“Estava mais preso do lado de fora do que agora, que vou voltar à cadeia. Não conseguia arrumar emprego para sustentar minha família, não podia ficar na casa da minha esposa ou da minha mãe porque tinha medo de ser preso. Na hora de dormir, chorava e me sentia deprimido longe da família. Comecei a entender que ninguém ia me aceitar porque eu estava ‘devendo’ cadeia. Agora, quero pagar o que devo à Justiça e ter uma vida digna mesmo preso”, explicou Renato, que ficou quatro anos preso.
A decisão de se entregar surgiu há pouco mais um mês, após ele se converter à Assembleia de Deus de Bento Ribeiro, que tem à frente o pastor Robson. “Sou novo e tenho tempo para me recuperar. Ficava pensando: se eu for preso com mais idade, com quantos anos iria sair da cadeia?”.
Com o ‘coração tocado por Deus’, como ele definiu, o próximo passo era resolver a pendência judicial. E a ajuda veio de duas pessoas que sabem o que é estar do outro lado da lei, mas que hoje, após cumprirem suas penas, desfrutam de todos os benefícios da vida fora do crime: o ex-bandido e agora pastor Marcos César Santos Costa, antes conhecido como o Cesinha da Cidade de Deus, e Norton Guimarães, idealizador e coordenador do projeto Empregabilidade do AfroReggae, ex-assaltante.
“Cesinha disse para eu procurar o Norton. Quando recebi um telefonema marcando dia e hora para conversar com ele, fiquei nervoso e até chorei. Mas em nenhum momento pensei em desistir. Disse: ‘chegou a hora’”, lembrou.
A contagem regressiva para Renato pagar sua dívida com a Justiça começou pouco após as 11h30 de ontem, quando ele chegou à sede do AfroReggae, na Lapa, com a mãe Rosário, a tia Deise e a mulher, Elizabeth. Em seguida, foi ao Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública e de lá seguiu para a VEP, no Tribunal de Justiça, onde se entregou ao juiz Carlos Eduardo de Figueiredo. Uma conversa muito rápida com o magistrado e um aperto de mãos selaram o destino de Renato. “Quero voltar para a cadeia. Estou tranquilo e feliz. Vou fazer o que for mandado para sair o mais rápido possível e levar uma vida normal”.
Cinco tiros em assalto
Pai de dois filhos adolescentes, Renato fugiu da cadeia depois de obter o direito a Visita Periódica ao Lar (VPL). Quatro anos antes, ele fora preso em uma tentativa de assalto no Tanque, Jacarepaguá. No confronto, levou cinco tiros. “Fiquei três horas esperando a ambulância, o tempo todo de olho aberto. Achava que morreria se fechasse os olhos. Deus me poupou da morte para hoje eu ser um exemplo para as pessoas que escolhem o caminho que eu escolhi”, acredita ele.Renato contou que as drogas o levaram ao mundo do crime. Ao 14 anos, começou a fumar maconha; depois, passou a cheirar cocaína. O objetivo, então, era ‘curtir a vida legal’ que bandidos levavam: mulheres, tênis de marca, dinheiro.
“Tive tudo isso, mas me arrependo do que eu fiz”, garantiu ele, que começou a roubar aos 15 anos. Depois, foi traficante até se tornar um assassino, quando matou um homem, em 2000, em Nilópolis. “Nesse momento, minha vida virou um inferno”.
Norton se emocionou com a história de Renato, terceiro foragido levado à Justiça pelo Empregabilidade. “Em nossa conversa tem que ter verdade. Ele é corajoso. Não sei se eu tomaria essa atitude”, disse Norton.
Renato voltou na segunda ao Instituto Penal Edgar Costa, em Niterói. Lá, ele cumprirá pelo menos dois anos em regime fechado. Segundo o juiz Carlos Eduardo de Figueiredo, será aberto um procedimento disciplinar para analisar a situação do preso. “Fugir é uma falta grave. Mas, se tiver bom comportamento, conquistar nossa confiança novamente, poderá receber algum benefício mais adiante. É uma questão de tempo. Temos recebido muitos casos como esse. É um sinal de que as pessoas estão acreditando na Justiça”, analisou o magistrado.
Quando Norton levou o caso de Renato ao Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública, o processo estava arquivado porque o detento estava foragido e havia um mando de prisão expedido contra ele.
“Por isso levamos quase dois meses para que Renato pudesse se entregar. Não havia o que fazer por ele se não fossem nessas condições”, explicou o assessor do coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Alan Deodoro. “Trabalhamos pela ressocialização. Nossa função não é só defendermos o preso e depois abandoná-lo”, frisou.
Fonte: Terra
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