quinta-feira, 3 de março de 2011

ENTREVISTA: Deputado Gay, Ex BBB diz que Clodovil era Homofóbico Jornalista, professor e ganhador do BBB, deputado do PSOL defende casamento gay e critica "fundamentalismo" cristão no Congresso


O deputado Jean Wyllys, em seu primeiro discurso na Câmara: plenário vazio (Diógenis Santos/Agência Câmara)

O ex-BBB, sobre fazer parte da lista de famosos da Câmara, com Romário e Tiririca: "Não me sinto incomodado, só acho que não há termos de comparação entre a gente, a não ser por essa coisa sem consistência da fama"

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) é uma figura peculiar no Congresso. Primeiro, por ser o único homossexual assumido entre os 594 parlamentares. Segundo, por ser um dos três integrantes da minúscula bancada do estridente PSOL. Terceiro: como ex-participante do Big Brother Brasil, programa do qual foi vencedor em 2005, é um integrante da chamada "bancada dos famosos", embora se sinta desconfortável com o rótulo. Na semana passada, em seu primeiro discurso na Câmara, levantou uma bandeira polêmica: a institucionalização do casamento gay - e não só da união civil, ele ressalta - na Consituição Federal. Wyllys conversou com o site de VEJA.

Em discurso, o senhor prometeu trabalhar para aprovar uma proposta de emenda à Constituição que institucionalize o casamento gay. Será sua principal bandeira?

Pretendo ter uma atuação ampla na defesa dos direitos humanos e sociais. Antes de ser deputado, sempre fui ligado ao movimento GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis). Tenho que prosseguir e atender às demandas desse grupo. E a PEC do casamento civil é uma demanda do movimento há muito tempo. Este é o primeiro projeto na área de direitos humanos e de minorias que eu proponho.

Já há um projeto no Senado tratando da união civil. A proposta do senhor é diferente?


Tem diferença, sim. Os heterossexuais podem optar pelo casamento ou pela união estável. Os homossexuais não podem optar por nada porque eles não têm direito a nada. O Judiciário está em vias de fazer valer a união estável para todo o Brasil, mas os gays precisam recorrer à Justiça para ter o direito a isso. Estou propondo uma coisa diferente: uma alteração na Constituição que passa a estender o direito do casamento civil ao conjunto da população. Se o estado é laico, se os homossexuais têm todos os deveres civis, ele tem que ter todos os direitos civis. Eu faço questão de falar em casamento civil entre homossexuais. A simples expressão "casamento gay" gera um equívoco na cabeça das pessoas, a ideia de que está se pleiteando o casamento nas igrejas cristãs. Não é isso. É o casamento civil.

O senhor tachou a maior parte dos deputados de “fundamentalistas cristãos”. Não teme criar uma animosidade com um grupo influente?

Não marquei posição de maneira a criar animosidades. Mas o que obstrui a extensão da cidadania a grupos minoritários no Brasil é uma interpretação equivocada dos parlamentares fundamentalistas. E eu faço uma distinção: existem parlamentares cristãos que não são fundamentalistas. Os fundamentalistas são aqueles que nem sequer querem sentar para um debate. Nenhum valor cristão está sendo violado, é uma questão de tratamento civil. Como pedir, hoje, para os negros sentarem nos bancos traseiros dos ônibus. É simples assim. Não estou fazendo uma crítica dos cristãos de uma maneira geral.

Mas há quem argumente que o casamento é uma instituição que nasceu com a religião, e que não pode ser dissociada de sua origem. Uma pessoa que não quer dissociar o casamento civil da relação religiosa é alguém que quer fundar um estado teocrático, que vai contra o princípio republicano: a ideia de que estado e igreja vivem separados, e de que o estado não tem paixão religiosa nem pode se orientar por princípios de uma religião. Ainda mais num país diverso culturalmente, com a pluralidade religiosa com a nossa. É um absurdo.

O senhor rompeu com a Igreja Católica por causa da homossexualidade?

Eu me engajei muito cedo no movimento pastoral da Igreja Católica. A teologia da Libertação é muito forte, especialmente nos bolsões de pobreza. Muito cedo, eu me engajei na fé católica e no movimento pastoral. Era uma igreja muito mais comprometida com a questão social, entendia que a gente precisava construir aqui o reino dos céus. Mas chegou um momento em que, do ponto de vista pessoal, o Cristianismo já não me dava mais as respostas que eu queria. Na medida em que o papa insiste numa demonização da homossexualidade, não me cabia mais seguir. E aí me abri para as regiões afro-brasileiras. Estudei isso, sou professor de cultura brasileira. E hoje eu posso dizer que sou um simpatizante dessas religiões.

O senhor disse ser o primeiro homossexual militante e “sem homofobia internalizada” a chegar ao Congresso. Foi uma referência direta ao ex-deputado Clodovil?

O Clodovil nunca teve um engajamento gay. Ele acabou fazendo um ativismo involuntário, porque era homossexual assumido e estava na TV. Ele era adorado pelas senhoras que votaram nele, pelas donas de casa. Se o Clodovil se levantasse como um ativista, não seria adorado pelas senhoras. O Clodovil tinha homofobia internalizada. Ia a público se colocar contra as bandeiras do movimento. Não foi uma nem duas vezes que ele deu declarações à imprensa contra o casamento gay. Fazia até deboche disso. “Detonou” a parada do orgulho gay, quando foi perguntado. Embora fosse homossexual assumido, ele não levou essa discussão para o Congresso Nacional. Eu tinha até uma relação pessoal com ele, era um cara que me respeitava bastante, mas a verdade é que ele não carregava nem defendia essas bandeiras.

Em seu discurso, o senhor lembrou fases da sua vida, mas não fez referência ao Big Brother Brasil. Como vê a participação no progama?

Minha participação no Big Brother tem uma grande relevância na minha vida e na vida de muita gente, levou para a sala de estar um debate que ninguém tinha travado, sobre a representação da homossexualidade na TV. Entrei não em busca de fama imediata ou efêmera na carreira artística, entrei em busca de um objeto de estudo e porque queria estudar o reality show - é meu objeto de doutorado. De bônus, veio o impacto político. Em todos os lugares em que eu vou as pessoas falam da importância da participação, de ampliar o leque de representação da homossexualidade. Tenho o maior orgulho de ter feito aquele programa, mas não fiz uso disso na minha campanha. A candidatura aconteceu seis anos depois da minha participação, depois de uma ausência voluntária minha do show business. Não tem porque agora eu ficar ressuscitando isso em cada entrevista que dou. O Big Brother é uma obsessão de vocês, jornalistas. Qual é a relevância disso hoje, ainda mais nesse outro espaço que eu ocupo?

Ser colocado na lista dos famosos da Câmara, junto com deputados como Romário e Tiririca, é um incômodo? Não me sinto incomodado, só acho que não há termos de comparação entre a gente, a não ser por essa coisa sem consistência da fama. Fora isso não, existe coincidência entre nossa história de vida, nossas propostas, nossas campanhas, nossos partidos. Não há qualquer termo de comparação. Acho legítimo que os dois estejam lá. A Constituição garante o direito de se candidatar para representar os interesses do povo brasileiro. Acho lamentável que a imprensa fique dando atenção demasiada e jocosa aos nossos mandatos e esqueça de vigiar os outros deputados. Não somos nós que vamos fazer negociatas. Não fomos nós que fomos eleitos pela força da grana, pela compra de votos.



Com informações Veja Online / Agência Camara

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