terça-feira, 15 de março de 2011

Em entrevistas, evangélica Marina Silva fala sobre espiritualidade, igrejas no Brasil e de sua vida pessoal

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Em entrevistas, evangélica Marina Silva fala sobre 
espiritualidade, igrejas no Brasil e de sua vida pessoal

Maria Osmarina Silva de Lima, a missionária e ambientalista Marina Silva, despede-se do Senado após 16 anos defendendo a causa ambiental no Governo, tanto como senadora, quanto como ministra do Meio Ambiente. A ex-candidata à presidência da República pelo Partido Verde (PV) fala à Comunhão sobre seu ministério, o movimento pró-Marina Silva, as barreiras e conquistas em seu ativismo ambiental, o papel da igreja na obra restauradora de Deus na Terra e seus sonhos para o País
A infância difícil no Acre, de muitas privações, ajudou a levá-la ao encontro com Deus?
Foi uma infância bem paradoxal, porque tinha a abundância dos recursos da Floresta Amazônica, apesar de algumas faltas em outras áreas. Eu era uma criança que ficava contemplando as estrelas, o sol, a lua, o céu, as coisas da natureza e identificando em tudo isso a presença de Deus. E na escassez d de alimento e nas dificuldades de doenças – porque não havia médico -,poder contar com o sobrenatural era a única esperança que tínhamos. Então, Deus sempre ocupou um lugar muito forte na minha vida. Tirávamos da floresta o nosso suprimento: látex, óleo. A floresta era, enfim, nosso grande celeiro. Tínhamos, ao mesmo tempo, uma floresta bonita exuberante e a escassez. Aquilo que não produzíamos comprávamos dos patrões, e o preço das mercadorias era sempre muito alto, ao contrário do preço da borracha que fabricávamos. Éramos submetidos a um regime quase que de escravidão.
O versículo “Quando sou fraco é que sou forte” (2 Coríntios 12:10) abre a sua biografia. Como, ao longo dos anos, a fé ajudou na superação da fragilidade na saúde?
Quando a gente se depara com uma falta em nós mesmos, com nossa insuficiência para uma série de coisas, não somos capazes de nos sentirmos amados e de termos o amor do outro, nem de nos sentirmos saudáveis, se a saúde não está em nós. Mas quando nos deparamos com essa fragilidade, podemos dar espaço para que Deus possa preencher essa falta. Então, ao me identificar faltosa em mim mesma, eu crio um espaço para que Deus possa preencher esse vazio, e aí eu sou uma pessoa forte. Toda vez que eu me encho de mim mesma, sinto-me autossuficiente em tudo e eu diminuo o espaço da presença de Deus em minha vida. E aí, contraditoriamente, ficamos fracos, porque Deus é quem nos sustenta.
Como concilia o ministério na igreja com o ativismo político?
Em 2004, eu fui consagrada à missionária da Assembléia de Deus de Brasília, que é a igreja onde congrego, cujo presidente é o pastor Sóstenes Apolo. Considero meu ministério itinerante para falar sobre essa esperança restauradora que é Jesus. Ao mesmo tempo, acredito que o trabalho que exerço na defesa do meio ambiente é um ministério, porque na Carta de Paulo aos Romanos diz que toda a criação geme com dores de parto. E ela geme esperando ser restaurada. Então, quando nossos primeiros pais caíram no Éden, tudo caiu com eles. A restauração de Deus é integral, é para tudo que Ele criou, inclusive a natureza. Por isso, sinto-me parte de um trabalho que tem a ver com esse processo de restauração da obra de Deus. E dá para conciliar porque não são incompatíveis. Quando temos uma função pública, atuamos para todos que creem. Quando temos a clareza da fé, você sabe que, se é abençoado, é também abençoador. E a bênção de Deus é para impactar onde a gente estiver, sem impor nossas verdades e valores.
Sofre preconceitos por ser cristã e estar alinhada com o pensamento científico?
Eu diria que na campanha eu sofri alguns preconceitos por ser evangélica. Quem acompanhou os movimentos na Internet sabe que eram feitas acusações e rotulações que não têm nada a ver com o meu testemunho de vida, e as pessoas que me conhecem e acompanham a minha vida sabem disso. Mas quando as pessoas têm a oportunidade de conhecerem e serem conhecidas, na maioria das vezes, o preconceito acaba.
Mesmo não ganhando nas urnas, a senhora foi considerada uma verdadeira vencedora no último pleito. Ser presidente do Brasil é um sonho?
