terça-feira, 30 de novembro de 2010

Brasil abriga 'genuínos radicais' islâmicos, diz governo dos EUA

 

Documento da diplomacia dos EUA foi divulgado na internet.
Avaliação consta de descrição sobre comunidade islâmica brasileira.


Thiago Guimarães Do G1, em São Paulo
Embora a comunidade muçulmana no Brasil seja formada majoritariamente por integrantes moderados, o país abriga "elementos radicais genuínos", alguns na região de Foz do Iguaçu (PR) e outros em São Paulo.
A avaliação consta de documento confidencial da diplomacia norte-americana datado de 20 de novembro de 2009, produzido pelo Consulado dos EUA em São Paulo. Integra um conjunto de 251.287 relatórios da diplomacia americana produzidos entre 1966 e 2010 e divulgados pela organização Wikileaks, que teve acesso ao material.

O documento produzido pelo Consulado dos EUA em São Paulo teve por objetivo subsidiar a visita ao Brasil, em novembro de 2009, da representante especial da Chancelaria dos EUA para as comunidades islâmicas, Farah Pandith. A íntegra do texto em inglês pode ser lida aqui.
"Enquanto a maioria dos muçulmanos do Brasil é moderada em orientação e a esmagadora maioria é moderada em obras e ações, genuínos elementos radicais existem aqui, alguns na área da Tríplice Fronteira em Foz do Iguaçu e outros entre a forte população xiita orientada ao [grupo extremista islâmico] Hizbollah em São Paulo, estimada em 20 mil pessoas", afirma o documento da diplomacia americana.
O documento procura descrever a comunidade árabe no Brasil, que estima em 400 a 500 mil pessoas, segundo cálculos mais confiáveis. Aponta a existência de maioria sunita de descendência libanesa, cujos membros chegaram ao país há muitas décadas e construíram "fortes raízes" no país. Afirma que os libaneses que vivem no Brasil tendem a valorizar as "virtudes de um Líbano tolerante", onde cristãos, judeus e árabes convivem facilmente. Afirma que a marca dessa comunidade é reforçada pela tradição brasileira de tolerância cultural.
Diz, contudo, que há também um fluxo mais recente de imigrantes, também de maioria libanesa e mais pobres e "muito mais xiitas". "A [orientação] política deles é mais radical e eles frequentemente recorrem ao Hizbollah para liderança", diz o documento.
Líder é descrito como promotor de 'linha fundamentalista'O Consulado relata sua busca ao longo dos anos por envolvimento com grupos muçulmanos de São Paulo. Descreve o trabalho conjunto com o cônsul-geral do Líbano na cidade, Joseph Sayah, como responsável pela montagem de uma "crescente rede de amigos entre xeques e líderes entre a comunidade sunita", que inclui abertura ao diálogo com "alguns sunitas fundamentalistas que mantêm visões extremamente críticas em relação aos EUA".
O documento também descreve lideranças muçulmanas locais, como o xeque Jihad Hammadeh, de São Bernardo do Campo (Grande SP), descrito como promotor de linha islâmica "fortemente fundamentalista".
Essa análise é muito superficial. Eles só aparecem de vez em quando, e para fazer perguntas"
xeque Jihad Hammadeh
Vice-presidente da ONG Wamy (Assembléia Mundial da Juventude Islâmica), Hammadeh é descrito como alguém que busca manter o governo dos EUA "a uma certa distância". "Hammadeh se encontra conosco, mas nunca frequenta nossos eventos e nos mantém a uma certa distância. Quando sugerimos visitar suas aulas de árabe, ele hesitou", diz o texto.
Procurado pelo G1, Hammadeh disse "desqualificar" sua descrição feita pela diplomacia americana. "Essa análise é muito superficial. E que distância eles querem? Eles é que mantêm distância, só aparecem quando convém a eles. A comunidade fica receosa: só de vez em quando aparecem, e para fazer perguntas. Cadê a amizade?", questionou o xeque.
Hammadeh disse ser duro na cobrança de padrões de comportamento da comunidade islâmica, mas negou fanatismo. "Se estão dizendo [que há radicais islâmicos no país], que mostrem as provas e as fontes para que o governo e a Justiça brasileiros corram atrás deles", afirmou.
Outro citado no documento, como promotor de "atitudes antiamericanas", o xeque Yamani Abdul Nur Muhammad, de Londrina (PR), também questionou, em entrevista ao G1, a avaliação da diplomacia americana.
Documento sugere cooptação de árabes moderadosA análise destinada à representante do governo Barack Obama para as comunidades islâmicas descreve o cenário "brasileiro-libanês" como um "duplo contexto de tolerância" que já ajuda a promover a inserção da comunidade muçulmana do país.
Sugere ainda o trabalho de "engajamento de muçulmanos moderados", para "colocar radicais na defensiva e abrir canais de comunicação que podem levar a mais informações sobre elementos mais distantes da comunidade em razão de maior radicalismo". "Trabalhar com moderados amigáveis não deve ser visto separadamente do monitoramento de elementos mais ameaçadores", diz o documento, que classifica a "pequena comunidade xiita brasileira orientada ao Hizbollah" como uma "preocupação legítima" do governo dos EUA.

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