Texto: Edjane Oliveira / Foto: Arquivo JC
A cada ano tem sido registrado um crescimento em torno de 6% a 8% no número de crimes praticados por adolescentes. Nos últimos anos, especificamente, a prática de roubo tem crescido em decorrência do aumento do consumo de drogas, principalmente o crack. “Essa droga é um mal terrível. É um problema que as autoridades têm que tomar providência, porque é uma questão de saúde pública”, disse o delegado responsável pela Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente Infrator, Marco Passos.
Um dado interessante é que há uma distinção clara entre os tipos de crimes cometidos e o perfil do infrator. Os casos ligados à violência em festas, boates e casas de shows são praticados normalmente por garotos de classe média e alta. “Nesse bojo estão também os adolescentes que participam de torcidas organizadas, que são na verdade verdadeiras gangues, onde fazem uso de drogas, marcam encontros pela internet, através de sites de relacionamentos como Orkut, ou nos shoppings”, contou Passos.
Já os casos de furto a varejo, como assalto a ônibus e a transeuntes, geralmente são praticados por adolescentes dependentes de drogas, principalmente crack, moradores da periferia, muitos abandonados pela família ou criados apenas pela mãe ou avó, sem a presença paterna. “A prática desse delito é a fonte de alimentação do vício”, revelou.
Pelo menos umas 20 vezes os filhos de dona Lucineide dos Santos já foram apreendidos cometendo assaltos e furtos em Aracaju e levados para a Delegacia da Criança e do Adolescente. A mais recente delas foi no sábado da semana passada. Na quarta-feira última, novamente foram entregues à mãe e retornaram – teoricamente – para casa. Os dois adolescentes já ficaram internados na Unidade Socioeducativa de Internação Provisória (Usip) por um período. O mais novo por dois meses e o maior, por três.
Destruição familiar
Há um ano, desde que os meninos começaram a consumir crack, a rotina de Lucineide tem sido procurar os filhos. “Quando não estão presos, estão roubando para manter o vício. O crack é uma desgraça para a família”, disse, em meio a lágrimas. Aos 16 anos, o mais velho ainda lembra a primeira vez que experimentou a droga. Ele conta que estava “de rolé” na Praça da Bandeira, quando um colega ofereceu a pedra para fumar. Nunca mais largou o vício. “Quanto mais fumo mais sinto vontade de fumar, por isso roubo pra comprar crack”, revelou.
Foi através dele que o irmão mais novo conheceu a droga. Os dois juntos saem para cometer pequenos assaltos e garantir o consumo do crack. Sem usar qualquer tipo de armas, eles roubam transeuntes e estabelecimentos comerciais. “A gente rouba sem nada, na mão limpa, na ‘tora’”, disse o mais novo. A ausência de medo de se deparar com alguma vítima que reaja à abordagem pode ser explicada pela reação eufórica causada pelo crack ao usuário.
Atualmente, dos 76 adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro de Atendimento ao Menor (Cenam), 32 estão lá por terem cometido pequenos delitos. Só por furto são 15 internados. 71% dos internos do Cenam são de municípios do interior do Estado.
Antes praticados apenas por meninos, o delegado Marco Passos disse que também tem crescido a presença de meninas na prática desses delitos para o sustento do vício do crack. Segundo o delegado, hoje não existe mais essa diferença que antigamente existia. “Hoje, as garotas viciadas também são violentas. Temos verdadeiras gangues de garotas que marcam encontros nos shoppings para agredir as ‘patricinhas’. A agressão ainda é um pouco menor que a masculina, mas já é muito marcante”, acrescentou.
Falta estrutura para atender menores infratores em Sergipe
“Só queria que eles fossem mandados para algum lugar para se tratar e largar esse vício e só assim deixarem de roubar. Como mãe é muito difícil ter que viver na delegacia para resolver esse problema”. O desabafo de Lucineide da Silva dos Santos, mãe de dois adolescentes de 13 e 16 anos diversas vezes apreendidos por furto, é o relato comum de dezenas de outras mães que diariamente chegam à Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente Infrator. Ela já perdeu as contas de quantas vezes os filhos foram detidos por furtos.
