Quando iniciava suas cartas, Paulo tinha por hábito situar, geográfica e culturalmente, a igreja à qual ela se destinava. Para o apóstolo, a igreja não era um organismo isolado, distante do mundo. Pelo contrário: ele entendia que a cidade permeava a realidade da igreja - que, por sua vez, tinha o dever de ser sal e luz para a cidade. Esta compreensão pode ser percebida em suas citações aos aspectos culturais, sociais e econômicos da época. Quem lia ou ouvia a leitura dos escritos de Paulo sentia-se cidadão do céu, mas também de sua polis. Curiosamente, quase 2 mil anos depois, desde quando a Igreja Evangélica dava os primeiros passos em solo brasileiro e até algumas décadas atrás, ela vive (ou é obrigada a viver) sob a dimensão de gueto, de uma espécie de clube fechado e distanciado da vida pública nacional. Este elemento marcou a postura protestante, sendo reforçado no movimento pentecostal. Até pouco tempo, o conceito de dupla cidadania era, para a maioria dos cristãos evangélicos, apenas figura de retórica. Ou se vivia no Planeta Igreja, ou no chamado "mundo", no pior dos sentidos. Nas últimas quatro décadas, porém, a presença evangélica na sociedade tem aumentado estatisticamente com o crescimento do número de fiéis (seja por conversões ou por adesões). Como conseqüência, as igrejas cobram um reconhecimento desta presença e de sua importância para o país. De fato, não há como negar a dimensão pública das igrejas evangélicas. Hoje, os evangélicos fazem parte do cenário nacional. Seja como "grupo social" ou "nicho de mercado", não somos mais ignorados. No entanto, parece faltar à nossa presença pública justamente seu melhor e maior diferencial: a marca do Deus Espírito Santo, que olha para o homem em sua integridade, querendo alcançá-lo com uma palavra transcendente, transformadora. A dupla cidadania inclui o dever de instalar o Reino na terra. Mas o Planeta Igreja tem dificuldade de apresentar esta perspectiva quando resolve se comunicar com o "mundo". Como o sociólogo Gedeon Alencar analisa com propriedade no texto "Construção do WASP tupiniquim", nossa relação - ou a falta de relação - com a cultura gera, de forma geral, uma atitude de acomodação, negação ou mesmo assimilação. O que aconteceu com nossa opção? Foi cooptada? Quem assimilou o quê? A ação mais desejável do Espírito Santo na Igreja é exatamente o redescobrimento da espiritualidade genuína e da dimensão pública da igreja, que inclui o redescobrimento do espaço terapêutico (comunhão) e de serviço que ela representa. É isto que nos faz capaz de olhar para o mundo como campo de missão. O desafio não está em deixar o mundo, nem em procurar formas de não se deixar contaminar por ele, nem na negação de nossos fundamentos para garantir aceitação. Encarnar o mundo - não no sentido de assimilar seus valores, mas no de assumir suas mazelas para transformá-lo - é o verdadeiro desafio. As marcas da ação do Espírito Santo na Igreja podem ser identificadas no episódio do Pentecostes. Para começar, a igreja se apercebe de sua dimensão pública e vai às ruas, às cidades, às praças, torna-se pública, mostra sua face. Ela abandona a segurança do Cenáculo e perde o medo da perseguição e da morte. O Espírito Santo impulsiona os discípulos às ruas e os desafia a ser comunidade e viver na perspectiva do Reino de Deus. É quando eles descobrem o significado de ser sal, luz e tempero do mundo. Além disso, o Pentecostes do livro de Atos dá novo sentido à experiência cristã e à espiritualidade/religiosidade. A festa judaica era centralizada no templo. Com a descida do Espírito Santo, ela deixa de ser um evento privado e passa a ser um acontecimento público, de caráter histórico. A partir daí, a igreja deixa de ser um espaço privado, de atendimento de interesses pessoais, e ganha um caráter público e de inserção na história. Vento e fogo. Estes são os símbolos escolhidos pelo Espírito Santo para oferecer à Igreja a energia e o poder. E ambos só podem se desenvolver fora dos espaços fechados, das clausuras. Quando eles chegam, a conseqüência imediata é a paixão pelo evangelismo e pela transformação social. A fé torna-se visível, explícita. Não existe mais para a satisfação pessoal, mas para uma dimensão maior de compromisso de amor e serviço. O Espírito Santo derrama sobre a Igreja a consciência profética (denúncia, inconformismo, proclamação), amplia a visão (o mundo como campo missionário) e traz de volta o sonho (a utopia, as bandeiras da justiça e da paz). Ao atuar sobre a Igreja, o Espírito Santo faz mais do que dar dons de línguas. Ele a desafia a viver uma espiritualidade encarnada, situada, contextualizada, integrada à vida da cidade. E nos induz a levar os efeitos desta nova dimensão às ruas. Para se manifestar, ele só precisa de corações abertos e do desejo real de um avivamento.
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