quinta-feira, 14 de março de 2013

Novo Papa foi acusado de participar da ditadura argentina

Em foto de 2009, o então arcebispo de Buenos Aires Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco, posa diante da bandeira argentina Foto: Natacha Pisarenko / APEm foto de 2009, o então arcebispo de Buenos Aires Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco, posa diante da bandeira argentina Natacha Pisarenko / AP
RIO — Quando ouviu o nome do novo Papa, a argentina Graciela Yorio sentiu que o mundo caia sobre sua cabeça. Para ela, Jorge Mario Bergoglio, desde hoje o Papa Francisco, é “autor intelectual do sequestro do sacerdote jesuíta Orlando Yorio”, seu irmão, que em 1976 esteve cinco meses detido na Escola de Mecânica da Marinha (Esma, na sigla em espanhol), um dos principais centros clandestinos de tortura da última ditadura argentina (1976-1983).


A história foi registrada no livro “O Silêncio”. As vítimas - Francisco Jalics e Orlando Yorio, que desapareceram por cinco meses - eram companheiros de Bergoglio na Companhia de Jesus, cuja congregação fazia trabalhos de ajuda social numa localidade do bairro de Bajo Flores. Os defensores de Bergoglio dizem que não há provas contra ele e que o Papa ajudou muitos a escapar das Forças Armadas durante os anos de chumbo.
Mas a acusação de Verbitsky não era inédita. Rumores sobre uma suposta colaboração de Bergoglio com a ditadura já haviam circulado na Argentina por críticos do perfil conservador do novo Papa. Ele chegou a ser denunciado na Justiça por supostas ligações com o sequestro dos missionários, segundo uma fonte judicial do Palácio de Tribunais.
Na última década, sinais mais claros das possíveis participações do novo Papa na ditadura começaram a aparecer na imprensa argentina. Mas foi em 2005, quando o jornalista Horacio Verbitsky acusou o então arcebispo de ter contribuído para a detenção, em 1976, de dois sacerdotes que trabalhavam sob seu comando na Companhia de Jesus, que as suspeitas ganharam força.
Em entrevista ao GLOBO, Estela de la Cuadra, que até hoje procura sua sobrinha, Ana, nascida na mesa de uma delegacia em junho de 1977, assegurou que “a Igreja Católica escolheu uma pessoa que para nós, familiares de vítimas da repressão exercida pelos militares, foi cúmplice de um governo genocida”.
A indignação de Graciela e Estele reflete, em grande medida, o clima que se viveu nesta quarta-feira em associações de defesa dos direitos humanos da Argentina. Nas sedes das Mães e Avós da Praça de Maio, entre outras ONGs locais, seus representantes receberam com surpresa e estupor o nome do novo Papa. Para este setor da sociedade argentina, acompanhado nas redes sociais por dirigentes esquerdistas, a escolha de Bergoglio foi difícil de digerir.
- Até hoje, a Igreja continua sem colaborar com as investigações da Justiça. Bergoglio nunca quis abrir os arquivos da Conferência Episcopal - lamentou Graciela.
De acordo com o livro de Verbitsky, o Papa Francisco retirou o apoio da ordem aos jesuítas perseguidos pelo governo militar em 1976. Após a fim do apoio, ambos acabaram sendo capturados e presos. Em 2011, Verbistky descobriu um documento do Ministério das Relações Exteriores e Culto da Argentina que confirma a suspeita. Na época, Jalics, húngaro, havia feito um pedido de renovação de passaporte. O informe mostra que Bergoglio apontou que havia “suspeitas de contato com guerrilheiros” e “conflitos de obediência”. A solicitação do jesuíta foi negada.
Bergoglio aceitou falar com o jornalista durante a preparação do livro, mas negou que tenha colaborado com a ditadura. Segundo Bergoglio, ele agiu para tentar salvar os sacerdotes enquanto estavam presos na Escola de Mecânica da Armada, local de extermínio do regime militar.
Em 2010, o então cardeal publicou o livro “O jesuíta” em que defendia seu desempenho na Companhia de Jesus entre 1973 e 1979. No livro, Bergoglio diz que Yorio e Jalics estavam planejando a criação de uma uma congregação religiosa e entregaram o primeiro rascunho do documento a três monsenhores. O religioso também teria recebido uma cópia.
As denúncias iniciais da participação do Papa na ditadura foram feitas por Emilio Mignone, em seu livro “Igreja e ditadura”, de 1986, quando Bergoglio não era conhecido fora do mundo eclesiástico. Mignone exemplificou a “sinistra cumplicidade” com os militares numa operação militar em que desapareceram quatro catequistas e dois de seus maridos. Segundo o livro do fundador do Centro de Estudos Legais e Sociais, sua filha, Mónica Candelaria Mignone, e a presidente das Mães da Praça de Maio, Martha Ocampo de Vázquez, nunca mais foram encontradas.

fonte . http://oglobo.globo.com/mundo/novo-papa-foi-acusado-de-participar-da-ditadura-argentina-7832998

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