A prática delituosa tem sempre o mesmo objetivo: vender o produto do roubo e furto para comprar crack. “De casa, eles nunca levaram nada. Mas na rua o que roubam é para comprar a droga”, disse a mãe, com a vergonha de quem não sabe mais o que fazer para livrar os dois filhos do famigerado vício do crack. “Queria um tratamento para eles, mas não sei como. Dos meus cinco filhos [os outros com 18, dez e quatro anos], só eles dois dão trabalho”, contou.
Segundo o delegado responsável pela especializada, Marco Passos, casos como o da dona de casa Lucineide Santos são comuns. No entanto, diferentemente da Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), onde são atendidos os adolescentes e crianças vítimas de violência, a DEPCA Infrator não possui estrutura de pessoal com assistente social e/ou psicólogo para prestar atendimento às famílias e aos adolescentes e crianças envolvidos com o crime em decorrência do consumo de drogas.
O problema da falta de estrutura mínima da delegacia fica ainda mais evidente diante da
crescente procura diária de famílias, principalmente mães, por tratamento e soluções para a vida de filhos envolvidos na criminalidade por conta do uso de drogas, hoje em dia mais especificamente do crack. Quando chegam à DEPCA, não encontram, infelizmente, esse suporte que poderia evitar que os adolescentes se afundassem mais no mundo do crime. “Infelizmente, a delegacia tem sido o caminho procurado por muitas famílias para tentar livrar os filhos da vida da marginalidade, ingressada normalmente pelo caminho do vício do crack, quando deveria ser a última porta a ser batida”, disse o delegado.
Marco acredita que se na estrutura da delegacia existisse psicólogo ou assistente social poderia ser dado um acompanhamento diferente às famílias. “A presença desses profissionais facilitaria o trabalho e daria uma forma de encaminhamento da questão. Um assistente social e um psicólogo têm mais preparo até para lidar com essas famílias e saber fazer os encaminhamentos naturais para os órgãos realmente capacitados para agir com eles [adolescentes]”, disse Marco Passos.
Hoje, com o que a delegacia dispõe, após ouvir a família, os casos são encaminhados para os Conselhos Tutelares e outros órgãos. A questão é que muitos depois acabam retornando novamente à delegacia. O delegado Marco Passos disse que vários garotos apreendidos depois são entregues à família, mas ao retornar ao ambiente onde vivem sem um acompanhamento que deveria ser dado eles acabam reincidindo. “A gente vê que não há um desdobramento da coisa. E com pessoas aqui treinadas para isso haveria encaminhamento para os órgãos e entidades competentes e com isso fosse dado um tratamento para que eles não reincidissem no crime por conta do consumo da droga”, opinou.
Acompanhamento de perto
Já existem alguns encaminhamentos na Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) para que seja montada uma equipe multidisciplinar – com a presença de psicólogo e assistente social – para prestar atendimento na Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente Infrator. Segundo o assessor de Comunicação da SSP, Lucas Rosário, recentemente a secretaria firmou convênio com as universidades e isso possibilitará a contratação de estagiários nessas áreas para desenvolver esse trabalho. “Os estagiários serão coordenados por um profissional capacitado. A perspectiva é que a equipe seja montada para dar apoio a esta delegacia, como também às outras especializadas”, informou.
Há cinco anos, desde que foi criado, a Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), que faz o atendimento a crianças e adolescência vítimas, já dispõe dessa estrutura multidisciplinar. Em um ambiente diferenciado, criado para acolher as vítimas sem a frieza de uma delegacia convencional, durante o atendimento realizado pela delegada, o caso da criança ou adolescente é avaliado.
Segundo a coordenadora do DAGV, após a avaliação, ele é encaminhado para a assistente social ou estudantes de psicologia. A rede de assistência é formada ainda pelo Centro de Referência em Assistência Social (Creas) São João de Deus e a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, onde são atendidas as vítimas de violência e abuso sexual. Essa estrutura diferenciada colaborou para que houvesse um crescimento no número de denúncias de casos de violência contra criança e adolescente.
