sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ódio aos Pobres


“Hoje qualquer miserável tem um carro.” Essas foram as palavras do jornalista Luiz Carlos Prates na RBS de Santa Catarina,uma afiliada da Rede Globo, durante um comentário sobre o número de acidentes durante o feriado de 15 de novembro.Prates disse, exaltado, que a causa das mortes seria “a popularização do automóvel, resultado desse governo espúrio que popularizou,pelo crédito fácil,o carro para quem nunca tinha lido um livro”.Comentários como estes,mesmo que muitas vezes velados, são correntes na nossa sociedade. Ainda mais agora, que estamos assistindo à ascensão de milhões de brasileiros que antes estavam à margem do consumo e hoje respondem por quase R$ 430 bilhões da renda anual da população do País.

“A classe média se incomoda mesmo, pois hoje os mais pobres estão ocupando um espaço que antes não ocupavam.Você vai a qualquer favela e tem televisão de plasma”,comenta o porteiro Loudivan Sousa de Abreu, de 38 anos. A observação de Abreu coincide com a opinião da antropóloga Teresinha Bernardo.Segundo ela, a “manifestação preconceituosa (do jornalista da RBS) é típica das classes intermediárias que têm carro, mas não têm motorista”. A tradicional classe média brasileira se consolidou explorando mão de obra barata, pouco especializada e pouco exigente. Com mais renda e qualifi cação, os trabalhadores passam a ser mais exigentes, recebem melhores salários e
adquirem bens que anteriormente simbolizavam o status da classe média tradicional.Esse grupo então começa a ter que dividir seu conforto,privilégios e espaços com a nova classe média ascendente,que chega para ficar.

O sociólogo Marcelo Medeiros relata que o número de empregadas domésticas que dormem no trabalho caiu drasticamente no Brasil nos últimos anos, e as que vão todos os dias também está diminuindo.“Isso ocorre em razão do aumento sistemático do salário mínimo e de outras tantas razões. Com a economia mais aquecida,essa mulher tem outras possibilidades.

Se ela ganha mais, ela pode se especializar e buscar um trabalho que pague melhor, e assim não fica tão dependente do salário que o empregador quer pagar”, avalia .

Medeiros vai além,baseado na tendência de que o País deverá envelhecer nos próximos anos. Segundo o professor,“essa mulher que hoje é babá e empregada doméstica terá a chance de se especializar para mais tarde ser contratada como auxiliar para cuidar de idosos, que é uma função que exige mais qualificação e oferece melhores salários. Isso é ótimo para a economia. Isso só não é bom para a elite que está acostumada a explorar mão de obra barata”.Essa ascensão,no entanto,não livra a nova classe C do olhar desconfiado e preconceituoso nos novos lugares que passa a frequentar para consumir,estudar e trabalhar. Em 2002,Breno Figueredo Ramires, de 25 anos,
que vem de uma família de baixa renda, tinha dúvidas sobre o futuro, mas aproveitou o momento positivo na economia e hoje é analista de sistemas de uma grande empresa de tecnologia.

Ramires percebe que em seu ambiente de trabalho não basta ser bom, precisa ter um comportamento impecável,melhor do que o dos outros, para receber um tratamento igual. “Não adianta avanço da renda dos brancos no mesmo período, que foi de 19%. O estudo ainda aponta que esse desempenho possibilitou um maior acesso dessa população a bens de consumo, e hoje o negro já é protagonista do consumo no mercado emergente.
O estudo foi baseado em questionários enviados para as empresas melhores classificadas em um ranking organizado por uma revista de negócios. Apenas 109 responderam.

“Mesmo as mulheres estudando, em média, mais tempo do que os homens, elas recebem salários mais baixos e não ocupam tantos cargos executivos em grandes empresas.As razões são culturais e de preconceito. A situação das negras é ainda pior,pois essas seis executivas se identificam como pardas, e não negras”, explica Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos.