Servir ao Brasil é uma aspiração, graças a Deus. Para mim, pode ser sendo uma boa professora ou uma senadora comprometida com a defesa da educação, da saúde, do meio ambiente, dos direitos humanos, da justiça e da ética na política. Isso é servir ao Brasil. Assim como sendo candidata à presidência da República, discutindo as questões com profundidade, evitando o embate, procurando fazer o verdadeiro debate, não transformando a fé numa arma política nem os púlpitos em palanque. O que está dentro de mil é o desejo de servir onde quer que eu esteja, porque não devemos escolher a bênção de Deus, e sim o Deus da bênção. E quando escolhemos o Deus da bênção, onde colocarmos a planta dos nossos pés é ali que a devemos fazer a diferença. Pode ser na comunidade, dentro da nossa casa ou no local de trabalho.
Eleita para dois mandatos consecutivos, a senhora está se despedindo do Senado. Fale das principais dificuldades enfrentadas para a aprovação de seus projetos no Senado.
Foi uma série de dificuldades, já que trabalho com temas novos. Um dos projetos mais importantes da minha trajetória legislativa no Senado foi a Lei de Acesso aos Recursos da Biodiversidade, e estou saindo, depois de 16 anos, sem ver esse projeto ser aprovado. Apresentei 72 projetos ao longo desses anos. Alguns foram votados e transformados em lei, mas os que são mais estruturantes, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, da economia e da ecologia, não foram aprovados. Há uma dificuldade porque muita gente ainda coloca economia em oposição à ecologia e vê na proteção do meio ambiente uma barreira para o desenvolvimento, quando, na verdade, a grande barreira está na destruição das bases naturais que o promove.
Na vida política e partidária, a senhora já se viu, em algum momento, obrigada a tomar alguma decisão conflitante com a Palavra de Deus?
Graças a Deus, durante esses anos todos, eu sempre tive uma atitude de não abrir mão dos meus princípios em função de determinadas circunstância. Sempre necessário, eu alegava objeção de consciência para não ter que votar em propostas contrárias ao que penso. É claro que são situações pelas quais você vai ter que pagar um preço de acordo com sua decisão. Uma parte das pessoas compreende e outras vão criticar. Mas é assim na vida, e democracia é isso. É preciso acabar com essa história de rotular as pessoas e passar a discutir, com profundidade, o mérito do que ela está dizendo e pensando.
Em seu pronunciamento de despedida do Senado, a senhora disse que “fiz o bom combate e guardei a fé” e que quer estar na ativa como mantenedora de utopias. Quais são as suas utopias?
Eu tenho o sonho de continuar sonhando pelo resto da minha vida. Tudo aconteceu na história da humanidade porque alguém foi capaz de sonhar, de se projetar para além de si mesmo e do seu tempo e fazer com que aquilo que ele faz tenha um forte vínculo com aqueles que virão. Quero continuar aliançada com aqueles que ainda não nasceram, para que possam ter condições iguais ou melhores das que temos hoje. Abraão deu um bom exemplo em relação a isso quando, aos 100 anos, plantou um bosque em Berseba sabendo que não ia comer dos frutos daquelas árvores nem ia usar aquela madeira, deixando tudo para a geração seguinte. Eu tenho o sonho de que o Brasil seja um país socialmente justo, ambientalmente sustentável, economicamente próspero, culturalmente diverso; que continue com a bênção de ter um Estado laico para assegurar os direitos dos que creem e dos que não creem e que possa garantir àqueles que não receberam esse toque do Espírito o convencimento desses princípios e dessa forma de viver.
Fale sobre suas expectativas em relação à gestão da primeira mulher presidente da República.
Eu torço para que seja uma gestão exitosa, para o bem do Brasil e dos brasileiros, para que a mensagem que foi dada sobre a relevância do tema sustentabilidade seja compreendida pelo novo governo e para que todas as questões possam ser integradas em políticas estruturantes. Que a sustentabilidade possa ser a questão central e que a gente integre os desafios da proteção ao meio ambiente aos desafios da agenda econômica, sem que um seja considerado mais importante do que o outro
O movimento pró-Marina Silva reacendeu em muitos o desejo de votar nas últimas eleições. Essa onda crescente de admiração pela sua pessoa a preocupa?
Eu sinto uma sensação de alegria e gratidão pelo respeito que as pessoas têm pelo meu trabalho, pela minha contribuição política. Mas sei que quando você é político e goza de algum carisma na sociedade, tem que saber administrar adequadamente para evitar qualquer tipo de manipulação. Além disso, não pode se colocar no lugar do “salvador da pátria” nem tirar das pessoas a responsabilidade de ter uma visão crítica ou de tomar as decisões por sua própria cabeça. Foi pensando assim que decidi ficar independente. É muito difícil, às vezes, ter essa atitude, porque somos tentados a querer ser importantes e dizer “olha, você ganhou porque fui eu quem te apoiou” ou “conduzi 20 milhões de pessoas para votar em você”. Mas a Palavra de Deus diz que a gente não deve ir pela porta larga, mas sim pelo caminhos estreito. Então, eu procuro sempre receber tudo isso com muito afeto, alegria, humildade e gratidão.