A cada ano tem sido registrado um crescimento em torno de 6% a 8% no número de crimes praticados por adolescentes. Nos últimos anos, especificamente, a prática de roubo tem crescido em decorrência do aumento do consumo de drogas, principalmente o crack. “Essa droga é um mal terrível. É um problema que as autoridades têm que tomar providência, porque é uma questão de saúde pública”, disse o delegado responsável pela Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente Infrator, Marco Passos.
Um dado interessante é que há uma distinção clara entre os tipos de crimes cometidos e o perfil do infrator. Os casos ligados à violência em festas, boates e casas de shows são praticados normalmente por garotos de classe média e alta. “Nesse bojo estão também os adolescentes que participam de torcidas organizadas, que são na verdade verdadeiras gangues, onde fazem uso de drogas, marcam encontros pela internet, através de sites de relacionamentos como Orkut, ou nos shoppings”, contou Passos.
Já os casos de furto a varejo, como assalto a ônibus e a transeuntes, geralmente são praticados por adolescentes dependentes de drogas, principalmente crack, moradores da periferia, muitos abandonados pela família ou criados apenas pela mãe ou avó, sem a presença paterna. “A prática desse delito é a fonte de alimentação do vício”, revelou.
Pelo menos umas 20 vezes os filhos de dona Lucineide dos Santos já foram apreendidos cometendo assaltos e furtos em Aracaju e levados para a Delegacia da Criança e do Adolescente. A mais recente delas foi no sábado da semana passada. Na quarta-feira última, novamente foram entregues à mãe e retornaram – teoricamente – para casa. Os dois adolescentes já ficaram internados na Unidade Socioeducativa de Internação Provisória (Usip) por um período. O mais novo por dois meses e o maior, por três.
Destruição familiar
Há um ano, desde que os meninos começaram a consumir crack, a rotina de Lucineide tem sido procurar os filhos. “Quando não estão presos, estão roubando para manter o vício. O crack é uma desgraça para a família”, disse, em meio a lágrimas. Aos 16 anos, o mais velho ainda lembra a primeira vez que experimentou a droga. Ele conta que estava “de rolé” na Praça da Bandeira, quando um colega ofereceu a pedra para fumar. Nunca mais largou o vício. “Quanto mais fumo mais sinto vontade de fumar, por isso roubo pra comprar crack”, revelou.
Foi através dele que o irmão mais novo conheceu a droga. Os dois juntos saem para cometer pequenos assaltos e garantir o consumo do crack. Sem usar qualquer tipo de armas, eles roubam transeuntes e estabelecimentos comerciais. “A gente rouba sem nada, na mão limpa, na ‘tora’”, disse o mais novo. A ausência de medo de se deparar com alguma vítima que reaja à abordagem pode ser explicada pela reação eufórica causada pelo crack ao usuário.
Atualmente, dos 76 adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro de Atendimento ao Menor (Cenam), 32 estão lá por terem cometido pequenos delitos. Só por furto são 15 internados. 71% dos internos do Cenam são de municípios do interior do Estado.
Antes praticados apenas por meninos, o delegado Marco Passos disse que também tem crescido a presença de meninas na prática desses delitos para o sustento do vício do crack. Segundo o delegado, hoje não existe mais essa diferença que antigamente existia. “Hoje, as garotas viciadas também são violentas. Temos verdadeiras gangues de garotas que marcam encontros nos shoppings para agredir as ‘patricinhas’. A agressão ainda é um pouco menor que a masculina, mas já é muito marcante”, acrescentou.
Falta estrutura para atender menores infratores em Sergipe
“Só queria que eles fossem mandados para algum lugar para se tratar e largar esse vício e só assim deixarem de roubar. Como mãe é muito difícil ter que viver na delegacia para resolver esse problema”. O desabafo de Lucineide da Silva dos Santos, mãe de dois adolescentes de 13 e 16 anos diversas vezes apreendidos por furto, é o relato comum de dezenas de outras mães que diariamente chegam à Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente Infrator. Ela já perdeu as contas de quantas vezes os filhos foram detidos por furtos.