Gerente de recursos humanos da multinacional Dematic,Ana Maria Silva, de 58 anos, também enfrentou preconceitos. “Nunca pensei que por ser negra não conseguiria chegar aonde cheguei e não dava muita atenção para as discriminações que sofrie que, na maioria das vezes, ocorreu de modo inconsciente”, assegura.Para ela, a situação tem melhorado nos últimos anos, principalmente em função da eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos e da chegada da executiva Ursula Burns à presidência mundial da Xerox.
De acordo com Teresinha,o preconceito contra os negros pode aumentar e diminuir com essa ascensão à classe média. “Aumenta sempre que o negro compete com o branco, no ambiente de trabalho, por exemplo. E diminui quando ele se insere e é acolhido”, afirma.Para ela, esse acolhimento tem a ver com educação você estar certo, você tem que estar mais certo que os outros”, considera.

Vagner Pedro Xavier, de 22 anos, também de origem humilde,estudante de psicologia,sente olhares desconfiados quando vai a exposições de arte e outros espaços culturais,locais que passou a frequentar depois de ingressar em uma faculdade particular. “Hoje qualquer pobre faz faculdade. Não é tão difícil conciliar os estudos com o trabalho, levando em consideração que centrais de telemarketing exigem apenas 6 horas de jornada. Mas esse trabalho e essas faculdades são alvos de preconceito.”

No último dia 19, veio à tona o caso de uma estudande de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que era agredida no grupo de e-mails do qual participava com outros alunos.

Negra e bolsista do programa Prouni, ela era ridicularizada pelo cabelo, pelas roupas e por sua origem. O curso e a universidade em que ela estuda estão entre as mais tradicionais do País.

A antropóloga Teresinha Bernardo defende que a classe C aumentou nos últimos anos alimentada pelos jovens e principalmente pelos jovens negros, graças ao acesso à educação e pela promoção das cotas. De acordo com pesquisa realizada pela consultoria Data Popular, 89,4% dos negros estão inseridos nas classes C, D e E.

O levantamento também aponta que, desde 2007, a renda média per capita da população negra no Brasil aumentou 38%, chegando aos R$ 554 bilhões este ano.Este percentual é o dobro do e preparação para encarar essa nova realidade: “A escola deve preparar as crianças e os jovens para encarar com naturalidade a ascensão do negro e a mídia poderia ser muito útil para fazer o mesmo entre os adultos.”

Gabriela Nunes é negra e trabalha em um restaurante de uma rede internacional dirigido para jovens da classe média. Para trabalhar lá, é preciso passar por um processo seletivo concorrido e muitos dos atendentes são universitários de classe média que enxergam o emprego como uma possibilidade de juntar dinheiro.Com o bom salário, Gabriela frequenta restaurantes tão caros quanto o que trabalha e nunca se sentiu discriminada.Mas, o seu patrão insiste para que ela mude o visual do cabelo,que, segundo ele, não estaria “adequado para o ambiente”,e ouve desaforos dos clientes. “Uma vez disseram que o restaurante estava ficando ‘caído’ porque estavam contratando até neguinhas”, conta a jovem.

Zulma Vital Nunes Pereira,de 59 anos, é proprietária da Purpose Centro de Idiomas, em São Paulo,desde 1983. Exceção em um País com tão poucas oportunidades para mulheres negras, ela se formou em Filosofia e Letras. “Em 1973, fui a única negra a estudar na PUC. Falo inglês e francês, fiz curso de secretariado no SENAC e, mesmo sendo excelente datilógrafa,não conseguia arrumar emprego.Quando consegui ser secretária bilíngue de uma siderúrgica, me dispensaram dizendo que os estrangeiros se sentiam constrangidos de serem atendidos por uma negra, o que não era verdade”, conta.

A empresária acredita que, após 122 anos da abolição da escravatura, a mulher negra precisa provar o tempo todo que é capaz e receber salários mais altos.

Segundo pesquisa do Instituto Ethos,em parceria com o Ibope, entre os 1.281 diretores das 500 maiores empresas do País,há apenas seis mulheres negras.Nos quadros de base, elas ocupam 9,3% do total.

folha universal

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