Os adeptos da “Marina mania” dizem que, se concorrer, a senhora será a próxima presidente. Todo esse apoio lhe deixa mais otimista para disputar o cargo de presidente?
Essa aceitação, solidariedade e apoio aumentam a responsabilidade. Eu tenho falado que é preciso construir no Brasil uma terceira via. Não há liberdade de escolha quando a gente tem que decidir entre A e B. E o Brasil está ficando um país quase bipartidarista, dividido entre o PT e o PSDB. E é fundamental a construção da terceira via para que, de fato, as pessoas possam ter liberdade de escolha. Então, isso aumenta sim a responsabilidade no sentido de querer contribuir para a concretização dessa via. Se for novamente candidata à presidência da República, como mulher de fé, eu sei que tenho ainda muita reflexão e avaliação pela frente e muita oração para que essa decisão apareça. Agora, não me coloco, a priori, no lugar de candidata porque quero trabalhar com a tranquilidade de quem vai fazer o que é necessário, contribuir sem ter que estar acotovelando as pessoas para que eu seja a candidata.
Durante os anos como senadora e com o ativismo ambiental, acha que tem conseguido fazer com que os problemas dos estados do Norte e Nordeste sejam tratados como questões nacionais?
Fiz um esforço muito grande para que isso acontecesse. De alguma forma, foi possível contribuir, sabendo que esse encontro do Brasil consigo mesmo não é obra de uma pessoa e sim de todos brasileiros. Não é propaganda do Nordeste para o Norte, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. É a perspectiva do encontro, da diferença social, cultural e política, mas sabendo que nós, das regiões mais pobres do Brasil, não podemos ser vistos como problema, mas como solução também. Quanto de vento e sol tem no Nordeste para gerar energia e riqueza, emprego e desenvolvimento para o país e, inclusive, para a comunidade pobre? Lembre-se da expressão que diz assim: “Fulano vai ver de quê? De vento?”. Pois hoje é preciso viver de vento, sim. Por isso, a gente precisa ter um modelo econômico mais democrático e horizontal, para que todos possam ser beneficiados com as riquezas naturais.
Acha que tem conseguido quebrar paradigmas por priorizar a causa ambiental?
O Brasil vem quebrando paradigmas. Pesquisas recentes dão conta de que 95% dos brasileiros estão dispostos a pagar mais caro pelos alimentos para protegerem as florestas. Grande parte dos brasileiros está ocupada com a manutenção do código florestal. E mais de 80% dos brasileiros estão dizendo que não votam em quem não tem compromisso com o meio ambiente. As empresas estão começando a integrar os critérios de responsabilidade socioambiental. Os governos estão sendo forçados a parar com o discurso aparentemente fácil para ganhar votos e com a oposição de meio ambiente e desenvolvimento. A juventude, cada vez mais, tem uma consciência maravilhosa em relação a esses temas. As crianças são altamente informadas sobre a necessidade de uma nova atitude em relação à natureza. Há uma sensibilidade para o tema, só que até transformar isso em atitude, leva um tempo e o planeta não pode esperar muito.
O cineasta Fernando Meireles afirmou, em sua biografia, que a senhora está voltada para o amanhã. Qual deve ser o papel da igreja na promoção de uma melhor relação do homem com a natureza para garantir o futuro ambiental do planeta?
A primeira coisa é ser coerente. Eu sempre brinco dizendo que é incoerente dizer que amamos o Criador sem respeitar a criação. Quando a gente ama alguém, a gente respeita o que ela faz, o que ela construiu e nos deu de presente. Deus nos deu o planeta Terra para morar. Em Salmos 115:16 diz que Deus habita nos céus, mas a terra foi dada para os homens morarem, e esse presente de Deus precisa ser cuidado. Essas riquezas e belezas são fundamentais para a manutenção da vida na Terra. E, obviamente, que, o grande desafio da igreja é de ter a perspectiva do reino de Deus aqui também na Terra. A promessa de restauração não é só para os humanos, é para toda criação. Se a gente entender isso como um ministério, a igreja vai ter um papel relevante, trabalhando os temas na comunidade, alinhando-se politicamente às grandes questões nacionais e internacionais e, ao mesmo tempo, fazendo a diferença na perspectiva que nos ensina a Palavra de Deus.


Para a Revista Comunhão

 

via Gritos de Alerta

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