desmontada a marretadas. A cena foi reproduzida várias vezes em filmes e programas de TV.
O objetivo do dono do ferro-velho era aproveitar o metal, mas a descoberta de um pó dentro do equipamento, que brilhava à noite, chamou a atenção de muita gente, inclusive de crianças. A situação de Leide foi ainda pior porque, ao fazer um lanche depois de brincar com a novidade, acabou ingerindo, acidentalmente, partículas do pó misturadas ao alimento. Isso aconteceu longe dos olhos da mãe.

As mortes ocorreram poucas semanas depois da descoberta do que passou a ser considerado o maior acidente radiológico do mundo -- com uma substância radioativa usada em hospitais. Leide, a tia dela, Maria Gabriela, e dois funcionários do ferro-velho foram as vítimas que não suportaram os efeitos da radioatividade.
Os corpos das quatro primeiras vítimas do césio-137 estão enterrados em um cemitério municipal de Goiânia, o Cemitério Parque. Os túmulos têm mais que o dobro do tamanho dos outros. Debaixo do mármore, existem toneladas de concreto. Cada caixão pesava cerca de quinhentos quilos. Tudo isso para bloquear a emissão de material radioativo.
Os túmulos estão em um canto do cemitério, em um local bastante tranquilo, bem diferente daquele dia do enterro, quando uma multidão protestava contra a decisão de enterrá-los em um cemitério comum. “Eu estava dopada com remédios, mas vi tudo. As pessoas jogavam pedra, jogando pedaço de meio-fio”, recorda-se Lourdes.
Uma parte da minha vida se foi com ela"
Lourdes das Neves
Apesar do tumulto, prevaleceu a vontade da maioria e o enterro não mudou de lugar. Se tivesse sobrevivido, Leide estaria hoje com 31 anos de idade. “Uma parte do meu coração e da minha vida se foi com ela. A forma como tudo aconteceu foi uma coisa louca, dolorosa. Só eu mesma para saber. Não desejo que isso aconteça com ninguém”, conta a mãe. Ela diz ainda que não consegue passar um único dia sem se lembrar da filha e da tragédia vivida por sua família. “Não tem como não lembrar” (assista abaixo à entrevista na íntegra).

Lourdes também perdeu o marido na tragédia. Ivo Alves Ferreira morreu 16 anos depois do acidente radioativo. Ele carregava o arrependimento por ter levado para casa o pó do césio para a filha brincar. O irmão de Ivo, Devair Alves Ferreira, que era dono do ferro-velho onde a peça foi aberta, morreu sete anos depois da tragédia, em 1994. Na época, quando ainda passava pela descontaminação, ele falou sobre a tragédia provocada pela luz hipnotizante. “Eu só me sinto triste porque de uma forma ou de outra eu prejudiquei toda a minha família”, disse Devair à TV Globo, em outubro de 1987.
Um dos irmãos de Devair e Ivo e atual presidente da Associação das Vítimas do Césio (AVCésio), Odesson Alves Ferreira cita uma frase dita por Devair que marca o episódio: "Eu me apaixonei pelo brilho da morte”.
Na opinião de Odesson, os irmãos Devair e Ivo sobreviveram à tragédia, mas não conseguiram superá-la. “Os dois entraram em um processo de depressão. O Devair se sentia responsável por ter colocado toda a família naquela situação. O Devair se embrenhou pelo caminho dos vícios. O da bebida, principalmente", lamenta, em entrevista ao G1.
Já Ivo, afirma Odesson, se culpava por ter levado o pó de césio para casa e deixado a filha brincar com ele. "O Ivo fumava seis maços de cigarro por dia. É uma maneira que eles [Ivo e Devair] encontraram de se suicidar. Eles viam que estavam morrendo lentamente e continuavam fazendo. Tentamos muito tirar o vício dos dois, mas não conseguimos. Eles achavam que tinha que ser daquele jeito e acabou sendo. Eles morreram muito jovens. Devair morreu em 1994, aos 42 anos, e Ivo, em 2003, aos 54”, conta Odesson.
Odesson mostra as sequelas do contato com o
césio (Foto: Versanna Carvalho/G1)
Odesson Ferreira mostra as sequelas visíveis do contato direto com o Césio-137, em Goiânia (Foto: Versanna Carvalho/G1)Marcas
Da mesma forma que muitas das pessoas que manusearam o césio, Odesson, que só ficou com o pó do césio por cerca de dois minutos, carrega na mão sinais de contato com o material. “Além da palma da mão, que eu perdi [mostra pele mais escura, resultado de um enxerto com parte da pele da barriga], perdi parte de um dedo e outro ficou atrofiado”, mostra.
Maria Abadia Ferreira -- mãe de Odesson, Devair e Ivo -- viu a família inteira ser contaminada, inclusive ela. “Eu não gosto nem de lembrar. É tanta coisa, é muito duro. A minha família foi a mais atingida”, lamenta.
Odesson conta que até hoje a família não se refez completamente. “Uma coisa que dói muito na gente é o afastamento, principalmente da família. A nossa família era muito próxima, gostava de se reunir para fazer um almoço, um churrasco. Hoje é muito ruim. As pessoas não podem mais juntar porque o assunto fica desagradável. A gente não consegue fazer um almoço de família sem tocar no assunto. E isso dói muito”, desabafa.

G1/GRITOS DE ALERTA

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