Fugindo da pobreza, da epidemia de cólera, da violência e de um país devastado pelo terremoto no ano passado, quase 400 haitianos já ingressaram no Brasil, a partir do Acre, em busca de solidariedade e trabalho.
Um novo grupo, com mais de 80 imigrantes, já se formou e encontra-se abrigado no município de Epitaciolândia (AC), na fronteira com a Bolívia. Porém, existe outro grupo, de 30 homens e mulheres haitianos, que passa fome em Iñapari, capital da província de Tahuamanu, no Peru, enquanto aguarda pela oportunidade de acesso ao território brasileiro.
No Brasil, por razões humanitárias, os haitianos ganham protocolo de refúgio, autorização para obter CPF e a Carteira de Trabalho, mas na Bolívia não contam com a mesma tolerância e são expulsos ou extorquidos por funcionários do governo.
Neste final de semana, o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com sede na Argentina, começou a tarefa de reconhecimento da situação dos haitianos em Iñapari, que foram expulsos pelas polícias do Brasil e da Bolívia.
O grupo espera ser reconhecido como refugiado pelo governo peruano. A Comissão Católica Peruana de Migrações, agência executiva da Acnur, apelou às autoridades da província de Tahuamanu e à Polícia Nacional do Peru para que respeitem e protejam a situação migratória dos haitianos.
Iñapari faz fronteira com Assis Brasil (AC). Por causa das ameaças dos policiais, pelo menos 50 haitianos já se dispersaram em povoados da floresta peruana.
Para poder transitar por países de língua espanhola, os haitianos obtiveram visto na República Dominicana. Viajaram de avião até o Panamá e Equador. De Quito a Lima, Cusco e Puerto Maldonado, viajaram de ônibus. De táxi, foram para Iñapari com a esperança de poder ingressar no Brasil.
O secretário de Justiça e Direitos Humanos do governo do Acre, Henrique Corinto, disse que o Estado tem dado o acolhimento humanitário necessário.
- Estamos preocupados com o ingresso deles no Brasil, claro, mas a permissão é de responsabilidade do governo federal. Os que conseguem ingressar no Acre, legal ou ilegalmente, recebem abrigo e alimentação básica até que consigam documentação para circulação no Brasil - explica.
A única reclamação dos haitianos em Epitaciolândia é contra o trabalho da Polícia Federal, que reduziu de seis para dois o atendimento no fornecimento diário de documentos. Os imigrantes alegam que a mudança amplia o prazo e o custo com a permanência deles no abrigo, além de impossibilitá-los de sair logo à procura de trabalho no país.
Mais haitianos no Brasil
O professor haitiano Leonel Joseph Haitiano, de 33 anos, licenciado em Línguas Modernas, fala seis idiomas. Ele está abrigado num ginásio de esportes em Epitaciolândia, tem proposta para trabalhar em Rio Branco, e acredita que mais haitianos vão continuar procurando o Brasil em busca de trabalho.
Os imigrantes são profissionais, principalmente pedreiros, que querem trabalhar no Brasil para ajudar os familiares. Na verdade estão dispostos a ir para qualquer país que ofereça oportunidade de trabalho, para garantir o sustento diário e apoiar quem ficou no Haiti.
Os haitianos dizem que não entendem e até agora não obtiveram resposta pelo fato de o Brasil ter fechado sua fronteira, se meses antes o ingresso era livre. Lamentam que a Polícia Federal não os deixa ter acesso sequer à ponte da integração, na tríplice fronteira do Brasil, Peru e Bolívia.
- Somos tratados como se não fôssemos humanos. Imploramos às autoridades brasileiras, que nos deixem ingressar ao seu país para trabalhar, nos permitam a oportunidade de contribuir com o seu país e com o nosso também - apelaram por intermédio do padre René Salízar Farfán, do distrito de Iberia, na província de Tahuamanu, em Madre de Dios.
- Temos ouvido o grito dos irmãos haitianos. Eles expressaram com lágrimas nos olhos que, neste momento, estão comendo apenas uma vez ao dia. A família que estava acolhendo a todos, desde o dia que chegaram, já não está tendo possibilidade de ajudá-los. A estadia deles nesta cidade de Iñapari está cada vez mais difícil - relata o padre.
René Salízar Farfán, ativista da defesa dos direitos humanos na região peruana, tem se reunido com representantes de instituições e pessoas do Peru, Brasil, Bolivia e Haiti. Ele denuncia a precariedade em que se encontram homens e mulheres haitianos que querem ingressar no Brasil em busca de trabalho.
MPF convoca audiência pública
O Ministério Público Federal no Acre vai promover, nos dias 4 e 5 de maio, em Rio Branco, uma rodada de debates em forma de audiência pública sobre o encaminhamento jurídico e humanitário a ser dado às centenas de haitianos que entraram e continuam entrando em território brasileiro.
- O objetivo da audiência pública é fazer com que os diversos órgãos convidados assumam suas respectivas responsabilidades com o atendimento humanitário e jurídico a ser dispensado a esses cidadãos, tendo em vista os tratados dos quais o Brasil é signatário e a política de relações exteriores adotada pelo governo brasileiro - afirmar o procurador regional dos direitos do cidadão, Ricardo Gralha Massia.
Foram convidados para a reunião representantes do Ministério Público do Trabalho, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Exército, Itamaraty, Conselho Nacional de Refugiados (Conare), Conselho Nacional de Imigrantes (CNIg), o Alto Comissariado da ONU para refugiados (Acnur), Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Secretaria de Saúde do Acre, Comitê de Solidariedade aos Haitianos e a organização Cáritas Brasileira.
Recomendações do comitê MAP (Madre de Dios, Acre e Pando), integrado por cidadãos do Brasil, Bolivia e Peru preocupados com direitos humanos e ambientais na região
1 - Que as instituições governamentais e privadas, tanto locais, regionais e nacionais dos três países, em observância ao mínimo respeito à dignidade que todo ser humano merece, rogamos que os haitianos sejam providos de alimentação diária, de pelo menos duas vezes ao dia e de um lugar onde possam ser abrigados temporariamente, até que resolvam a situação migratória;
2 - Que o Estado peruano, dada a situação de precariedade em que neste momento estão atravessando os irmão haitianos instalados na cidade fronteiriça de Inãpari, de maneira excepcional, possa declarar a todos eles o status de refugiados de maneira temporal;
3 - Que a República Federativa do Brasil considere o ingresso dos imigrantes haitianos, já que têm por objetivo principal o de trabalhar buscando recursos econômicos significativos, para assim ajudar a suas famílias e, desta forma, contribuindo para a reconstrução do afetado país do Haiti;
4 - Que durante sua estadia provisional, os haitianos solicitam capacitação na língua deste País, onde pretender ir trabalhar.
http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/2011/04/19/em-busca-de-trabalho-no-brasil-haitianos-passam-fome-em-inapari-no-peru/
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