quarta-feira, 22 de julho de 2015

Estado Islâmico instrui crianças a treinar decapitações em bonecas



Os mais de 120 meninos receberam cada qual uma espada e uma boneca, e em seguida a ordem de cortar a cabeça da boneca.

Todos os meninos haviam assistido a vídeos de decapitações, e seus instrutores da facção radical Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EI) os informaram de que um dia teriam de realizar tarefa semelhante.

Um menino de 14 anos que fazia parte do grupo, sequestrado de sua família que é parte da minoria religiosa yazidi, no Iraque, contou que não conseguia fazer o corte direito. Ele golpeou a boneca uma, duas, três vezes.

"Depois eles me ensinaram como segurar a espada, e me explicaram como golpear. Disseram que era a cabeça de um infiel", disse o menino, chamado de Yahya por seus captores, à agencia de notícias Associated Press (AP), na semana passada no norte do Iraque, para onde fugiu depois de escapar do campo de treinamento do EI.

Quando os radicais do EI tomaram as cidades dos yazidis no norte do Iraque, no ano passado, massacraram os homens mais velhos e escravizaram muitas das mulheres e meninas. Dezenas de meninos yazidis, como Yahya, tiveram destino diferente: o EI busca reeducá-los. Foram forçados a se converter de sua antiga religião ao islamismo, e o movimento tentou transformá-los em combatentes.

A ação é parte de um esforço coordenado dos extremistas para criar uma nova geração de milicianos, de acordo com entrevistas da AP com moradores que fugiram da Síria e Iraque ou continuam vivendo lá sob o domínio do EI. O grupo está recrutando adolescentes e crianças, usando presentes, ameaças e lavagem cerebral. Meninos foram transformados em matadores, e encarregados de atentados suicidas. Um vídeo do EI divulgado na semana passada mostrou um menino decapitando um soldado sírio, sob a supervisão de um militante adulto. No mês passado, um vídeo mostrou 25 crianças fuzilando sem hesitar 25 soldados sírios capturados, com tiros na cabeça.

Em escolas e mesquitas, os militantes infundem nas crianças a doutrina extremista, e muitas vezes as voltam contra seus pais. Os combatentes do movimento fazem amizade com crianças nas ruas e lhes dão brinquedos. Os campos de treinamento do EI produzem os "ashbal", termo árabe para "filhote de leão", as crianças combatentes do califado que o movimento declarou em seu território. O califado é uma forma histórica de governo muçulmano que o grupo afirma estar retomando, com sua própria interpretação radical, ainda que a grande maioria dos muçulmanos rejeite seus preceitos.

"Estou terrivelmente preocupado com as futuras gerações", disse Abu Hafs Naqshabandi, xeque sírio que conduz aulas de religião para refugiados na cidade turca de Sanliurfa, a fim de rebater a ideologia do EI.

A doutrinação se dirige principalmente a crianças muçulmanas sunitas. Nas cidades controladas pelo EI, os militantes mostram vídeos às crianças em cabines montadas na rua. Realizam eventos ao ar livre para crianças, distribuindo doces e refrigerantes —e propaganda.

Eles dizem aos adultos que "já desistimos de vocês, só queremos saber da nova geração", disse um ativista da oposição ao EI que fugiu da cidade síria de Raqqa, que serve de capital aos extremistas. Ele falou sob a condição de que seu nome não fosse mencionado, para preservar a segurança de parentes que vivem em áreas governadas pela facção.

No caso dos yazidis, que o EI vê como hereges e elegíveis para matança, o grupo buscou incorporar os jovens da outra comunidade, apagar seu passado e substitui-lo pelo radicalismo.

Yahya, seu irmão menor, sua mãe e centenas de yazidis foram capturados quando o EI tomou a cidade iraquiana de Sulagh, em agosto. Eles foram levados a Raqqa, onde os dois irmãos e outros meninos yazidis com idades entre os oito e os 15 anos foram alojados no campo de treinamento de Farouq. Eles receberam nomes islâmicos em árabe para substituir seus nomes curdos. Yahya não revelou seu nome curdo à AP, para proteger a ele mesmo e à sua família.

O menino passou quase cinco meses no campo, treinando de oito a 10 horas por dia, o que incluía exercícios, uso de armas e o estudo do Corão, livro sagrado do islamismo. Disseram-lhe que os yazidis eram "sujos" e deviam ser mortos, contou Yahya. Mostraram como atirar contra alguém a curta distância. Os meninos socavam uns aos outros como parte dos exercícios. Yahya arrancou com um soco um dente de seu irmão de 10 anos de idade.

O instrutor disse que "se eu não o fizesse, atiraria em mim", contou Yahya. "Disseram que isso nos endureceria. Nós apanhávamos em todo lugar".

Em um vídeo do EI sobre o campo de Farouq, meninos em uniformes camuflados fazem ginástica e gritam lemas. Um combatente do EIIL diz que os meninos estudaram a jihad para que "no futuro Deus Todo Poderoso possa colocá-los nas linhas de frente contra os infiéis".

Vídeos de outros campos mostram meninos rastejando sob obstáculos de arame farpado e praticando tiro. Um menino está deitado no chão disparando uma metralhadora. Ele é tão pequeno que a força do recuo arrasta seu corpo inteiro para trás alguns centímetros. Meninos que estão sendo treinados para suportar adversidades têm de ficar imóveis enquanto um instrutor golpeia suas cabeças com um bastão.

A facção afirma contar com centenas desses campos. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos documentou que pelo menos 1.100 crianças sírias de menos de 16 anos de idade aderiram ao EI este ano. Pelo menos 52 foram mortas em combate, entre as quais oito em atentados suicidas, de acordo com a organização.

Yahya escapou no começo de março. Os combatentes deixaram o campo para executar um ataque, e os guardas restantes dormiram, o que permitiu que ele e o irmão escapassem. Ele insistiu em que um amigo os acompanhasse, mas o menino se recusou, dizendo que havia se tornado muçulmano e gostava do islamismo.

A mãe de Yahya estava em uma casa próxima com outros yazidis capturados —o menino era autorizado a visitá-la ocasionalmente. Por isso, ele e o irmão foram até ela. Viajaram à cidade síria de Minbaj onde ficaram com um combatente russo do EI, disse Yahya. Ele fez contato com um tio no Iraque, e o tio negociou um pagamento ao russo pelos dois meninos e a mãe. Quando surgiu acordo, eles se reuniram ao tio na Turquia e depois se transferiram à cidade curda de Dohuk, no Iraque.

Agora em Dohuk, Yahya e seu irmão passam boa parte do tempo assistindo TV. Parecem comunicativos e sociáveis. Mas há sinais de seu sofrimento. Quando o tio deu uma pistola a Yahya, o menino a montou e carregou sem dificuldade.

E ele jamais esquecerá os vídeos de decapitações que os instrutores do EI mostravam aos meninos.

"Fiquei assustado ao ver aquilo", ele disse. "Sabia que não seria capaz de decapitar alguém daquele jeito. Mesmo quando adulto". 


Fonte: Folha de São Paulo

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