“O céu e a terra estão repletos de paz celestial”, cantavam os membros da igreja na véspera do Ano Novo. Isso foi também a última coisa que Mariam Fakri ouviu quando deixou a igreja com a sua irmã Martina, a mãe e a tia. Elas foram umas das primeiras a sair. Após terem passado o dia inteiro cozinhando, elas queriam voltar para casa para quebrar o jejum com uma refeição comemorativa. Mariam tinha 21 anos de idade e pretendia ficar noiva dentro da alguns dias. Além dos seus estudos universitários, ela também dava aulas para jovens na igreja aos domingos. Mariam era alegre e extrovertida, e tinha vários amigos muçulmanos. Antes de seguir para a igreja, ela havia escrito na sua página do Facebook: “2010 acabou. Eu gostei de experimentar este ano. Eu tenho tantos desejos. Por favor, Senhor, fique ao meu lado e me ajude a realizá-los”. Foi então que houve a explosão. Mariam morreu na Rua Khalil Hamada sob uma imagem do apóstolo São Marcos segurando uma pequena igreja nas mãos. Os parafusos, porcas e esferas de aço que haviam sido colocados na bomba também penetraram nos corpos das outras três mulheres. O único membro da família a sobreviver foi o pai de Mariam, que vinha atrás delas. No dia seguinte, ele teve que identificar a filha. O corpo dela estava tão terrivelmente queimado que ele mal pôde reconhecê-la. Pouco depois, as quatro mulheres foram sepultadas no Mosteiro São Minas, juntamente com outras 17 vítimas, onde em breve se juntariam a elas duas outras. O mosteiro fica a cerca de 60 quilômetros de Alexandria. Embora o sepultamento neste local seja uma honra especial, isso se constituiu também em uma indignidade final: por motivos de segurança, as autoridades teriam insistido em que os sepultamentos fossem feitos fora da cidade. Assim, mesmo na morte, a cristã copta Mariam Fakri teve que acatar as ordens de um Estado que mostrou-se incapaz de protegê-la. O sorriso de um assassino Três dias após o ataque em Alexandria, cerca de 4.000 quilômetros a leste, um homem elegantemente vestido saiu de um café em Islamabad. Após encontrar-se com um amigo, Salman Taseer, o governador muçulmano de 66 anos de idade da província paquistanesa do Punjab, seguia para a sua casa na zona nordeste da capital paquistanesa. Mas antes que Taseer pudesse entrar no seu carro, um homem corpulento emergiu do grupo dos seus guarda-costas, sacou uma arma e começou a dispará-la contra o governador. Quando os outros guarda-costas – que inicialmente ficaram parados sem fazer nada – finalmente dominaram o atirador, este apenas distendeu a face em um sorriso. No chão em frente ao Café Gloria Jean"s jazia um homem baleado mais de 20 vezes. Um homem que havia enfrentado alguns oponentes poderosos: o fanatismo, o incitamento e o islamismo militante. Assim como Mariam, ele também divulgou online uma mensagem de Ano Novo: “Eu fui altamente pressionado para recuar diante das pressões quanto a blasfêmia. Recusei. Ainda que eu seja o último homem a resistir”, escreveu ele na sua página do Twitter. E, alguns dias mais tarde, ele acrescentou: “Paz, prosperidade e felicidade para o ano novo...eu estou cheio de otimismo”. O medo disseminado pelos inimigos de Taseer o perseguiram mesmo após a morte. Quando a sua família quis enterrá-lo no dia seguinte, segundo os costumes muçulmanos, até mesmo o líder de orações designado pelo governo recusou-se a proferir sequer o primeiro verso dos rituais fúnebres muçulmanos. Um clérigo do partido de Taseer acabou se prontificando a realizar a tarefa. E o seu suposto amigo, o presidente do Paquistão, não compareceu ao funeral – por motivos de segurança. Uma realidade sangrenta Por menores que sejam os fatores em comum entre a morte em Islamabad e o massacre em Alexandria, existe um vínculo entre os dois incidentes. Eles deixam claro que, no início da primeira década após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o “choque de civilizações” - utilizado por cientistas políticos ocidentais como um paradigma teórico – tornou-se uma realidade sangrenta para os cristãos no Oriente. O islamismo é a religião majoritária em oito dos dez principais países nos quais os cristãos são perseguidos, segundo