A prática delituosa tem sempre o mesmo objetivo: vender o produto do roubo e furto para comprar crack. “De casa, eles nunca levaram nada. Mas na rua o que roubam é para comprar a droga”, disse a mãe, com a vergonha de quem não sabe mais o que fazer para livrar os dois filhos do famigerado vício do crack. “Queria um tratamento para eles, mas não sei como. Dos meus cinco filhos [os outros com 18, dez e quatro anos], só eles dois dão trabalho”, contou.
Segundo o delegado responsável pela especializada, Marco Passos, casos como o da dona de casa Lucineide Santos são comuns. No entanto, diferentemente da Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), onde são atendidos os adolescentes e crianças vítimas de violência, a DEPCA Infrator não possui estrutura de pessoal com assistente social e/ou psicólogo para prestar atendimento às famílias e aos adolescentes e crianças envolvidos com o crime em decorrência do consumo de drogas.
O problema da falta de estrutura mínima da delegacia fica ainda mais evidente diante da
crescente procura diária de famílias, principalmente mães, por tratamento e soluções para a vida de filhos envolvidos na criminalidade por conta do uso de drogas, hoje em dia mais especificamente do crack. Quando chegam à DEPCA, não encontram, infelizmente, esse suporte que poderia evitar que os adolescentes se afundassem mais no mundo do crime. “Infelizmente, a delegacia tem sido o caminho procurado por muitas famílias para tentar livrar os filhos da vida da marginalidade, ingressada normalmente pelo caminho do vício do crack, quando deveria ser a última porta a ser batida”, disse o delegado.
Marco acredita que se na estrutura da delegacia existisse psicólogo ou assistente social poderia ser dado um acompanhamento diferente às famílias. “A presença desses profissionais facilitaria o trabalho e daria uma forma de encaminhamento da questão. Um assistente social e um psicólogo têm mais preparo até para lidar com essas famílias e saber fazer os encaminhamentos naturais para os órgãos realmente capacitados para agir com eles [adolescentes]”, disse Marco Passos.
Hoje, com o que a delegacia dispõe, após ouvir a família, os casos são encaminhados para os Conselhos Tutelares e outros órgãos. A questão é que muitos depois acabam retornando novamente à delegacia. O delegado Marco Passos disse que vários garotos apreendidos depois são entregues à família, mas ao retornar ao ambiente onde vivem sem um acompanhamento que deveria ser dado eles acabam reincidindo. “A gente vê que não há um desdobramento da coisa. E com pessoas aqui treinadas para isso haveria encaminhamento para os órgãos e entidades competentes e com isso fosse dado um tratamento para que eles não reincidissem no crime por conta do consumo da droga”, opinou.
Acompanhamento de perto
Já existem alguns encaminhamentos na Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) para que seja montada uma equipe multidisciplinar – com a presença de psicólogo e assistente social – para prestar atendimento na Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente Infrator. Segundo o assessor de Comunicação da SSP, Lucas Rosário, recentemente a secretaria firmou convênio com as universidades e isso possibilitará a contratação de estagiários nessas áreas para desenvolver esse trabalho. “Os estagiários serão coordenados por um profissional capacitado. A perspectiva é que a equipe seja montada para dar apoio a esta delegacia, como também às outras especializadas”, informou.
Há cinco anos, desde que foi criado, a Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), que faz o atendimento a crianças e adolescência vítimas, já dispõe dessa estrutura multidisciplinar. Em um ambiente diferenciado, criado para acolher as vítimas sem a frieza de uma delegacia convencional, durante o atendimento realizado pela delegada, o caso da criança ou adolescente é avaliado.
Segundo a coordenadora do DAGV, após a avaliação, ele é encaminhado para a assistente social ou estudantes de psicologia. A rede de assistência é formada ainda pelo Centro de Referência em Assistência Social (Creas) São João de Deus e a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, onde são atendidas as vítimas de violência e abuso sexual. Essa estrutura diferenciada colaborou para que houvesse um crescimento no número de denúncias de casos de violência contra criança e adolescente.
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