a “World Watch List”, uma lista compilada anualmente pela organização cristã Open Doors. Em sete desses países, a situação deteriorou-se para os cristãos em 2010. E não são só o papa, os bispos e os patriarcas que estão fazendo apelos mais urgentes do que nunca para que esses cristãos sejam protegidos. Um número cada vez maior de políticos – desde o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, até Volker Kauder, o líder parlamentar do partido da chanceler Angela Merkel, a União Democrata Cristã (em alemão, Christlich Demokratische Union Deutschlands, ou CDU) – está intensificando as advertências. “Nós já passamos daquele estágio no qual a única coisa que podemos fazer é manifestar o nosso desapontamento e a nossa tristeza”, reclamou recentemente a ministra das Relações Exteriores da França, Michèle Alliot-Marie. Ela exigiu um plano coordenado da União Europeia para a proteção dos cristãos no Oriente Médio. A questão deverá ser inserida na agenda da reunião dos ministros das Relações Exteriores dos países que integram a União Europeia, que deverá ocorrer no dia 31 de janeiro próximo. No entanto, uma quantidade maior de apelos não será suficiente. A situação está muito mais séria do que se encontrava apenas alguns meses atrás. Os recentes ataques no Egito e no Paquistão constituíram-se em exemplos de como os regimes do mundo muçulmano se encontram fracos. Eles podem ter inserido a proteção às minorias religiosas nas suas constituições, mas há muito tempo eles perderam a capacidade de proteger os cristãos e outras minorias. Até mesmo as elites que desejam fazer algo perderam o poder para alterarem esta situação. Uma promessa solene “Vocês estão livres”, afirmou Mohammed Ali Jinnah, o fundador do Paquistão, em um discurso que proferiu em 1947 na convenção constitucional. “Vocês estão livres para irem aos seus templos, estão livres para comparecerem às suas mesquitas ou a qualquer outro local de culto religioso neste Estado do Paquistão. Vocês podem pertencer a qualquer religião, casta ou credo...”. O discurso traduziu uma visão de tolerância religiosa; e foi também uma promessa solene. Quando o novo país instituiu o seu código penal, ele manteve quatro seções que os governantes coloniais britânicos tinham elaborado para a Índia em 1860. Elas ainda estão em vigor nos dias de hoje. Essas seções preveem penas de até dez anos de prisão para quem profanar locais sagrados, interromper reuniões religiosas, profanar cemitérios e insultar intencionalmente sentimentos religiosos. De 1947 a 1986, houve apenas cinco condenações baseadas nessas seções. Mas na década de oitenta, o presidente islamita paquistanês Mohammad Zia-ul-Haq, o general que assumiu o cargo máximo do país após um golpe militar, fortaleceu as leis. Ele tornou ilegal manifestar desrespeito ao Alcorão e denigrir o profeta Maomé. As quatro seções dedicadas à proteção de todas as religiões foram substituídas por duas novas sobre a blasfêmia – focadas inteiramente no islamismo. Uma delas previa uma pena de prisão perpétua; a outra a morte. O Ocidente não fez nada quanto a isso. Enquanto o exército soviético, o rival comunista, permanecesse na porta ao lado, no Afeganistão, os norte-americanos não viam problema algum em um ditador islâmico no Paquistão. O abuso da lei começou imediatamente. Para que alguém fosse condenado por blasfêmia, bastava que um muçulmano “confiável” testemunhasse perante um juiz muçulmano assegurando que a suposta violação da lei de fato ocorrera – sem sequer ter que dizer que palavras exatas teriam sido utilizadas no insulto. Mesmo que durante todos estes anos o Paquistão ainda não tenha aplicado nenhuma sentença de morte por blasfêmia, cerca de mil paquistaneses foram acusados de violar as duas novas seções do código penal. Em novembro passado, por exemplo, uma camponesa cristã analfabeta chamada Asia Bibi foi condenada por blasfêmia por ter supostamente denigrido o profeta Maomé durante uma briga com uma vizinha. Fonte UOL |
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domingo, 23 de janeiro de 2011
A difícil luta dos cristãos no Oriente - Parte 1
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